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Programa Altas Horas, da Globo, censura depoimento sobre violência contra a mulher

Por Letycia Oliveira

Estou há mais de uma semana tentando digerir o que aconteceu comigo no programa Altas Horas, da TV Globo, e somente agora percebi que fui censurada.

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Fui convidada a dar um depoimento sobre violência doméstica, o programa foi gravado na quinta–feira (10). Passei um dia nos estúdios da Globo em São Paulo, e durante toda a viagem fiquei pensando no que ia falar, afinal de contas estava indo dar voz a todas as companheiras maranhenses. Um espaço único, onde poderia falar pro Brasil inteiro sobre violência, feminismo e da luta que nós, mulheres, enfrentamos todos os dias.

Quando cheguei lá me dei conta de que meu depoimento podia causar algum dano, um linchamento social da pessoa que me agrediu e fiquei apreensiva, o Serginho Groisman entrou no meu camarim por 2 minutos e conversamos sobre isso, eu estava nervosa, combinamos de falar das agressões sofridas sem que ficasse claro quem era o agressor, ou melhor os agressores, jáque fui agredida 2 vezes!

No quarto bloco ele me chamou pra falar, primeiramente falei Fora Temer, a platéia aplaudiu, e depois ele começou a me perguntar sobre o motivo de eu estar ali e respondi que já tinha sido agredida duas vezes, sofri assédio no trabalho etc… Em um determinado momento ele pergunta como foi que aconteceram as agressões, eu parei por uns segundos, meus olhos se encheram de lágrimas, respirei fundo, pedi desculpas por ter me emocionado e ressaltei que era um assunto difícil de falar, mas logo depois comecei a contar minha história.

Fui agredida grávida de 3 meses no meio da rua, na frente de uma delegacia, levei um soco na cara, aquele soco doeu no meu ventre, passei uma gravidez difícil, tive depressão pós-parto e fui internada louca num hospital, sofro de depressão há 10 anos, e tive quadros de transtorno bipolar… O relato saiu como um escarro, uma catarse, a platéia fazia um silêncio, ninguém se mexia, as convidadas, a jornalista Maju Coutinho e a Rafa Brits, casada com Felipe Andreoli, que está grávida de 7 meses, ficaram chocadas, atônitas.

O Serginho passava a mão na cabeça, depois me perguntou sobre a segunda agressão e eu escarrei de novo outra história triste, contei que uma vez quase me jogava de um carro em movimento por conta das agressões verbais de um ex-namorado, que estava ameaçando me largar sozinha no meio da rua de noite e por fim, quando consegui ter o reflexo de pegar meu celular, ele parou o carro e eu consegui fugir, acabei sendo toda arranhada, pois ele me puxava pra ficar.

Um garoto do auditório me fez uma pergunta, a “clássica”, “por que a mulher volta pro agressor”? Eu respondi que a mulher está só, muitas vezes depressiva, com a estima arrasada, e ama o agressor, ele pede desculpa, diz que vai mudar e você volta, e apanha de novo, e sofre tudo de novo, e nada muda, é um ciclo que se repede na maioria dos casos.

A mulher é sempre culpada, ela gosta de apanhar, ninguém percebe que a aquela mulher precisa de ajuda pra sair dessa situação. Mais silêncio no estúdio.

Assim que terminou a entrevista, me retiram do estúdio rapidamente, me colocaram no carro pra voltar pra casa, no caminho recebo uma ligação da produção dizendo que a entrevista não iria pro ar, por uma questão de proteção a minha filha, pois ficou claro quem era o agressor no meu discurso, que a minha filha não podia ficar sabendo disso pela TV, que podia ter uma repercussão negativa, que já haviam tido outros casos assim e que a entrevista havia ficado longa e precisariam cortar por causa da corrida de Fórmula 1.

Aceitei e disse que tudo bem, achei até bom, por que acabei expondo a minha vida pra 200 pessoas num estúdio de gravação e essas 200 pessoas ficaram chocadas imagina o Brasil inteiro? Mas passaram alguns dias e fui me dando conta de que essa é uma história real, minha história é a história de milhares de brasileiras que sofrem com a violência todos os dias, na maioria das vezes dentro de casa, pelos seus companheiros, nas ruas somos abusadas cotidianamente com assobios, cantadas, todas conhecemos uma mulher que já foi estuprada ou que já sofreu algum tipo de violência.

Quem são essas mulheres? Somos nós, todas nós!!! Que crescemos com medo de ser estupradas, que temos que nos proteger o tempo inteiro de abusos, somos criadas pra servir aos homens e a essa sociedade machista que nos trata como objetos. E não podemos falar nada, não podemos falar do agressor, não podemos falar de estupro, de que somos violentadas. O programa Altas Horas não calou uma mulher, calou todas as mulheres do Brasil!

Que queriam poder ter a coragem que eu tive de falar pra todo mundo o que acontece todos os dias. O agressor está próximo, dentro de casa, só podemos falar depois que ele morre? Enquanto isso continuam por aí agredindo e maltratando outras mulheres? Acredito que o agressor também é uma vítima dessa sociedade machista em que vivemos, as mães e pais criam esses homens, a sociedade cria o agressor que não é um doente, mas sim um fruto do machismo, que todos os dias vitima nossas mulheres.

No Maranhão esta semana aconteceram crimes bárbaros, foram 6 feminicídios em uma semana, inclusive a sobrinha neta do ex-presidente José Sarney foi asfixiada e morta, com suspeita de ser estuprada, pelo próprio cunhado. Em Coroatá, interior do estado, uma mulher foi degolada. No Brasil a cada 11 minutos uma mulher é estuprada, a cada 7 minutos a Secretaria de Políticas Públicas para as Mulheres da Presidência da República recebe 1 relato de violência, em São Luís, 12 mulheres são vítimas de violência por dia.

Onde estão essas mulheres? Caladas! Não podemos falar da violência que sofremos pois nos sentimos ameaçadas e ainda sofremos preconceito, a mulher ainda é culpabilizada por sofrer a violência. Voltando ao assunto de ter sido censurada no programa Altas Horas, digo mais, acho que eles estavam esperando uma mulher do Maranhão que ia contar uma história de superação, uma coisa “bonitinha”, que a platéia ia ouvir depois ia sair feliz batendo palma, a história de uma mulher que apanhou mas venceu. Venci sim, mas as marcas da violência a gente carrega por toda a vida.

Eles não tinham noção de quão forte seria aquele depoimento, e mais, que aquilo poderia chocar mais do que as novelas que assistimos que mostram tudo isso, mas fazem parecer que é só ficção, e não é, violência contra a mulher não é ficção é verdade e está por aí nos cercando por todos os lados e o machismo nos calando. A Globo não calou uma mulher e sim as mulheres do Brasil inteiro! (Do UBS)

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