Por Guilherme Boneto
Eu costumo comentar que a boa música é aquela que faz bem a quem a escuta. Não importa o estilo musical ou o cantor; o que conta é o interlocutor se sentir representado e ter seus sentimentos traduzidos. Determinadas canções não encontram reflexo em alguns mercados, mas em outros, são ouvidas e cantadas o tempo todo. Felizmente, há gosto para tudo.
O mercado da música hoje permite o surgimento de centenas de novos artistas a cada ano. A maioria, a despeito de talento e competência, acaba ficando pelo caminho, visto que a mesma tecnologia que dá oportunidade a todos de lançar um vídeo no YouTube não é capaz de dar espaço no mercado. E por mais que se questione os motivos pelos quais muitos cantores se destacam e permanecem em cena, não podemos deixar de reconhecer o talento de alguns deles.
Sou um fã declarado do pop americano. Adoro mulheres fortes, que falam por si próprias e pelo seu público e não têm medo de surgir ousando. Longe da frivolidade à qual costuma ser associado, o pop encampa lutas importantes, como o combate ao machismo e à homofobia e a batalha pelos direitos das mulheres. Quando Beyoncé canta “Run The World?” e “Pretty Hurts”, há mais do que apenas uma boa balada ali. Quando Lady Gaga nos traz “Born This Way” e a magnífica “Till It Happens To You”, deixam de importar seus gestos ousados, seu vestido feito de carne e suas maquiagens chocantes. Elas, bem como tantas outras, cantam a luta por uma sociedade mais justa e inclusiva, e quando estão sobre o palco, me sinto representado e traduzido. Eu, com o perdão da patrulha de críticos, não preciso de muito mais do que algo que faça bem aos meus ouvidos.
Num mercado tão disputado e concorrido, que evidencia tantas vaidades e rivalidades, um nome se destaca quando ressurge: Adele. Ela não canta exatamente pop, é verdade, e também não é americana, não veste de forma extravagante ou executa passos elaborados de dança sobre o palco. Quando está diante do microfone, contudo, é capaz de arrebatar multidões. Depois de passar quatro anos reclusa, cuidando de si própria e do filho que nasceu nesse meio tempo, Adele decidiu ressurgir e lançará, na próxima sexta (20), seu terceiro álbum de estúdio, “25”. Como resultado, o óbvio: só se fala nela. E eu não vou me furtar às explanações.
O clipe de seu mais novo single, “Hello”, tem a ousadia de acumular mais de 400 milhões de visualizações no YouTube em pouco mais de 3 semanas, um fenômeno que não encontra concorrentes no passado – e tampouco possui a perspectiva de encontrar no futuro próximo. Na última terça (17), ela lançou um vídeo no qual canta outra música do álbum, “When We Were Young”, e nos deixou mais uma vez perplexos não apenas com a letra magnífica, mas com a sua voz cada vez mais poderosa. Tive a curiosidade de acompanhar a evolução dos números divulgados pelo YouTube: pouco mais de 1 milhão de visualizações às 7 da noite do dia do lançamento do vídeo, mais de 3 milhões duas horas depois. Um espanto.
Em sua mais famosa apresentação, realizada após o lançamento do álbum “21”, Adele esteve diante de milhares de pessoas no Royal Albert Hall, em Londres, e cantou suas músicas mais amadas. Usando um vestido preto, ela tinha sobre o palco apenas o microfone além de si própria, e durante toda a apresentação, permaneceu parada no mesmo lugar. Em determinado momento, tirou os sapatos para se sentir mais confortável. Talvez alguma outra diva do pop americano teria sido julgada caso fizesse algo parecido, mas isso não importa para Adele: a qualidade de suas composições e o poder de sua voz hipnotizam qualquer espectador. Sua plateia é capaz de rir de alguma gracinha e chorar num verso mais triste em questão de alguns minutos. A maioria das composições de Adele trata de um coração partido – quem nunca sofreu por amor? “21” é quase que inteiramente dedicado ao fim de um relacionamento com o qual ela, tão parecida conosco, não lidou muito bem. Em “Someone Like You” (mais de 570 milhões de visualizações no YouTube), ela canta, lamuriosa, que deseja ao ex tudo de melhor e afirma que vai, sim, encontrar “alguém como você” – o que já aconteceu para ela, devo frisar. Mantenha a esperança você também. Em “Rolling In The Deep” (pouco mais de 750 milhões), sua canção mais marcante até aqui, ela crava: “nós poderíamos ter tido tudo”. E vai além: “você vai desejar nunca ter me conhecido”. Adele é um fenômeno de proporções mundiais.
Escrevo este texto embarcando na onda que tem tomado conta das redes sociais, é verdade. Mas creio que poucos tenham sido os dias nos quais não desejei ouvir as novas composições que ela estava preparando para nós, agora tão próximas. Porque Adele é, para mim, boa música: ela me traduz, me arrepia, me lembra momentos bons e ruins. É a artista que faço questão de ouvir cantar nos momentos certos, que me faz sorrir e chorar, que faz meu estômago afundar quando fala de amor. Creio que este seja o mesmo sentimento de outros milhões de fãs mundo afora. Gostar de Adele não é apenas eleger uma pessoa para amar no mundo da música: é se enxergar em cada verso.
“25” é um álbum que já nasce destinado ao sucesso. Veio para nos mostrar que, ao contrário do que muitos indicavam, o potencial de Adele está longe de ser esgotado. Os críticos que já o ouviram são categóricos: ela conseguiu de novo. Mas quando o assunto é nos conquistar munida apenas de sua voz, ela não precisava nem tentar. Seja bem-vinda de volta, Adele. Sentimos sua falta.