Considerações finais… iniciais.
Eu não queria a copa do mundo no Brasil. Eu não queria que o dinheiro público fosse desperdiçado de forma tão nefasta como foi. Já que o dinheiro público foi direcionado para meia dúzia de oportunistas, eu não queria que esse investimento virasse poeira e se dissolvesse na forma de elefantes brancos que nunca mais serão utilizados em benefício de quem mais precisa. Eu não queria, na verdade, que o ser humano desse tanto valor ao dinheiro, mas sim, ao próprio ser humano, à vida humana. Eu não queria que houvesse truculência policial, ou qualquer truculência, contra pessoas que tem o direito de se manifestar contra um mundo que não parece justo. É legítimo acreditar que o mundo precisa mudar e que não mudará para melhor se continuarmos seguindo o rumo que temos tomado.
Mas adoro o futebol e fui criado nessa cultura. O futebol é incrível. A copa foi excelente… o que não é sinônimo de sucesso. Houve jogos maravilhosos. Houve reflexo de trabalho em equipe. A Alemanha mostrou que o mutirão em prol de um objetivo comum, gera resultados inevitáveis, por mais que surjam num tempo além do desejo humano. Foram, no mínimo 9 anos em que os alemães buscaram e trabalharam por este resultado, não se abatendo com derrotas, ano após ano. O povo argentino e sua seleção se mostraram merecedores de muito respeito e foram tão campeões como os alemães, exceto por um mero detalhe, um gol (a ironia também é um importante detalhe).
O futebol não carece de 100 pontos, de um derrotado ou de um vitorioso, para ser o esporte mais popular do mundo. O futebol se utiliza da emoção dos empates, das bolas na trave, do quase, do sangue nos olhos, das bolas dividas, das contusões, das superações e das limitações humanas; das igualdades que existem dentro das mais evidentes diferenças, do fato de que o melhor nem sempre vence e da relatividade das palavras “melhor e pior”. O futebol é capaz de tornar mais amado e carismático, o time mais fraco. O futebol não tolera os acomodados. O futebol é mais do que os muitos milhões de euros ou dólares ou reais que morrem em estádios monumentais, em salários desumanos e em dinheiro lavado. O futebol vive nos campos de terrão e nos pés descalços. O futebol é mais e melhor do que o dinheiro. O futebol é mais e melhor do que fronteiras que não existem. A copa do mundo me fez ver que ninguém merece viver sem circo e que cada um amadurece a seu tempo. O futebol não precisa do ódio ao oponente, mas apenas do amor aos seus… e somos todos nossos. O futebol é nosso, não é da fifa.
Admiro mais os argentinos. Admiro mais os alemães. Admiro muito os brasileiros que riram e choraram com sua seleção. Admiro mais os que se manifestaram contra a usura, a injustiça e o consumismo. Abomino que continuem iludindo os seres humanos com meias verdades, com mitificações e com a cultura do ódio às diferenças. Mas tudo a seu tempo. A Alemanha não esperou, mas trabalhou muito para conquistar seu objetivo. A Alemanha é um pedaço do mundo em que vivemos. O mundo em que vivemos é nosso e as divisões geográficas são convenções oportunistas e intolerantes.
Parabéns, Alemanha, por ensinar um passo da dança, depois de muito ter dançado erradamente, para que seus semelhantes se espelhem e entendam de que forma buscar suas conquistas comuns. Parabéns, Argentina, por demonstrar que há muita honra nas derrotas. Parabéns, aos brasileiros que insurgiram e lutaram contra os abusos que a ganancia plantou, aos que lutaram contra a ilusão da ostentação e que consideraram uma vida perdida na fila de um hospital mais valiosa do que um estádio bilionário, que consideraram que uma criança educada sem os moldes da hipocrisia é um passo muito maior para a nossa evolução, do que uma copa do mundo… tudo a seu tempo. Parabéns, Maracanã, pela sua magia, apesar da mutilação sofrida, tão sofrida. Parabéns, seleção brasileira, cbf, fifa (com minúsculas), comissão técnica e governo (eu disse governo, não disse Dilma, não disse PT, não disse PSDB, não disse nenhum partido político, disse todos), por nos mostrarem a verdadeira face da mentira e o caminho que não precisamos mais seguir para que sejamos felizes. Parabéns, ser humano, por ser até mais fascinante do que o futebol. (Luís Fernando Praga)