Depoimento de participante de Samba na madrugada da Praça do Coco, em Barão Geraldo, Campinas (SP), publicado no jornal GGN, fala que a Polícia Militar acabou com uma roda de samba que acontecia naquele local nesta madrugada. Alguns comentários no facebook confirmam o depoimento. Veja abaixo:
Por Robson/jornal GGN

Escrevo com o nariz ainda irritado e os olhos ardendo.
Sempre que ouve-se falar que a Polícia Militar agiu com violência para reprimir manifestações fica a dúvida: não houve um motivo? A polícia não foi atacada antes, ou não agiu na defesa do bem estar da população? Arruaceiros não estavam no meio da multidão, sendo necessário dispersá-la para impedir danos maiores?
Não. Não foi o que testemunhei.
A noite no distrito de Barão Geraldo, famoso por abrigar minha querida UNICAMP, seguia tranquila. Como todas essas noites de carnaval, havia folia. O bloco Cupinzeiro animava os foliões, enquanto que em cantos dispersos alguns grupos se reuniam para ouvir funk ou outros ritmos.
Cerca de uma hora da manhã o bloco Cupinzeiro dispersou. Logo em seguida, conforme alguns já sabiam, uma roda de samba que se reúne mensalmente em Barão Geraldo se formou na praça do côco, exatamente onde o bloco Cupinzeiro havia se dispersado.
A praça do coco é um lugar fantástico. Originalmente uma praça central de uma avenida pouquíssimo movimentada, praticamente sem nenhum trabalho de urbanização, ela foi adotada por um vendedor de coco que a transformou em um dos melhores pontos culturais de Barão Geraldo. Para quem passa por perto no sábado pela manhã é parada obrigatória.
O samba corria solto, a roda estava empolgada, e nem pode-se dizer que havia tanta gente: imagino que de 500 a 1000 pessoas circulavam pela praça.
Eu estava em um ponto estratégico, em cima de um palco.
Não havia tumulto, não havia correria, não havia grupos sordidamente tramando contra a ordem pública. Nenhuma briga ocorria naquele momento. Aliás, tenho o hábito de, nesses eventos, não ficar parado. Circulei por toda a área anteriormente. Muitas vezes. Não vi UM tumulto sequer. Tudo em paz, até que surgiu a primeira bomba de gás lacrimogêneo.
A polícia, em sua clássica formação de choque, sequer se anunciou. Vindo pelos fundos da praça, seu primeiro movimento contra uma reunião pacífica e alegre foi essa: atirar bombas no meio da multidão para assustar e intimidar.
A correria foi imediata. Pela situação pacífica anterior, pouca gente entendia o que estava acontecendo. Muitos apenas se davam conta de que a fumaça era gás lacrimogêneo quando começavam os efeitos. Foi o meu caso.
Enquanto a PM começava sua diversão, dei a volta por do grupo de policiais. Era o lugar mais seguro, do meu ponto de vista. Observei o grupo detidamente. Eram cerca de 10 motociclistas, 15 ou 20 em formação de tropa de choque e mais a mesma quantidade fora de formação, creio eu.
Tentei fotografar, mas infelizmente as imagens e vídeos que consegui são de uma qualidade lastimável. Provavelmente hoje surgirão imagens melhores.
Não procuravam nada. A única atitude foi dispersar, atirando bombas de gás lacrimogêneo nas aglomerações que ainda restavam. Estudantes, mulheres, idosos. Não lembro de ter visto crianças, mas não duvido.
Houve balas de borracha. fotografei um dos rapazes atingido.
Não presenciei um único ato de reação, exceto verbal. Acompanhei uma menina apontando o dedo na cara de um policial de moto.Filmei, temi que ele avançasse sobre ela, como vi alguns policiais tentando fazer com outros rapazes.
Em dado momento acabei passando a frente dos policiais, pois eles haviam recuado em uma esquina. Enquanto a maioria dispersava tentei continuar fotografando e, com a calma de alguém que se entende como um cidadão que não pode ser forçado a fazer ou deixar de fazer nada senão em virtude da lei, sentei-me calmamente na calçada para rever o que havia fotografado. Quando os PMs viram a esquina a ordem foi direta: circular, andar para a frente. Confesso que temi levar uma surra de cassetete pela impertinência de ainda estar tentando se comportar como um cidadão que não deve nada.
Argumentei que minha casa ficava na outra direção, mas caminhei, me deixando ficar pra os lados. Mais duas vezes policiais me falaram para andar, mas me deixei ficar para trás. Acabei voltando para a casa de uma amiga, onde algumas pessoas horrorizadas com a atitude obtusa da polícia se agruparam.
De tudo que vi, concluo que não houve motivo justo. Não houve sequer um pedido anterior dos policiais para que o grupo se dispersasse. Pessoas pacíficas ouvindo samba no carnaval sendo atacadas por policiais com gás lacrimogêneo e sangue nos olhos faz parte de uma realidade que às vezes negamos mas que fatalmente nos atinge. Não havia protesto, não havia tumulto, só samba, alegria e homens fardados que se aproximaram sorrateiramente e atiraram bombas em uma multidão ordeira e pacífica.
Ficou em mim a impressão de fomos cobaias. Pareceu-me que a nossa polícia precisa treinar seus homens para a copa, e sem tempo hábil ou eventos explosivos suficientes acontecendo, usou o que tinha à mão. Atacou um grupo pacífico que se divertia para testar sua capacidade de dispersar reuniões. Não consigo ver outra justificativa plausível.
Amanhã o carnaval continua. O bloco mais famoso de Barão Geraldo, “Berra Vaca”, irá andar pelas ruas, precedido pelo “Maracatucá”, que deverá tocar por cerca de duas horas. Estarei lá e planejo ir embora quando o sol raiar. Mas por precaução, levarei uma máquina fotográfica decente. Se a ideia é que sejamos cobaias, quero que o experimento seja muito bem documentado.