Depois de “Geração Beat” – publicado pela LP&M em 2009 e com cerca de 7 mil exemplares vendidos – Claudio Willer lança “Os Rebeldes – Geração Beat e anarquismo místico.” Neste novo livro, o autor amplia informações sobre os escritores norte-americanos que protagonizaram uma inquieta cena cultural no século XX, para mostrar sua trajetória extrapolando as normas de uma sociedade erigida sob o protestantismo para encontrar caminhos que os levariam a várias religiões e doutrinas.
Incluem-se aí o Espírito Livre – que propunha a abolição da propriedade privada e a volta a um estado adâmico – e religiões africanas, como a que Allen Ginsberg conheceu numa visita à Cuba e que corresponde ao candomblé. Movidos por um sentido de busca, os expoentes da geração beat falaram de iluminações em seus poemas, enchendo suas obras de relatos que traduzem a expectativa de criar uma nova consciência espiritual e planetária.
Este sentimento mobilizava a geração dos anos 60 que eles precederam – e da qual também participaram ativamente – imprimindo ainda seus ecos às décadas seguintes como protagonistas de uma rebelião não só literária, mas de comportamento. Eles acreditavam, de forma messiânica, que tinham uma missão, como destaca Willer, através de uma declaração de Gisnberg: “Nós temos um grande trabalho a fazer, e nós o estamos fazendo, tentando salvar e curar o espírito da América.”
Dos tambores africanos aos cantos a Hare Krishna, a trajetória de Ginsberg é tão rica em experiências místicas quanto a de se seus parceiros. Willer aborda este caminho fazendo paradas nas estações espirituais onde desembarcaram por curto ou longo período os ícones da Geração Beat, apontando religiões e doutrinas que eles seguiram. Tudo permeado por influências literárias na qual se incluem a obra de William Blake e W.B. Yeats, entre outros, por suas concepções espiritualistas.
De Ginsberg, Willer cita desde a obsessão religiosa até os longos retiros para meditação, além da presença de símbolos espiritualistas em seus poemas feitos em forma de orações. É conhecida sua experiência de “iluminação auditiva”, na qual teria ouvido a voz de Blake, que ele tentaria repetir até mesmo com o uso de alucinógenos. Parte importante da história da geração beat – expressão que deriva da palavra beatitude – está no romance “On the Road”, de Jack Kerouac, apontado “bem mais como uma busca espiritual do que um guia de como se tornar um hipster” por Howard Cunnel, organizador e prefaciador de edição recente do manuscrito original do livro, citado por Willer.
Kerouac, de formação católica, mergulhou ainda no gnosticismo e no budismo que aparece em boa parte de sua obra. Entre outros beats, inclui-se a poeta Diane di Prima, budista, ocultista e professora de magia; Gary Snyder, budista convicto e praticante da linha zen; Gregory Corso, tido como poeta católico, além de Neal Cassidy – considerado, mais que um autor, um personagem importante do movimento que, juntamente com sua mulher Carolyn, “tornou-se adepto de uma seita liderada pelo médium vidente Edgard Cayce.”
Todos exemplos irreverentes de um anarquismo que vai da ascese à licenciosidade, da meditação ao culto orgiástico. O livro é também um documento das influências políticas, econômicas e sociais que determinaram a rebelião marcante na cena da contracultura. Há de se ressaltar a presença do lúmpen no movimento – aquela categoria de cidadãos com subempregos e tidos como ordinários, na contramão da burguesia – além de uma facção marginal que inclui, por exemplo, Gregory Corso que entrou em contato com a literatura na biblioteca de uma prisão, quando foi preso, acusado de roubo, aos 17 anos.
“Os Rebeldes – Geração Beat e anarquismo místico”, de Claudio Willer, LP&M, R$ 34,90.
(Célia Musilli para o Carta Campinas)