Por Luís Fernando Praga

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Há tempos, antes que os brasileiros tivessem se dividido em dois grupos incompatíveis e em pé de guerra, posicionei-me contrariamente ao impeachment e posso até ser contundente quanto a isso, mas sempre vigilante para não me tornar ofensivo.

Não acredito em ofensas como argumento. Elas refletem, a meu ver, mais o estado emocional da pessoa que ofende do que uma verdade convincente. Particularidade minha, ofensas cheiram a preconceito e esse não é meu estilo nem meu propósito, pelo contrário.

Mas sou fraco, falível e capaz de me comportar de forma ofensiva e condenável, caso algo acirre meus ânimos. Para não cair em tentação, optei por deixar de acompanhar, nas redes sociais, uma série de publicações agressivas, ofensivas, depreciativas e provocativas; direito meu.

Tenho, sistemática e provisoriamente, assim espero, deixado de seguir alguns amigos, à medida que publicam coisas que me ofendem. É triste, pois deixo de acompanhar pessoas maravilhosas, inteligentes, amigos verdadeiros que legitimamente se posicionaram de forma oposta à minha. Mas a intenção é simplesmente não baixar o nível.

Outra coisa que evito é confrontar as ideias dessas pessoas, reagindo ou retrucando a postagens que de alguma forma me ferem. Procuro relevar, encontrar um bom argumento e expor minha posição com clareza e respeito, no meu espaço, para quem se interessar.

Pois bem. Postei, recentemente, que Marina Silva e Luciana Genro posicionaram-se contrariamente ao impeachment. Considero interessante que os afins sintam-se amparados pela cumplicidade de personalidades que porventura admirem.

Então um juiz de direito comentou minha postagem e o presente texto nasceu desse seguinte diálogo:

_ Meu dileto. Você é contra o impeachment? É isso?

_ Sou sim.

_ Muito embora eu não seja contra sou mais a favor da renúncia!

E eu não respondi…

Esse juiz de direito é um amigo de infância. Estudamos juntos do primário ao terceiro colegial, nossas famílias se conhecem e respeitam, jogamos bola juntos, viajamos juntos, acampamos juntos e sempre tivemos discordâncias e afinidades políticas, mas sempre nos respeitamos e estar perto dele sempre foi agradável.

Então eu pensei: “Não, esse cara eu não vou deixar de seguir, nem de forma provisória. Também não vou rebater, criar rusgas desnecessárias que possam fragilizar uma relação a qual eu muito prezo, mas preciso tentar argumentar.”

Aqui vão meus argumentos, meu amigo:

Parece-me que o que move uma pessoa ou um grupo a optar por um caminho, de forma tão veemente como os defensores do impeachment tem se comportado, é a certeza. A certeza torna tudo tão simples e óbvio que parece uma estupidez que todos não compactuem com ela.

As certezas acompanham a história humana desde sempre e não é raro, com o passar do tempo, que certezas caiam por terra e deem lugar à verdade. A certeza está em nossas cabeças, a verdade gosta de acontecer.

Acontece que nem eu nem milhões de outros brasileiros partilhamos das certezas dos defensores do impeachment e parece muito difícil para vocês serem empáticos a este nosso posicionamento, mas…

Não tenho certeza de que não haja interesses políticos, quando a mídia e alguns setores da sociedade tentam reduzir a uma quadrilha de criminosos um governo que conseguiu inéditos e expressivos avanços sociais para o Brasil.

Tenho dúvidas se as investigações estão sendo conduzidas com lisura e de forma imparcial.

Desconfio de que seja perigoso e autoritário arrancar da presidência alguém que galgou tal cargo dentro das regras democráticas, para entregar o poder, de forma obscura, a não se sabe quem.

Tendo em conta que nossa linha sucessória seja composta por indivíduos aos quais eu não gostaria de ver no poder, tenho muitas dúvidas de que destituir a Dilma seja mesmo uma solução.

Tenho dúvidas se essa gente cheia de certezas não se verá no direito de empurrar, goela abaixo do Brasil, um novo governante nada democrático.

Tenho dúvidas se toda a diligência e empenho do juiz encarregado das investigações não tenham mais motivações políticas e interesses pessoais do que devoção ao que é justo.

É possível que suas certezas queiram rebater minhas dúvidas, pois o próximo passo da certeza é a doutrinação, mas não vejo como isso possa ser feito, no meu caso, sem um convencimento verdadeiro e me impondo certezas questionáveis. Não sou o único que as questiona, pelo contrário: há muita gente, muito povo, muitos juristas, jornalistas, muitos artistas, muitos políticos e muitos pensadores, a quem admiro e respeito, que questionam severamente tais certezas.

Minha dúvida, entretanto, não deseja remover sua certeza de você. Minha dúvida é guardiã apenas do meu empenho em não ser injusto e em ter paz na minha consciência.

Diferente de quem se apega ao rigor de suas certezas, minha dúvida me quer flexível, empático e questionador.

Então questiono: se tenho dúvidas, posso estar errado…

Caso eu esteja protegendo, com o argumento de defender a democracia, uma quadrilha de criminosos, creio que nenhum mal dure para sempre, que o tempo vença a ilusão, que a justiça me convença, serenamente, de que eu estava errado e que em 2 anos haja uma nova eleição, nas regras da democracia, em que poderei, quem sabe, me retratar.

Por outro lado, caso eu abrace a certeza e a pressa que vocês abraçaram e porventura o resultado acabe em um retrocesso, o futuro me fará olhar para trás e me enxergar como alguém que exigiu a queda de um governo democrático. Alguém que marchou, obcecado, ao lado de lideranças retrógradas, racistas, machistas, neonazistas e xenófobas. Alguém que acreditou, ingenuamente, que caçando cabeças consertaria um sistema. Alguém intolerante que se considerava mais brasileiro do que outros brasileiros. Alguém enganado por sua certeza, que não terá mais tempo de corrigir seu erro. Alguém arrependido e privado da liberdade. Alguém em quem eu jamais desejei me transformar.

Confrontando esses dois possíveis futuros, amigo caríssimo, não tenho dúvidas de que, para alguém duvidoso como eu, o posicionamento mais adequado seja o de total contrariedade ao impeachment, nos moldes como as coisas estão sendo conduzidas.

Algumas certezas também me levam a firmar minha posição. Ninguém é mais brasileiro do que eu apenas porque se diz assim. Ninguém é mais brasileiro do que eu por se vestir de verde e amarelo. Ninguém é mais brasileiro do que eu por odiar minorias e desmerecer meu pensamento. Ninguém é mais brasileiro do que eu porque a mídia diz que é. Eu também desejo o melhor para o Brasil!

Conhecendo você como conheço, amigo, não tenho dúvidas de que suas intenções, assim como as de muitos que marcham a seu lado, sejam as melhores. Respeito seu ponto de vista, não desejo transformá-lo. Sei que ninguém é mais brasileiro do que você também.

Tenho esperança num futuro em que nós, brasileiros, percebamos que a paz é o melhor caminho e consigamos acordar para o enorme poder transformador que emana de um povo realmente unido, em prol de transformações que representem, de forma menos questionável, a justiça, a educação e o bem comum.

Um grande abraço, serenidade e paz!