Quem me conhece sabe que gosto muito de cachorro. Acho um grande companheiro, além de auxiliar o ser humano nas mais variadas funções, como guarda, guia, pastoreio, babá e recentemente seu faro tem sido utilizado na detecção de diversos males da saúde humana.
Cachorros são incríveis e habitam o planeta há bem mais tempo que nós. Se o homem inventou a culpa, antes disso o cachorro já tinha desenvolvido a cara de culpa. Há indícios também de que foram os cães quem nos ensinaram a sorrir. Foram eles que me fizeram pensar, um dia, que os olhos dos bichos revelam sentimentos que nostalgiam a gente de sentir também.
Além disso, o cachorro é um lambedor nas horas difíceis e um abanador de cauda para todas as situações. O cachorro é um cara sempre presente, um amigo fiel e verdadeiro que nem se importa em entender os seus problemas, quer só ser seu amigo pra sempre, mas sabe muito bem quando você tem um problema e logo procura te fazer esquecer, dando uma voadora com as duas patas no seu peito, ou na canela, dependendo do porte.
Ele chora, gane, sapateia e faz xixi, numa alegria desesperada e convulsiva, como se estivesse certo de que você jamais voltaria, sempre que você chega da guerra, ou de uma viagem mais longa, do trabalho, do mercado e às vezes você nem precisa ter ido a lugar nenhum.
O cachorro também é um animal apegado, ciumento e emotivo e isso traz, por vezes, certos transtornos. Ele pode bloquear o portão para que você não saia de casa e fique juntinho dele e ainda rosnar caso você insista. Há casos, no caso de Rottweilers, em que os proprietários nunca foram vistos fora de casa.
Ele pode sentir-se rejeitado pela presença de um amigo que foi passar uns dias em sua casa e, na surdina, quando todos saem, para não atrair suspeitas sobre si, evacuar no colchonete, destroçar o sapato e urinar na mala de roupas desse amigo.
Mas claro, nem todo cão é assim. Alguns adoram os seus amigos e quando estes chegam, recebem uma demonstração de alegria tão intensa, como se você fosse um crápula e o amigo tivesse vindo salvá-lo.
Já o Crack, um Dachshund (o salsicha) de um amigo, tinha o carinhoso hábito de se aproximar dos visitantes incautos e, discreto e elegante que era, ia se posicionando docemente, de forma a encostar, só encostar, a genitália avantajada na perna da visita e ali ficava, curtindo o calor do contato. Acho muito mais fino e menos constrangedor do que aqueles cachorros que estupram sem dó nem pudores as pernas de todo mundo.
Chato também é quando, numa reunião de amigos, alguém comenta: “ah, o cachorro é um animal sensível, se ele não gosta de alguém é porque não é boa gente!”. Aí seu cachorro aparece, recebe o carinho de todos, mas rosna, vigia e olha feio pra pessoa que fez o comentário.
Cachorros têm nomes engraçados e contraditórios, como o Pinscher chamado Chuck Norris e o São Bernardo chamado Petit. Atendi uma vira latas chamada Gentileza que já havia atacado a família toda além de 4 veterinários, comigo 5.
Um professor do colégio, aficionado por segurança, comprou dois filas brasileiros, Satã e Lucifér (porque ele acentuava no “fér” mesmo). Contratou um “faz tudo” chamado Messias, muito bem recomendado, para instalar a cerca elétrica e as câmeras de segurança. Serviço feito, cães adestrados para a guarda e ataque, dois meses depois meu professor viajou num fim de semana e quando voltou encontrou seus cães alegres, felizes e a casa depenada. Verificando as imagens do sistema de segurança, ficou pasmo com o ocorrido e com as ironias da vida. Entrou em contato com a polícia e logo o Messias estava preso. Réu confesso, contou que havia amassado, num pedaço de pão, comprimidos para dormir e jogado para os cachorros. Desligou a cerca elétrica e fez a limpa na casa, mas se esqueceu de desligar uma das câmeras que ele mesmo instalara. Eh, Brasil! Satã e Lucifér comeram o pão que o Messias amassou dormiram como anjinhos.
Cachorros precisam de muito espaço, disciplina, de longas caminhadas seguindo seu líder, de comer certo e na hora certa, de carinho e da atenção humana para que não fiquem deprimidos ou desequilibrados e incompletos, por isso, ainda não tenho cachorro. Me divirto com os alheios.
Mas tenho meus bichos, duas gatas e dois quelônios, um cágado e um jabuti. Os gatos costumam ser mais tranquilos e independentes que os cães. Alguém já disse que os cães tratam seus amigos humanos como se fossem deuses e os gatos tratam os humanos como se fossem seus mordomos e é um pouco verdade. Já, os quelônios são mais tranquilos que os cães, que os gatos, que as lesmas e que o tempo, mas não os meus!
A gata Xaxá é uma senhora vira latas de 16 anos, elegante, esguia e apaixonada por mim, mas que já padece um pouco com o peso da idade. Todos os dias, depois do jantar, recosto-me no sofá e a Xaxá vem ocupar seu lugar no meu peito, com a cara na minha cara e o hálito de 16 anos bem no meu nariz, mas é melhor assim do que quando faz o giro de 180º. Ela é linda e é a minha queridinha, muito querida por toda a família e como todo felino doméstico saudável, dorme umas 18 horas por dia e mia para o além nas madrugadas.
A Xuxinha, que também veio das ruas, é mais… vou evitar a descrição física da Xuxinha porque alguns vão achar que é bullying e querer me processar. Ele tem 12 anos, come por 8 Xaxás, é muito doce mas nem tão afeita a colos. Se a Xaxá nutre sua paixão platônica por mim, a Xuxinha é apaixonada e chega às vias de fato, pelas camas desarrumadas com cobertas jogadas e pelo nosso sofá. Xuxinha é representante de uma raça raríssima, resultado do cruzamento do gato doméstico (Felis catus) com o gato de pelúcia. Dorme umas 28 horas por dia e raramente mia, só o faz para o além, de madrugada.
O Totó é nosso cágado, que um dia foi trazido por uma senhora como cuidadora da minha filha maior. Deixou o cágado e nunca mais apareceu. Imagino que o animal tenha uma longa ficha corrida no IBAMA e em várias delegacias. É uma fera voraz e assassina que já mordeu a família inteira, mas tem uma predileção especial pelos dedos finos da minha filha pequena, que gostava de colocar ração em seu tanque e sair chorando, com o Totó pendurado no dedo. Quando colocado em terra firme, para a limpeza periódica do seu recinto, ele corre ávido e ligeiro atrás do primeiro pé descalço, para morder um canto de dedinho.
O jabuti entrou em minha vida como paciente. Fratura de mandíbula, triste, não comia, maus tratos. O proprietário abandonou e uma ONG resgatou e levou aos meus cuidados e já se vão 4 anos. Minha filha maior deu o nome de Carbonara sem saber que o nome científico era Chelonoidis carbonaria, coincidências. O Carbonara é discreto e afetuoso, tem um olhar embotado e lacrimoso. Ele gosta de frutas e de pessoas. Quando colocamos suas refeições ele vem no seu lento ligeiro e passa por cima da comida só pra poder chegar mais pertinho da gente, mas recolhe-se, muito tímido, pra dentro da carapaça quando recebe um carinho no cocuruto. Calado, sempre bonzinho e disposto a ouvir nossas lamúrias, Carbonara, como bom mineiro que deve ser, tem um lado oculto pela timidez que vez ou outra vem à tona. Como no sábado passado, dia da última faxina. Aspirador de pó pela casa, gatas fugindo do barulho pro quintal, limpeza do tanque do Totó e a precaução de colocá-lo no cercadinho para que não atacasse ninguém. Carbonara lá, quietinho no seu canto. Entrei para almoçar e quando saí encontrei Xaxá e Xuxinha em choque, estupefatas olhando para o cercadinho do Totó. Fui averiguar de perto e sou um cara de mente aberta, mas confesso que não estava preparado para aquilo. Carbonara invadira o cercado, seduzira por completo o Totó e já dava andamento ao ritual do acasalamento. Mandei as gatas pra dentro e saí de perto, fingindo que não vi. Quem sou eu pra condenar o que a natureza permitiu? Mas na terça-feira tive que intervir e separá-los, com auxilio de um pé de cabra, pois a diarista logo chegaria, muito cardíaca e religiosa.