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Procurador-Geral pode fazer Judiciário avançar mais nos direitos fundamentais

Ainda que meus conhecimentos em Direito fiquem aquém do básico, dediquei-me à leitura do parecer enviado ao STF pelo Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, solicitando aos magistrados que a homofobia seja equiparada como crime semelhante ao racismo no Brasil, até que o Congresso Nacional se disponha a regulamentar uma legislação que trate especificamente do tema.

A Justiça se encarrega de fazer valer os direitos civis no Brasil

Escrito de maneira clara, o longo texto, que pode ser acessado neste endereço, explicita a necessidade de uma legislação que combata esse tipo de preconceito, cujo número de vítimas é lamentavelmente alto. Em 2013, mais de 300 homossexuais foram assassinados no país por razões homofóbicas, segundo levantamento não-oficial do Grupo Gay da Bahia – o governo não busca esses dados.

Na página 7, Janot discorre: “É patente a excessiva duração do processo legislativo da proposta de criminalização da homofobia e transfobia: desde o Projeto de Lei 5.003/2001, aprovado originariamente na Câmara dos Deputados e que se convolou no Projeto de Lei 122/2006 do Senado Federal, somam-se aproximadamente treze anos de processo legislativo!”. Sabe-se que, há poucos meses, os senadores “apensaram” o PL122 ao projeto do novo Código Penal, embora tal ato, na opinião do senador Paulo Paim (PT-RS), relator do projeto, apenas adie a criminalização da homofobia. É interessante recordar que o texto do PL122 passou pelas mais diversas alterações para se adequar às exigências dos deputados que lhe eram contrários – mesmo assim, após várias manobras, a votação foi posta de lado. Durante os treze anos nos quais o projeto tramitou entre as duas casas do Poder Legislativo até ser “apensado”, milhares de cidadãos LGBT foram assassinados no país – quando há punição, esta não é contabilizada como um crime de ódio e intolerância, o que é inadmissível. Desse modo não se pode pretender construir um país civilizado. “Razões de equivalência constitucional, ancoradas no princípio da igualdade, impõem a criminalização da discriminação e do preconceito contra cidadãos e cidadãs lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais, pois a repressão penal da discriminação e do preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional já é prevista pela legislação criminal brasileira (Lei 7.716/1989) e não há justificativa para tratamento jurídico diverso, sob pena de intolerável hierarquização de opressões. No elegante dizer do Ministro Roberto Barroso: ‘é preciso avançar no processo civilizatório’”, reflete Janot, na página 13 do mesmo parecer.

O tempo dirá se o pedido do Procurador-Geral será acatado pelos Ministros do STF. Rodrigo Janot pondera, inclusive, a fixação de um prazo máximo para que o Poder Legislativo se pronuncie sobre uma Lei que puna a homofobia, porém também essa resposta só virá mais adiante. Chama a atenção, contudo, a maneira como o Poder Judiciário se adianta agora, como já o fez diversas vezes, para que determinados avanços possam ser conferidos no Brasil. Em 2011, o mesmo STF julgou que famílias homoafetivas deveriam ser equiparadas à mesma condição de famílias heterossexuais, o que tornou possível, entre outras coisas, que esse tipo de casal pudesse lavrar em cartório a chamada escritura de união estável, que apesar de não alterar o estado civil dos cônjuges, torna possível que se peça a conversão dessa situação em casamento. Vários casais do mesmo sexo que possuíam o documento entraram com esse pedido de conversão na justiça, e tiveram seus casamentos autorizados por vários juízes no país. Em vista disso o Conselho Nacional de Justiça determinou, em maio de 2013, que todos os cartórios de registro civil do Brasil passassem a realizar normalmente o casamento gay, sem que houvesse a necessidade de aprovação judicial prévia, como antes. Certamente a política não assistiu a toda essa movimentação de maneira passiva: logo no mês seguinte, o Partido Social Cristão (PSC) protocolou no STF uma ação para pedir a derrubada da decisão do CNJ, sob a justificativa de que “sabe ao Congresso Nacional” discorrer sobre o tema. Ocorre que o Congresso a que se refere o PSC se omite desse debate há anos, e existe bem aqui uma sociedade que quer avançar e clama por respostas.

Eu não creio que a criminalização da homofobia seja o real caminho para reduzir o preconceito na sociedade. Nesse ponto, concordo com a opinião do deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ), de que somente a real inserção de pessoas homossexuais à sociedade será capaz de acabar com a homofobia. É necessário que mais gays declarem em público sua condição para que as pessoas possam enxergar, ainda que com olhos pequenos, que a população homossexual trabalha, vive, tem sonhos, e não chafurda na promiscuidade que certas pessoas, agindo com absurda má fé, querem fazer crer. Foi dessa forma que o preconceito já se reduziu na sociedade nos últimos anos, graças à quebra do estigma e do estereótipo. É necessário, porém, que o poder público aja para dar apoio à população LGBT e para que pessoas preconceituosas saibam que seu ódio é passível de punição. Nossos políticos não podem seguir se omitindo e relegando ao judiciário a garantia de direitos individuais e fundamentais. É necessário que haja uma posição clara sobre ações nesse sentido, não só para a população homossexual, mas para todas as minorias oprimidas.

Consola saber, contudo, que a sociedade evolui a cada dia, ainda que nossos políticos não ajam de acordo. A geração mais jovem aceita com naturalidade as transformações sociais, o que faz desenhar um futuro de mais tolerância e paz. É necessário, contudo, barrar desde já a evolução do ódio, que é muito notado entre os brasileiros, e impedir que esse pensamento seja disseminado, porque a intolerância nada pode fazer senão o mal aos outros. Nesse sentido, a ação do poder judiciário, vista em homens como Rodrigo Janot e Luis Roberto Barroso, só podem fazer bem ao Brasil, e talvez este seja o momento de aproveitar as eleições que se avizinham e procurar votar em candidatos que estejam atentos ao futuro e à evolução da sociedade, e especialmente, que não temam a pressão de forças conservadoras e de agentes que só têm em mente o atraso e que lucram com a disseminação do ódio. Conforme Janot também fez questão de destacar em seu parecer, “a determinação de editar normas penais para combater a homofobia e a transfobia é um compromisso internacional”. E certamente o Brasil, que tanto pleiteia um papel de importância no mundo, não pode se ausentar.

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