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‘Sem escolas autônomas, é uma ilusão pensar que vão melhorar’, diz criador da Ponte

A aprendizagem não depende de edifício, salas de aula, quadro ou giz. Não precisa sequer de aulas no modelo tradicional. A escola é feita de pessoas e é nessas pessoas que todo o sistema de educação deve focar. Este conceito educacional, que mais parece utopia, vem sendo colocado em prática em escolas no Brasil e no restante do mundo. O professor José Francisco de Almeida Pacheco é um dos que mostrou que é possível educar de maneira inovadora e inclusive melhorar indicadores educacionais com esses métodos.

Ele é o idealizador da chamada Escola da Ponte, em Portugal, um projeto educacional que tem como base uma escola sem séries, sem prova e focada na autonomia e protagonismo do aluno. Pacheco é português, mas acredita que é do Brasil que partirão as ideias que poderão transformar a educação no mundo.

Atualmente, mora em Brasília e integra um grupo de trabalho do Ministério da Educação (MEC) para mapear escolas inovadoras. O grupo chegou a 178 escolas no país, entre estabelecimentos das redes pública e privada. Ele conversou com a Agência Brasil sobre suas principais ideias e sobre os rumos da educação no país. Segundo ele, o Brasil tem tudo que precisa para oferecer uma educação de qualidade. No entanto, é preciso que as escolas tenham autonomia. “Enquanto não houver escolas autônomas, é uma ilusão pensar que as coisas vão melhorar”.

Lei a seguir os principais trechos da entrevista:

Agência Brasil: O que é necessário para se ter uma educação de qualidade?
José Pacheco: O que é preciso é acesso à informação e um mediador chamado professor. Quando falamos em escola pensamos no edifício, a escola não é um edifício, a escola são as pessoas. O que uma criança em idade escolar aprende dentro do edifício da escola que não pode aprender fora dela? Não perca muito tempo pensando. Nada. No Brasil, o [antropólogo e educador] Tião Rocha fez uma escola debaixo de uma mangueira, que nem edifício tem. Há cursos a distância, que nem edifício têm. Então, por que temos que pensar que todos têm que ir para lá? Pior do que isso, em muitas áreas rurais fecham-se escolas e os alunos levantam-se às 4h da manhã, com sono, para entrar no ônibus, para andar três horas, por caminho de terra, para receber quatro horas de aula e voltar. A fortuna que se gasta em compra, com manutenção, combustível, seguro, pagamento ao motorista, etc, as vezes leva quase metade do orçamento da educação.

Agência Brasil: Como deve ser formado esse professor?
Pacheco: É um professor como qualquer outro, feito com a mesma matéria, com a mesma formação, mas que em determinado momento da vida quer ser honesto consigo mesmo, ser ético. Se o professor dá aula e percebe que não está ensinando a todos, não pode continuar fazendo aquilo porque está excluindo, negando um direito. Se um professor diz: “Mas eu não sei trabalhar com este aluno”. Se não sabe, vai aprender. Os professores chegam da universidade cheios de Vygotsky [Lev S. Vygotsky], Piaget [Jean Piaget] e não sabem fazer mais do que dar aula. E dar aula é contrário ao que se lê na teoria. Quem lê Vygotsky não pode continuar dando aula. O professor forma-se através da sua própria prática com os outros, transforma-se com os outros, a profissão de professor não é um ato solitário, tem que ser um ato solidário. O professor sozinho em sala de aula era coisa do século 19, das salas de aula dos conventos, da Revolução Industrial. E esse professor merece ter um bom salário, e pode ter, voltando à questão anterior. O dinheiro que hoje é gasto com educação chega e sobra para pagar bem os professores.

Agência Brasil: Isso falando no nosso orçamento atual?
Pacheco: Sim, cerca de R$ 100 bilhões.

Agência Brasil: E qual o papel da universidade?
Pacheco: O que a universidade tem que perceber é que o modelo de ensino faliu. Há muito tempo. Quando ela reproduz esse modelo, ela está sendo a matriz do que é a escola. A universidade parou no tempo. Estou falando do curso de pedagogia, de formar professores. Quando eu fui professor de pedagogia, o que eu encontrei foram professores que estavam mal. Eu perguntava: “por que dão aula?” Eles não sabiam, mas diziam que eram obrigados a dar aulas. “Mas obrigados por quem?” “Mandam que eu ponha no sumário o que eu vou dar no semestre”. E eu dizia: “mas com pode ser? Não sabem que, pela teoria, dar aula é inútil? Então por que dão aula?” “Damos porque nos obrigam”. É esquizofrenia total. Eu compreendo os professores universitários, por isso que eu fui embora e não voltei mais. Mas acompanho as universidades, trabalho com universidades e respeito o trabalho que eles fazem. Há universidades no Brasil que já não têm aula nem turma.

Agência Brasil: A Escola da Ponte foi criada em uma área de maior vulnerabilidade, voltada para aqueles tidos como os piores alunos. Que diferença faz dedicar os melhores projetos para estudantes em situação de maior vulnerabilidade?
Pacheco: Essa nomeclatura de melhores e piores existe na escola tradicional, porque na escola dita renovada, transformada, todos são melhores, cada um no seu momento, cada um segundo seus valores. Quando se fala em educação no campo, educação especial, educação de adultos, educação formal, informal, eu me pergunto: “por que se fala assim? Por que não se fala só em educação?” Se as escolas desenvolvessem um trabalho em que cada um fosse acolhido e no qual fosse dada a condição de aprender, não seria preciso falar de programas, projetos e planos. A escola cumpriria seu projeto político-pedagógico. Um dos problemas é esse, que a escola não cumpre seu projeto político-pedagógico e, como não cumpre, continua a dar aula e a ter turma. Há crianças que não aprendem.

Agência Brasil: Atualmente, quando há uma troca política, há grandes impactos na educação. Como as escolas podem ser menos afetadas pelas decisões governamentais?
Pacheco: A meta 19 [do Plano Nacional de Educação – lei que define metas para melhorar a educação em dez anos] estabelece que municípios, estados e o Distrito Federal deverão criar condições para o exercício da autonomia e condições de gestão democrática nas escolas. Se isso for concretizado, se forem alcançados os termos de autonomia das escolas, elas vão usar da autonomia pedagógica, administrativa, financeira. Mesmo que haja mudança da orientação politica, da prefeitura, as escolas continuarão, com toda calma, a desenvolver seu projeto. Enquanto não houver escolas autônomas, é uma ilusão pensar que as coisas vão melhorar.

Agência Brasil: Como o senhor vê a educação no Brasil?
Pacheco: Quando se fala da educação no Brasil, fala-se dos defeitos, das cifras, das pesquisas, do Ideb [Índice de Desenvolvimento da Educação Básica], que são efetivamente trágicos. Eu prefiro falar da parte saudável do Brasil. Prefiro ver o copo meio cheio e não meio vazio. Fico muito feliz por aprender com escolas brasileiras, com autores brasileiros, que estão transformando o Brasil, sem que o Brasil perceba. Pessoas que vão colaborando com as secretarias de educação, com o MEC, muitas vezes tendo contra si as secretarias e os burocratas do MEC. Vivo muito nessas escolas onde eu aprendo com professores que eu me orgulho de acompanhar e que sabem que é no Brasil que está nascendo a nova educação do mundo. Não é na Europa, não é nos Estados Unidos. Eu diria que, além dessa parte educacional que põe professores doentes e alunos que não aprendem, há a parte saudável, uma grande parte que eu conheço, outra que eu não conheço. Elas mostram que o Brasil tem tudo que precisa: bons teórios, bons projetos, bons professores. Só falta fazer. E falta que as universidades percebam que há esses projetos, que o MEC crie condições e que as secretarias celebrem termos de autonomia da escola. O resto é só deixar com a formação dos professores e com a comunidade. (Agência Brasil/Mariana Tokarnia)

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