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Durante o meu período escolar, que já terminou há alguns anos, eu tinha as disciplinas de história e geografia como as minhas duas favoritas – de longe. O meu colégio, no entanto, não parecia partilhar desse pensamento; provavelmente seguindo alguma diretriz, o currículo escolar trazia essas duas matérias com apenas duas aulas semanais, enquanto outras, como matemática e física, possuíam mais que o dobro. As longas e exaustivas aulas nas quais aprendíamos sobre teoremas, gráficos e equações aterrorizantes tomavam muito mais tempo do que as que se dedicavam a ensinar geopolítica e a história do nosso próprio país.

Logicamente essa forma de dispor as disciplinas não vinha do meu colégio – é, arrisco-me a dizer, uma orientação dos órgãos governamentais que regulam a educação. Basta ver que aqueles que não estudam na universidade em um curso ligado às ciências exatas e/ou biológicas não estão aptos a se inscrever no programa Ciência Sem Fronteiras, do governo federal, que envia alunos para fazer uma parte da graduação em outros países. Justifica-se essa “preferência” ao fato de que o Brasil é um país de infraestrutura precária, que precisa ser melhorada com a máxima urgência caso queiramos continuar a pleitear um papel de importância no mundo. Como a presidente Dilma Rousseff fez questão de frisar, os profissionais requeridos para essa tarefa não são os advogados, ou mesmo nós jornalistas, mas os engenheiros. Eis aí a razão.

Essa forma de ver a educação não vem de agora, e é refletida na sociedade sob uma série de ângulos. Há duas semanas, o país parou para observar a movimentação de uma determinada parcela da sociedade, que se dedicou durante algum tempo a organizar uma nova edição da “Marcha da Família com Deus”, a mesma que, em 1964, abriu caminho para o golpe militar. Apesar do retumbante fiasco das manifestações ao redor do país – em Florianópolis três pessoas compareceram –, o apoio desse tipo de movimentação na sociedade não é desprezível. Há muitas pessoas – muitas mesmo – que creem que a única solução para o fim dessa “baderna” seria mesmo uma intervenção militar. Muitas delas são jovens, e estiveram na escola no mesmo período que eu. Pergunto-me: se os professores de história e geografia tivessem tipo tempo hábil para dissecar o período de ditadura militar a essas pessoas, elas ainda seriam defensoras do regime?

A presidente Dilma acha que “engenheiro é produtividade” e “advogado é custo”, conforme falou, em tom de brincadeira, durante um discurso no ano passado. Não posso afirmar que ela estenda essa reflexão a outras profissões, porém se esse for o pensamento do governo, creio que deva haver um redesenho do sistema educacional no país com a máxima urgência. Nossos estudantes não possuem mais disciplinas como filosofia e sociologia, importantíssimas para que se entenda a estrutura social complexa e cruel do Brasil. História, uma matéria fundamental para que se compreenda o passado do país e seus consequentes erros, é preterida e deixada de lado, e a considerável carga de leitura que tal matéria requer assusta os alunos, desacostumados ao correr das letras. Enquanto isso, para conquistar uma aprovação nas matérias exatas, basta uma nota 5,0, muitas vezes conseguida num processo de recuperação. Não se forma, pois, nem por um lado nem por outro, e cada vez mais os jovens deixam a escola sem saber quase nada.

Não é errado querer formar engenheiros, arquitetos e físicos. Esses profissionais são indispensáveis ao bom andamento de qualquer sociedade, e é função do governo zelar para que eles deixem os bancos das universidades preparados para suprir as demandas que o Brasil possui. Porém não se pode preterir a formação humana dos cidadãos – vê-se hoje um surto do conservadorismo no Brasil, que é em parte uma reação às recentes conquistas das classes oprimidas, mas que deve ser também creditado à absoluta falta de educação das pessoas. Há quem deixe a escola dizendo que não existe racismo no Brasil, que o Congresso Nacional precisa ser “bombardeado”, que gay deve morrer. O conservadorismo levou a presidente da República a dizer, em público, que o governo federal não iria fazer “propaganda de opções sexuais”, ao vetar um material já pronto que seria enviado às escolas públicas como uma forma de combater a homofobia – embora isso tenha ocorrido em 2011, a fala de Dilma Rousseff ainda me dá calafrios de vergonha.

O Brasil precisa, com urgência, formar mais matemáticos. Mas precisa também, com uma demanda ainda mais emergencial, formar bons brasileiros. Nossa sociedade anda muito carente de ambos os tipos, e lamentavelmente, para o segundo, não há um programa governamental em vistas de execução.