Por Rafael Martarello
Eu acompanhei as sessões da Comissão Especial do Impeachment, as posteriores discussões na Câmara, como também a votação do impeachment e percebi um esvaziamento de discussão e da orientação da finalidade do processo. E me refiro aos dois lados. Antes mesmo de se haver esclarecimento da acusação, como também da defesa, grande parte dos deputados já tinham sua convicção formada, totalmente fechada a enxergar qualquer outra coisa.
Na votação do impeachment o desvio de orientação foi claro. Poucos manifestaram seu voto por acharem que houve crime de responsabilidade fiscal por parte da presidente, que era a pauta. O sim da câmara para continuar o processo de afastamento da Presidente da República do Brasil, foi porque o PT já teve desavença política com tal parlamentar, foi por conta da orientação política-ideológica do PT, por causa da existência de uma crise econômica, foi porque um partido combinou em quem votaria, foi por haver algo errado no Brasil, foi para homenagear a mamãezinha, o pai, a tia, a sobrinha, o bisneto, a cidade e o papagaio. E um detalhe em muitos casos não é competência da União executar os serviços declarados e sobre outras falas há SIM políticas públicas destinadas à pessoas mais necessitadas da população, o que só demonstra um claro desconhecimento por parte dos deputados do que realmente ocorre no Brasil.
Essa convicção brota de uma paixão que cega os olhos para a crítica e para o questionamento, que ao mesmo tempo tampa os ouvidos para não escutar nada que não fortaleça seu amor narcisista por seu próprio ponto de vista. E que entorpece a cabeça para manipular os fatos à realidade desejada.
Mas e o povo? Ele não é diferente, na verdade é extremamente igual. Tomaram uma posição na qual reproduzem discursos de opiniões fragmentadas e mastigadas, e da qual defendem apaixonadamente sem qualquer consistência argumentativa. Tornaram-se hostil ao outro, levando ao confortável universo do mínimo de conhecimento possível sobre o outro lado e da relação entre a outra posição e a sua.
Não existe outra palavra a não ser lamentação sobre a situação da consciência política, da racionalidade do ser, da ética e da criticidade da nossa condição humana. Estas sem dúvida andam levando, há muito tempo, um golpe atrás do outro. De outro lado há também uma profunda lamentação profissional, pela forma que transformaram em algo de interesses particulares o que nasceu para serviço do bem-estar coletivo e de interesse público.
Só me resta por fim pensar que esta aversão ao confronto de ideias e à orientação do debate, reflete a dura realidade de uma sociedade mimada, violenta e autoritária que tem em suas raízes outros moldes para validação do que é verdade, o ódio e a tapa.
Rafael Martarello é bacharel em Gestão de Políticas Públicas na Unicamp e mestrando em Ciências Humanas e Sociais Aplicadas, também na Unicamp