O programa de governo da candidata Marina Silva (PSB) mostra, infelizmente, que não há nada de nova política. Pelo contrário, há nele as piores estratégias da velha política brasileira.

Marina lança plano de governo
Marina lança plano de governo

Ou seja: excluir a população ainda mais da participação política e deixar as velhas raposas no galinheiro. Marina Silva quer eleições de 5 em 5 anos. É isso mesmo! A população só vai palpitar de 5 em 5 anos. Nem na ditadura o povo ficou tanto tempo sem comparecer às urnas. Veja abaixo cinco pontos realmente desalentadores da candidata:

O pacote reacionário de Marina, por Ricardo Amaral

Nada é mais antigo e reacionário nessa campanha eleitoral do que as propostas de Marina Silva, do PSB, para “uma nova política”. São seis pontos apresentados no primeiro capítulo do programa de governo divulgado sexta-feira. Cinco deles formam um conjunto de retrocessos democráticos e casuísmos. A agenda da direita está toda lá, do voto distrital ao financiamento privado de campanhas. O sexto ponto, em contradição, copia propostas do PT.

Marina “inova” a agenda da direita com a proposta de só realizar eleições a cada cinco anos, para todos os cargos de uma vez. Nem a ditadura militar calou a voz das urnas por períodos tão longos. É uma ideia típica de quem tem um conceito “gerencial” do Estado e do processo democrático. É como dizer: “Não perturbem o país com eleições de dois em dois anos; isso atrapalha o governo dos bons e dos eficientes”.

As propostas reacionárias da “nova politica” vêm embrulhadas num texto de chavões “modernos”: “Estado e Democracia de Alta Intensidade”. Democracia não combina com adjetivos. Houve um tempo em que o Brasil era uma “democracia relativa”, e não passava de uma ditadura. Democracia é algo substantivo; ou se pratica ou não se pratica. No Brasil, custou vidas, lágrimas e luta. Não é pra brincar.

Assim como o título, o texto é vazado em embromation castiço. Aqui vão as seis propostas da candidata, traduzidas para o mundo real:

Proposta 1: “Unificação do calendário geral das eleições, o fim da reeleição e a adoção dos mandatos de 5 anos”.

Tradução: Fazer menos eleições (e não perturbar o governo dos bons)

Durante 5 anos o eleitorado simplesmente não se pronuncia sobre nada. E de uma só vez troca o executivo em todos os níveis (pois não há reeleição), ao mesmo tempo em que elege vereador, deputado estadual, deputado federal e senador. Nem na ditadura o Brasil passou cinco anos seguidos sem ter eleições em algum nível; sem ouvir a voz das urnas.

A fórmula Marina implica necessariamente em alguma prorrogação de mandatos (dos atuais prefeitos e vereadores, ou dos parlamentares governadores e presidente eleitos este ano). Só a ditadura fez isso, ao prorrogar por dois anos os mandatos de prefeitos e vereadores, quando adiou as eleições municipais de 1980.

O fim da reeleição é hoje uma bandeira do PSDB, que a implantou corrompendo o Congresso em 1997. O argumento para extingui-la é que o governante cuidaria apenas da administração, sem desvirtuá-la com o propósito de buscar a reeleição. E o que o impediria de “desvirtuá-la” para eleger o sucessor? Marketagem reversa de tucano. Demagogia de sonhático.

Proposta 2: “Fortalecimento dos mecanismos de transparência nas doações para campanhas eleitorais”.

Tradução: Financiamento privado de campanhas (inclusive por empresas)

O documento original da campanha (as “Diretrizes” do PSB) dizia que tais mecanismos seriam necessários para “baratear as campanhas”. A expressão grosseira saiu do texto, mas o caráter da proposta não mudou: Marina é contra o financiamento público de campanhas, uma proposta do PT, e a favor das doações de empresas.

O financiamento público de campanha é a proposta mais radical e eficaz para reduzir a influência do poder econômico no processo eleitoral. Marina rejeita doações da indústria bélica e de bebidas, mas não vê problema em ser financiada por um grande banco e por uma indústria de cosméticos com interesses diretos na administração federal.

Em abril deste ano, seis ministros do STF (a maioria) votaram favoravelmente à proibição de doações de empresas. Mesmo com o placar definido, o julgamento foi suspenso por um pedido de vistas de Gilmar Mendes, ministro indicado pelo PSDB, partido que é contra a proibição e contra o financiamento público. O vice de Marina, Beto Albuquerque, também se manifestou em abril contra a proibição.

Ao longo da última década, o TSE vem apertando os mecanismos de controle das campanhas, com as prestações de contas antecipadas e registro on-line de doações. São esses mecanismos que ameaçam o registro da candidatura do PSB, por não ter declarado à Justiça Eleitoral o uso (Por empréstimo? Doação irregular? Aluguel no fiado?) do avião que caiu em Santos. Antes de propor “mais transparência” seria melhor esclarecer esse caso.

Proposta 3: “Novos critérios na ordem dos eleitos para cargos proporcionais, buscando aproximação da “Verdade Eleitoral”, conceito segundo o qual os candidatos mais votados são os eleitos”.

Tradução: Adotar o Voto Distrital Puro (e despolitizar o Legislativo)

“Verdade Eleitoral” é o nome falso para voto distrital puro, que o programa de Marina não tem coragem de mencionar.

O voto distrital é o único sistema que permite a eleição do candidato mais votado, sem levar em conta a votação de seu partido ou coligação. É o modelo do “ganhador leva tudo”, típico da cultura política dos EUA e matriz de seu Congresso paroquial e reacionário, com representantes altamente vulneráveis ao poder econômico.

É uma proposta francamente despolitizadora, defendida no Brasil pelo PSDB e pela direita. Um retrocesso que rebaixa a disputa politica geral ao nível das questões locais.

O programa da candidata sequer apresenta o argumento (legítimo) dos que defendem o voto distrital: este modelo supostamente aproxima representantes de representados, o que não ocorreria com o voto proporcional, adotado no Brasil..

Proposta 4: “Inscrição de candidaturas avulsas aos cargos proporcionais, mediante requisitos a definir”.

Tradução: Enfraquecer os partidos (e fortalecer candidatos antipolíticos).

Na versão original do programa, as “Diretrizes” do PSB, não estava limitada às eleições proporcionais. Houve um recuo aí. O argumento a favor da candidatura avulsa é “quebrar o monopólio dos partidos na representação política”.

Idealmente, permite a eleição de candidatos apoiados por movimentos e setores sociais. Na prática, favorece candidatos com alta exposição pública, grande poder econômico, ou representantes de “causas”, que hoje se elegem dentro da estrutura partidária. A diferença é que seus votos não contribuiriam mais para a formação do quociente eleitoral dos partidos, não somariam para eleger candidatos menos votados.

A candidatura avulsa existe na maioria dos países, normalmente limitada ao Legislativo. Não é uma ideia antidemocrática em si, mas é uma resposta enganosa e despolitizada à questão da representatividade do Legislativo.

Proposta 5: “Redefinir o tempo de propaganda eleitoral com base em novos critérios, visando a melhorar a representatividade da sociedade brasileira nos parlamentos”.

Tradução: Tratar igualmente os desiguais (e valorizar o mercado de TV).

O critério hoje é: parte do tempo de propaganda eleitoral é distribuída igualmente entre os partidos com funcionamento na Câmara. Ao tempo mínimo de cada um acrescenta-se um tempo proporcional ao tamanho das bancadas e coligações.

Pode-se rediscutir a proporção entre o tempo mínimo e o tempo proporcional ao tamanho das bancadas, mas não há critério mais democrático do que o vigente.

Mudar o critério só pode levar a dois caminhos:

1) Distribuir todo o tempo de acordo com o tamanho das bancadas.

2) Distribuir o tempo em fatias iguais, desde o PPL até o PMDB.

Ambos são menos democráticos que o critério atual, e nenhum deles nos levaria a “melhorar a representatividade da sociedade brasileira nos parlamentos”.

É lícito supor que Marina se incline pelo segundo caminho. Nesse caso, estaria igualando os desiguais, desrespeitando a representatividade conquistada por cada partido nas urnas. O PT, que é o alvo implícito da proposta, já foi um partido pequeno, com pouco tempo de TV, da mesma forma que DEM e PSDB foram grandes um dia. Quem definiu o tamanho das bancadas atuais foi o eleitor.

Na prática, a proposta beneficiaria as pequenas legendas, tanto as ideológicas quanto as legendas de aluguel, que teriam seu capital muito valorizado.

Em Português dos tempos da luta contra a ditadura: é um casuísmo.

Proposta 6: “Permitir a convocação de plebiscitos e referendos pelo povo e facilitar a iniciativa popular de leis, mediante a redução de assinaturas necessárias e da possibilidade de registro das assinaturas eletrônicas.”

Tradução: Enfeitar o pacote conservador (com propostas copiadas do PT)

Plebiscitos e referendos são instrumentos históricos da democracia, previstos na Constituição, porém raramente praticados no Brasil. Hoje, quem tem poder convocá-los é o Congresso. A ideia de convocá-los por iniciativa popular consta do programa do PT desde os tempos em que Marina era filiada ao partido. O PT também propõe incentivar a proposição de leis por iniciativa popular.

Na campanha de 2010, Marina Silva recorreu ao plebiscito para se livrar de questões embaraçosas, como a descriminalização do aborto. Cuidado: plebiscito não é Doril, que se toma pra qualquer dor-de-cabeça. É para decidir sobre grandes questões nacionais, e não para lavar as mãos do governante que não tem coragem de assumir suas posições. (Ricardo Amaral, do GNN)