Os pesquisadores estimam que a transição no Cantareira ocorreu entre novembro de 2013 e janeiro de 2014, indicada pela queda abrupta da eficiência do sistema e os sinais estatísticos de transição. Transições críticas não são novidade para cientistas, que as associam ao conceito de resiliência. Intuitivamente, resiliência é a capacidade de um sistema de voltar ao mesmo estado depois de ter sido perturbado. Alguns casos de perda de resiliência na natureza são bem estudados, como o processo de desertificação.
De acordo com Prado, a Cantareira sofreu uma força grande o suficiente para mudar de estado, e agora resiste para voltar à condição normal. “O empurrão foi manter a retirada de água em níveis de anos normais em um ano de chuvas anormalmente baixas”, ressalta. “Não é possível controlar a chuva, mas uma redução mais precoce da retirada de água poderia ter evitado a transição”. O pesquisador propõe reduzir a retirada ao mínimo possível, e a médio prazo, se o sistema se recuperar, realizar uma gestão mais cautelosa, devido ao risco adicional de transições.
Estudo
O motor da transição é o que é chamado popularmente de “efeito esponja”. Em situação de normalidade, há muita água no reservatório e na bacia hidrográfica. Boa parte da água da chuva vai para os reservatórios, mantendo o sistema no estado normal. Isto resulta em um círculo virtuoso.
Já numa situação de seca, o volume do sistema é mais baixo e o solo absorve mais da água que iria para o reservatório, o que faz o seu nível baixar mais ainda. Neste caso, há um círculo vicioso. A passagem do círculo virtuoso ao vicioso é uma transição que acontece em poucos meses. Para evitá-la é preciso monitorar o sistema e retirar menos água quando houver o risco de transição.
O professor Prado aponta que no Cantareira a eficiência do sistema caiu muito. “Esta eficiência é a relação entre a chuva que cai e a quantidade de água que vai para os reservatórios”, ressalta. “E ela continua baixa mesmo com as chuvas voltando à normalidade, o que indica que o sistema mudou de regime”.
O trabalho mostra que a perda de resiliência também pode ocorrer em reservatórios de água, como no sistema Cantareira. “O artigo analisa o caso da Cantareira como um exemplo de biestabilidade. É um conceito da física para descrever sistemas que têm mais de um estado possível. É o caso de um barco na água, que em condições normais não vira com a ação das ondas ou do vento. Este é um estado resiliente”, explica o professor. “O problema é que se uma força grande o suficiente virar o barco, ele passa a um novo estado que também é resiliente — é preciso um grande esforço para desvirá-lo”.
Os resultados da pesquisa mostram que o gerenciamento de um reservatório deve levar em conta a possibilidade de transições catastróficas. O padrão anteriormente utilizado, baseado na chamada “curva de aversão ao risco”, indicava uma situação de normalidade até dezembro de 2013, o que o artigo mostra que não era real. “Isto quer dizer que é necessário definir novos parâmetros de operação a partir de conhecimentos científicos atuais”, conclui Prado. (Carta Campinas com informações de divulgação da Agência USP)