A ascensão de Ronald Reagan à presidência do Estados Unidos no começo da década de 1980 marcou o início do neoliberalismo naquele país, ao mesmo tempo em que a população carcerária americana começou a crescer vertiginosamente.
No Brasil, a posse de Fernando Henrique Cardoso como presidente em 1995 representou o começo da implantação das teses neoliberais por aqui, enquanto no mesmo período também começou a prática do encarceramento em massa. Para Pedro Estevam Serrano, advogado e professor de Direito Constitucional da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), ambos os casos não são meras coincidências.
“O encarceramento em massa é uma fórmula estrutural de manter o sistema e o controle social. O neoliberalismo aprofunda a desigualdade social e sua proposta para o problema é a prisão. Como no Brasil temos uma grande desigualdade social, há a criação de um estado de exceção permanente como forma de controle social”, explicou Serrano durante debate sobre o sistema penal e carcerário do Brasil, promovido na última segunda-feira (16) pelo coletivo Jornalistas Livres.
O professor de Direito Constitucional enfatiza não desconsiderar o racismo histórico da sociedade e a perseguição ao negro, mas pensa ser esse um aspecto insuficiente para entender a situação carcerária do Brasil.
Para ele, o modelo neoliberal desenvolvido na América Latina é bem diferente daquele da Europa. Por aqui, o neoliberalismo é mais autoritário do que no resto do mundo e acaba com o conceito de utilidade pública, ao mesmo tempo em que cria a liberdade de mercado com ausência de regulação. Na avaliação de Serrano, o Chile foi o primeiro país latino a desenvolver tal conceito. Hoje, a “aposta da vez” é o Brasil.
“O neoliberalismo responde à violência matando e prendendo. É a lógica do genocídio, de excluir da vida o inimigo”, afirma. Segundo o professor da PUC-SP, dois fenômenos do neoliberalismo desenvolvido no Brasil merecem destaque: a forte presença do mercado financeiro, com quase 49% do orçamento da União sendo destinado ao pagamento dos juros da dívida; e o país no mundo em que mais cresce o encarceramento, onde os policias militares mais matam e também mais morrem. “Isso não é à toa, é uma medida de controle social.”
Pedro Serrano explica que no neoliberalismo os conceitos de Estado de Guerra e Estado de Sítio foram incorporados para as questões internas do país, com o objetivo de combater o “inimigo”. Como consequência, esse “inimigo” é um ser desprovido de direitos. Cria-se assim uma realidade em que a democracia é supostamente a regra e há a exceção que suspende os direitos.
“Foi preciso construir um discurso autoritário, mas que conviva com a democracia”, pondera o professor, que é veemente ao afirmar que sociedades desiguais são invariavelmente violentas. “Isso é universal.”
Serrano observa que o senso comum associa o Estado de Exceção como uma anomia, ou seja, a ausência de normas. Para ele, isso é um equívoco, e o Estado de Exceção ocorre também no plano oposto, na hipernomia, ou o excesso de normas. “Na prisão de Guantánamo há regra até para o tempo de afogamento do preso”, diz, como exemplo de hipernomia.
Para ele, algo semelhante ocorre no Brasil, onde o direito penal tem muitas normas. “São mais de mil condutas passíveis de punição. Para o sistema de justiça, isso na prática significa uma grande seletividade.”
Serrano enfatiza que todo Estado de Exceção tem que ter base social. Citando a pensadora alemã Hannah Arendt, o professor recorda o conceito de “ralé”, que popularmente é compreendido, de modo equivocado, como sinônimo de povo.
Para Pedro Serrano, há no Brasil um Estado de Exceção permanente com um pano de fundo democrático
“Povo é a reunião de pessoas que compartilham de uma visão de sociedade e que querem decidir os conflitos pela via política. Já a ralé nega a política e os políticos como forma de solução dos problemas. A ralé acredita em outros valores, ela busca a purificação da sociedade através da ordem”, explica.
O professor de Direito Constitucional destaca que em outra época, o papel de moralizador foi exercido pelos militares e que, atualmente, no Brasil, esse papel tem sido desempenhado por juízes, procuradores, promotores e delegados.
Também presente ao debate, Renan Quinalha, advogado e ex-assessor da Comissão Estadual da Verdade de São Paulo “Rubens Paiva”, reforçou o pensamento proposto por Pedro Serrano ao afirmar que o capitalismo sempre funcionou com seus “campos de concentração” como marca do controle social.
“Esses lugares de confinamento serviam até mesmo como forma de regular a força de trabalho”, afirmou. Nos dias de hoje, para ele, “cada vez mais o estado penal é produto do desmonte do estado social”.
Discordando um pouco do ponto de vista teórico de Pedro Serrano, para quem existe um Estado de Exceção permanente, com um pano de fundo democrático, Renan Quinalha define nossa democracia com “zonas de exceção cada vez mais ampliadas”, onde se enquadra o sistema carcerário.
“As prisões são espaços intocados ao longo do tempo, só crescem de tamanho. Precisamos de soluções mais ousadas do que temos visto até aqui”, analisou o advogado e militante dos direitos humanos. (Da RBA)
Tudo pronto para privatizar as prisões, turbinando a economia ás custas dos menos favorecidos (preto, pobre, prostituta, petista…)