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lampejos literários: 1 fragmento de Proust em À sombra das moças em flor

“Elas eram, da desconhecida e possível felicidade da vida, um exemplar tão delicioso e em tão perfeito estado que era quase por motivos intelectuais que eu me achava desesperado de medo de não poder fazer em condições únicas, sem deixar margem alguma a um possível erro, a experiência do que nos oferece de mais misterioso a beleza que se deseja e que a gente se consola de não possuir nunca […] Sem dúvida, podia ser que não fosse em realidade um prazer desconhecido, que de perto se lhe dissipasse o mistério, que não fosse mais que uma projeção, que uma miragem do desejo. Mas, em tal caso, eu só poderia atribuí-lo à necessidade de uma lei da natureza – que, aplicando-se a estas moças, se aplicava a todas – e não ao defeituoso do objeto. Pois era aquele que eu teria escolhido entre todos, porque bem reconhecia, com uma satisfação de botânico, que não era possível encontrar reunidas espécies mais raras que as daquelas jovens flores que interrompiam diante de mim naquele momento a linha do mar, com a sua ligeira sebe, semelhante a um pequeno bosque de rosas da Pensilvânia, ornamento de um jardim nos penhascos, entre as quais cabe todo o trajeto de oceano percorrido por algum vapor, tão lento em deslizar sobre o traço horizontal e azul que vai de um caule a outro, que uma borboleta preguiçosa, retardada no fundo da corola que o casco do navio ultrapassou de há muito, pode, para abrir voo, na certeza de chegar antes do navio, esperar que apenas um fragmento azulado separe ainda a proa deste da primeira pétala da flor para a qual navega”.

PROUST, Marcel. À sombra das moças em flor (A l’ombre des jeunes filles en fleur). Em busca do tempo perdido, vol.2. Trad. Mário Quintana. 3º ed. São Paulo: Globo, 2006

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