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A opressão das engrenagens do judiciário do Paraná que envergonham o Brasil

Depoimento do jornalista Francisco de Souza no Facebook

Nos últimos dois meses, eu, o Rogerio, o Euclides, o Evandro, o Guilherme e a Gazeta do Povo estamos sendo alvo de uma das piores perseguições a jornalistas e ao jornalismo que já presenciamos. Não digo a pior porque já vi colegas meus sofrerem ameaças às suas vidas – não por acaso os melhores jornalistas daqui da paróquia. Mas a opressão das engrenagens do Judiciário brasileiro sobre as nossas vidas pessoais tem sido brutal, e a cada dia que passa fica mais difícil lidar com isso.

Em fevereiro, nós publicamos uma série de matérias sobre a desproporcional remuneração de magistrados e membros do MP estadual. Analisamos os vencimentos anuais das categorias e verificamos que, somando o salário base com auxílios, indenizações e um retroativo que, logicamente, não faz qualquer sentido, a média de rendimentos anuais deles ultrapassa em 20% o teto – o salário de um procurador e de um desembargador, à época, R$ 30.471. Aliás, os deputados já fizeram o favor de aumentar isso, sem qualquer contrapartida em relação ao bom projeto de lei que limita a concessão desses benefícios esdrúxulos.

Todo o material passou, a priori e a posteriori, por um processo rigorosíssimo de checagem. Não tem um número ou uma palavra que não seja 100%, comprovadamente verdadeira. Absolutamente nada que possa ser questionado do ponto de vista legal. Colocarei nos comentários os links para as tais reportagens e para a coluna do Rogerio, para quem quiser conferir.

Apesar disso, um grupo de juízes decidiu nos processar. Até aí, nada de mal – é parte do jogo. O problema é que o interesse deles pouco tinha a ver com ser ressarcido pelos supostos “danos morais”. Essa história se trata, sim, de uma tentativa vergonhosa de constrangimento e cerceamento da liberdade de expressão e de imprensa.

Esse grupo de juízes decidiu apresentar mais de 30 ações individuais, todas idênticas, no Juizado Especial, pedindo o teto de pequenas causas (40 salários mínimos). No Juizado Especial, nós somos obrigados a comparecer pessoalmente a todas as audiências de conciliação – mesmo que todos saibam de antemão que não haverá acordo. Ou seja: nos últimos dois meses, nós viajamos o Paraná inteiro para participar de audiências sem qualquer propósito, sem contar as tardes que tivemos que passar nos juizados aqui de Curitiba e da RMC. Sem poder trabalhar, sem poder tocar nossas vidas.

Não é uma estratégia nova; uma repórter da Folha de S. Paulo teve que participar de mais de cem audiências, nesse mesmo esquema, porque fiéis da Universal ficaram “ofendidos” com reportagem sobre picaretagens cometidas pela cúpula da igreja. O Congresso em Foco teve que suspender os trabalhos de reportagens por semanas por estratégia similar de funcionários do Senado. Mas a novidade, aqui, é que representantes da própria Justiça estão deturpando os instrumentos do Poder Judiciário para tentar calar a imprensa e constranger jornalistas.

Mais sobre essa história você pode ler clicando no link para essa matéria que a Estelita escreveu. O que eu queria falar mesmo era sobre o efeito dessa desgraça toda nas nossas vidas profissionais e pessoais.

No lado profissional, nós nos tornamos praticamente inúteis nos últimos dois meses. A gente não tem tempo para apurar qualquer coisa com profundidade, e até deixamos passar bons furos de reportagem porque simplesmente não tínhamos como executá-los. Além disso, isso sobrecarregou o trabalho de outros colegas. A redação ficou desfalcada de boa parte da equipe de política quando Michel Temer tomava posse como presidente – enquanto nós matávamos tempo em um hotel em União da Vitória, esperando mais uma de dezenas de audiências. É uma sensação de impotência insuportável.

Mas na vida pessoal é que o calo tem apertado. Parece besteira, mas passar dias e mais dias preso em uma van exaure o espírito e o corpo de qualquer um. Seu sono fica desregulado. No próximo domingo, por exemplo, vamos ter que sair de Curitiba às 4 da manhã. É mais uma noite que será meio dormida – o que é pior que uma noite não dormida. Suas pernas doem. A comida de posto de gasolina te dá uma azia interminável. O Rogerio ainda conseguiu aproveitar para ler Guerra e Paz e Ulisses, mas eu não consigo ler em veículos em movimento sem ficar nauseado. O tédio fica insuportável. Tem horas que você só quer pular da janela da van.

Para mim, a rotina tem sido isso. Mas sou solteiro, vivo sozinho, não tenho outras pessoas para cuidar. Acho que estou com a situação mais tranquila entre todos da van. A Ana, mulher do Euclides, está grávida de oito meses. Vai que o moleque inventa de vir ao mundo enquanto a gente está entre Candói e Nova Laranjeiras, o que ele vai fazer? O que ela vai fazer? Mesmo sem considerar isso, quantas noites uma mulher no auge da gravidez teve que passar sozinha por causa do ego dolorido de algum juiz de Assaí ou Cascavel? E o filho do Rogerio, que tem 2 anos e mal vê o pai há dois meses? Como explicar para ele essa rotina maluca? Um pai que, do dia para noite, não dorme mais em casa na maior parte do tempo?

Mas o que realmente me incomoda é encarar esses juízes. Ver pessoas que nitidamente não leram a matéria, mas nos chamam de mentirosos (mesmo que a própria ação que eles apresentaram deixe claro que não há qualquer erro de natureza factual). Ver gente dizer que ganha uma “porcaria de salário” (o mais baixo é de, se não me engano, R$ 23 mil). Ver gente tentando ensinar jornalistas como fazer jornalismo (denuncie, mas denuncie os outros). É humilhante, é degradante. Geralmente, tento ficar calado, até porque eu sou um cara esquentado e tenho dificuldades em controlar o que eu digo. Mas em umas duas ocasiões não aguentei e tive que ser contido pelos colegas e pelos advogados. É uma ladainha insuportável, que virou nossa rotina.

Diante de tudo isso, não tem como a gente não se perguntar, nos momentos mais difíceis, se valeu a pena fazer essa matéria e ter que passar por tudo isso. A gente não ganhou nada além de dor de cabeça, de aporrinhação, de humilhação. Se desse para voltar no tempo, a gente faria essa matéria de novo?

Sim, eu faria essa matéria de novo, do mesmo jeito. Mesmo que eu tivesse (ou tenha) que ficar vagando pelo Paraná por mais dois anos. Eu nunca estive tão cansado, tão irritado, tão indignado, minha perna dói, minha úlcera tem me atacado como nunca, mas eu não estou triste. Pelo contrário, eu me sinto feliz, me sinto realizado, sinto que estou fazendo algo importante da minha vida.

Se a gente está passando por tudo isso, é porque a gente fez um puta trabalho. É como se fosse um prêmio ao contrário. Todo esse périplo é como um recibo da relevância do nosso trabalho, uma prova viva de que o que a gente faz tem, sim, importância para a nossa comunidade. A gente só está sendo perseguido por que a gente cutucou uma ferida que tinha que ser cutucada. E o Euclides vai contar para o filho dele, o Rogerio vai contar para o filho dele, e eu, se um dia tiver filhos, vou contar para eles o que a gente fez. E eles vão achar massa pra caralho.

Esse orgulho de ter feito um trabalho sério, honesto, relevante, bem feito e de absoluto interesse público é algo que juiz nenhum vai tirar da gente. Que eles durmam com isso.

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