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Estamos pedindo o fim de qual corrupção?

Por Guilherme Boneto

O que é corrupção?

O termo está na moda de novo. No entanto, vem algumas vezes como justificativa ao ódio a determinadas figuras e agremiações políticas muito específicas. “Precisamos dar um basta a toda essa corrupção!”, protestam muitos brasileiros, cheios de razão e propriedade.

Porém, é preciso estender o conceito: corrupção é o troco errado que você não devolve na padaria. É quando você trafega pelo acostamento ou estaciona em local proibido. Quando você fura a fila do caixa e sonega o seu imposto de renda. E também é quando, na qualidade de pessoa pública, você recebe propina ou desvia determinadas verbas para fins ilícitos. A diferença é que, quando alguém está num cargo público, tem o poder de prejudicar direta ou indiretamente a vida de milhões de pessoas.

Podemos classificar como “corrompidos” todos os que se enquadram em quaisquer dos atos acima descritos e outros, e o mais grave: por vezes não hesitam em apontar e julgar as atitudes dos outros sem olhar para as suas próprias.

Já não é novidade o fato de que a política nacional tornou-se um espetáculo deprimente, protagonizado por pessoas que se dizem portadoras do estandarte da ética e depreendem admirável esforço para esconder, nessa mesma temática, as próprias escapadelas. O discurso anticorrupção torna-se tristemente demagógico a partir do momento no qual as pessoas são convencidas de que, para resolver o problema, basta afastar do poder um determinado partido. Isso não é válido para ninguém, nem para as suspeitas contra o PT no governo federal, nem tampouco contra o PSDB aqui em São Paulo ou qualquer outra agremiação política que encabece uma administração no país. A corrupção está entranhada num sistema permissivo, e somente uma ampla reforma política, além de uma tomada colossal de consciência coletiva dos brasileiros, será capaz de reduzir – sem esconder, vale frisar – os lamentáveis escândalos a que assistimos hoje e que existem há décadas. A corrupção não é mal de um partido só – é uma característica hedionda do sistema político brasileiro como um todo.

Há uma famosa dancinha que determinados apoiadores do impeachment da presidenta Dilma fazem nos protestos contra o governo, filmada e divulgada com assiduidade pelas redes sociais. Trata-se de uma coreografia impagável, braços aqui, pernas acolá, “para livrar o nosso país dessa corrupção”. Me parece curiosa a concepção que essas pessoas têm de determinadas figuras da política nacional, como Dilma Rousseff e Luiz Inácio Lula da Silva, que seriam algo próximo da “encarnação do mal” em sua visão curiosa. Expurgá-los da vida política representaria, para eles, o fim de todos os nossos problemas. O grau de alienação dessas pessoas é assustador, capaz de boquiabrir qualquer analista que queira avaliar a conjuntura política sob uma ótica moderada. Não se criou nenhuma dança parecida para protestar contra suspeitas que pairam sobre políticos da oposição, nem sequer contra Eduardo Cunha, cuja permanência no cargo de presidente da Câmara dos Deputados é alvo de impassível tolerância. As manifestações trajadas com o amarelo da CBF pretendem fazer findar a corrupção, mas se preocupam pouco com escândalos e suspeitas que não pairem como nuvens negras sobre políticos do PT e apoiadores.

Pode ser verdade a velha teoria de que, no Brasil, a corrupção está no DNA da sociedade e a maioria dos brasileiros não perde a oportunidade de levar vantagem sempre que possível. Na minha humilde concepção, porém, isso passa longe de ser característica genética e tem causa: a certeza da impunidade. Está muito claro que o sistema de poder no Brasil precisa passar por uma ampla e urgente reforma, não apenas para dinamizar a administração do nosso gigantesco país como para impedir que pessoas públicas mal-intencionadas continuem a levar vantagem sobre o que é nosso. Essas pessoas, bem como a maioria dos “corruptos”, só cometem crimes e tentam se dar bem em cima dos outros porque sabem, ou imaginam, que não haverá fiscalização, muito menos punição. A reforma política – proposta mais de uma vez pela presidenta Dilma Rousseff, após os protestos de junho de 2013 e durante a campanha eleitoral de 2014 e jamais levada a sério pelo Congresso – é um item urgente. Foi um grande avanço a proibição do financiamento privado de campanhas eleitorais, apesar de todos os esperneios e tentativas de manobra vindas do Congresso Nacional. Mas há muito a se fazer, e para isso é preciso lutar, reivindicar, exigir.

A redução nos casos de corrupção passa por uma série de medidas civilizatórias, a começar pela maneira como se investiga e se pune – você sabia que há o projeto de um novo Código Penal, em discussão há anos no Congresso? É preciso mostrar que “toda essa corrupção” existe mesmo – embora muitos não saibam o que ela significa ao protestar contra – mas não é uma exclusividade do PT, nem do PSDB ou de qualquer outro partido. O discurso torna-se demagógico a partir do momento em que a indignação passa a ser seletiva. E deixa de ser a defesa da coisa pública para se tornar uma manifestação de ódio, muito mal disfarçada, contra quem pensa diferente. Por fim, o que você exige do seu deputado e do seu senador? Quais projetos de lei acompanha? Se não o faz, é preciso começar logo: o aprofundamento da democracia será o começo do fim dessas ilicitudes que chocam e enojam os brasileiros.

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