O prefeito Luiz Marinho afirmou que, com a concessão, se delega um trabalho “a quem entende de cultura para fazer cultura, para que possamos produzir mais e melhor, com mais eficiência”. Ele ressaltou a importância histórica da Vera Cruz, mas acrescentou que é necessário buscar caminhos para tornar o projeto viável. “Não basta ter a visão romântica da cultura, dos estúdios da Vera Cruz, mas é preciso ter o pé na realidade e conseguir equilíbrio econômico.” Marinho lembrou que a “grife” permaneceu, mesmo com tanto tempo de inatividade. “É uma marca muito sólida.”
Criada em 1949, em área onde havia uma granja, a companhia foi responsável por produções como Caiçara (1951), filme dirigido por Adolfo Celi, Tico-tico no Fubá (1952), do mesmo diretor, e O Cangaceiro (1953), de Lima Barreto, que ganhou prêmios (melhor filme de aventura e trilha sonora) no Festival de Cannes, na França, com um clássico da música brasileira, Mulher Rendeira. Segundo a Vera Cruz, ali foram produzidos ou co-produzidos mais de 40 filmes. O estúdio não funciona desde 1972. Há anos o pavilhão, próximo ao Paço Municipal, vem sendo utilizado apenas para feiras e exposições.
As obras preveem a preservação da área externa do local, que é tombado. O complexo de quase 46 mil metros quadrados terá sete estúdios, de diferentes tamanhos, centro cultural, salas de produção, memorial e um teatro com capacidade para 853 pessoas, 698 na plateia e 155 no balcão. “Estamos cientes de que o momento é difícil na economia nacional, mas temos experiência nesse mercado”, afirmou o diretor da Telem Fernando Fontes.
O Centro de Audiovisual (CAV) da prefeitura, um espaço de formação de profissionais, passará a funcionar no complexo, onde também deverá ser organizada uma incubadora de empresas com o propósito de fomentar o setor. O centro, passo inicial da reformulação da Vera Cruz, é resultado de uma parceria com o Ministério da Cultura.
“Os estúdios da Vera Cruz são uma parte de nossa memória afetiva”, diz o secretário municipal da Cultura, Osvaldo de Oliveira Neto. “O objetivo é não só que a cidade volte a discutir cinema, mas construir uma nova cadeia econômica. Chegamos a um modelo de negócio. O que nos faltava era trazer o mercado.”
Seis empresas chegaram a retirar o edital, mas apenas uma, a Telem, participou efetivamente do processo de licitação. O secretário da Cultura ressalta o fato de se tratar de uma empresa “diretamente ligada ao audiovisual”. A Telem foi responsável por obras como os estúdios Quanta, em São Paulo, e de Paulínia, no interior paulista, além de revitalização dos teatros municipais de São Paulo e do Rio de Janeiro.
Neto defendeu o modelo encontrado, no sentido de garantir continuidade. “Este é um projeto que não pode correr riscos daqui a cinco, seis anos.” O custo previsto é de R$ 156 milhões, valor que será investido pela empresa. A previsão é de que o novo complexo comece a funcionar em cinco anos. Depois desse prazo, 5% do faturamento deve ir para o município.
O cineasta e roteirista Newton Canitto, ex-secretário do Audiovisual do Ministério da Cultura, aposta no sucesso do projeto, que não seguirá mais o modelo clássico dos antigos estúdios de cinema, mas abrirá espaço para produções na área da televisão e da internet. “O que está crescendo mais, em termos de indústria, é a produção independente. O mais importante é que o modelo de criação está previsto de forma muito aberta. Há um caminho natural de democratização da produção”, disse Canitto, cujo pai era operário da Villares, no ABC. Ele também destacou a perspectiva de surgimento de novos profissionais a partir das atividades no complexo. E espera apoio: “Empreendedores, apareçam! O audiovisual não está em crise”.
A assinatura do acordo teve ainda a presença de representantes do Ministério da Cultura e da Agência Nacional do Cinema (Ancine). Também estava lá o cineasta Milton Santos, que está lançando o seu 22º filme, Pé de Cabra, com história baseada em um bairro de São Bernardo. Ele se declarou fã de Mazzaropi, que também deixou sua marca no Vera Cruz, por onde saiu seu filme de estreia como ator, Sai da Frente, de 1952. “Nos filmes dele as pessoas se veem representadas”, diz Milton. Eu quero contar histórias do povo, de gente como nós.”
Está previsto um evento no próprio pavilhão da Vera Cruz, em 5 de agosto, quando mais detalhes serão divulgados. (Vitor Nuzzi, da RBA)