No último dia 6 de dezembro ocorreu o ato de lançamento da “Associação de Ativistas por Reparação: Contra a Impunidade das Violações Cometidas desde a Ditadura” (AAPR), na Faculdade de Direito da USP, no Largo São Francisco, em São Paulo (SP). A associação reúne juristas e ativistas dos direitos humanos e sociais, com o objetivo de “garantir a responsabilização das empresas e empresários” que foram cúmplices da ditadura militar brasileira. “Nosso país, de uma forma geral, carece de uma cultura jurídica acerca da Justiça de Transição”, diz o manifesto de lançamento. Por isso, a AAPR defende a importância “de elaborar parâmetros teóricos e práticos, a fim de incidir sobre os inquéritos e futuros procedimentos judiciais ou extrajudiciais”.
A Associação dos Docentes da Unicamp (ADunicamp) participou do ato que reuniu trabalhadores, juristas, vitimados e familiares, sindicalistas, acadêmicos, pesquisadores, defensores dos direitos humanos, que buscam garantir responsabilização das empresas que foram cúmplices da violência do regime militar no Brasil.
“É uma página super importante da nossa história que está sendo escrita. O evento de lançamento da associação foi muito emocionante, com depoimentos de inúmeros vitimados pela ditadura, a maioria de operários vindos de várias partes do país”, relata a professora Regina Célia da Silva (CEL) que representou a ADunicamp na cerimônia e assinou, em nome da entidade, a lista de apoio à fundação da AAPR.
Várias empresas tiveram algum tipo de participação no projeto ditatorial. Petrobrás, Paranapanema, Josapar e Volkswagen estão na lista de investigadas. Pesquisas acadêmicas também subsidiam investigações do Ministério Público sobre a Folha, Cobrasma, Docas, Aracruz, Itaipu, CSN, Fiat, Belgo-Mineira, Mannesmann e Embraer.(link)
A cerimônia contou com a participação de Ney Strozake, advogado do MST e membro da ABJD; Rosa Cardoso, advogada que coordenou a Comissão Nacional da Verdade; Pedro Muniz, advogado e sócio do MUZ advogados; Jorge Luiz Souto Maior, professor da Faculdade de Direito da USP e coordenador do Grupo de Pesquisa Trabalho e Capital (GPTC); Belisário dos Santos Junior, advogado e membro da Comissão Arns e José Luiz del Roio, historiador e integrante do Instituto Astrojildo Pereira.
A associação nasceu a partir de articulações do centro de memória operária Intercâmbio, Informações, Estudos e Pesquisas (IIEP), também apoiado pela ADunicamp. Algumas das frentes de trabalho do IIEP (conheça aqui) são a gravação de testemunhos de militantes do século XX, a publicação de livros e obras sobre o movimento proletário e popular e o mapeamento, acompanhamento e investigação das empresas cúmplices da ditadura, para posterior organização e disponibilização do acervo. O conteúdo e a importância dos depoimentos foram vitais para a decisão de articular a fundação da AAPR.
O MANIFESTO
O Manifesto AAPR (confira a leitura aqui), divulgado no ato de lançamento da associação, começa com um trecho do depoimento de Antônio Pinheiro Salles à Comissão Nacional da Verdade e publicado no livro Ninguém Pode se Calar. Antônio foi preso por nove anos e torturado pela ditadura militar. “Sem ódio. Sem rancor, mas com a firmeza de quem não se perde nas sutilezas dos meandros traçados pelas classes dominantes de ontem e de hoje. Que venhamos a ser respeitados pelos demais povos do mundo. Não podemos continuar sendo uma ilha isolada, mesmo em nossa pobre América Latina. Uma ilha de impunidade.”
O manifesto foi lido, no ato de lançamento, por Jair Krischke, presidente do Movimento de Justiça e Direitos Humanos e personagem central do documentário “O Imprescindível”, que também foi apresentado no encontro (leia abaixo). “Aos 60 anos do golpe, o Brasil carrega a mácula de não ter punido os agentes militares e civis responsáveis pelo financiamento e efetivação de graves violações de Direitos Humanos durante a Ditadura (1964-1988) e por seus atos preparatórios. A cumplicidade das grandes corporações com o regime foi objeto de silêncio por muito tempo. O processo de resgate e construção da memória, sobretudo no âmbito das comissões da verdade, foi tardio e parcial; mas ele é a necessária ponta de um novelo que começa na aliança de militares com empresários para a articulação do golpe e se estende por mais de duas décadas de terrorismo de Estado. (…) Apesar das fartas provas da colaboração entre empresas e a Ditadura, até o momento apenas a Volkswagen do Brasil foi constrangida a assinar um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) em razão da colaboração em crimes de lesa-humanidade. Hoje, outras 14 companhias são objeto de inquérito”, afirma o manifesto. (Leia aqui a integra do manifesto. Assine e apoie essa iniciativa)
O IMPRESCINDÍVEL
“Jair Krischke, Imprescindível”, documentário concebido e dirigido por Milton Cougo, relata a trajetória deste gaúcho que, por sua luta durante as ditaduras latino-americanas, transformou-se em referência nacional e mundial na defesa dos Direitos Humanos. O filme foi exibido durante o lançamento da AAPR, um dos momentos marcantes da cerimônia.
“Jair Krischke, foi uma espécie de Schindler, conhecido, respeitado e amado em toda a América Latina por sua incansável batalha pelos direitos humanos durante as ditaduras militares latino-americanas dos anos de 1960 a 1980. E um dos grandes combatentes contra a famigerada Operação Condor. Conhecê-lo, assistir ao documentário e vê-lo assistir própria história na tela, foi um momento de grande emoção. Jair e muitos outros ali presentes à cerimônia são combatentes que sobreviveram a um capítulo infeliz da nossa história latinoamericana que, por conta da lei da anistia, resta ainda inacabado”, avalia a professora Regina Célia da Silva.
O filme de 32 minutos mostra a trajetória do líder do Movimento de Justiça e Direitos Humanos (MJDH), fundado em 25 de março de 1979, em plena ditadura militar. Durante as ditaduras latino-americanas, o MJDH acolheu e protegeu perseguidos políticos de todos os países da América Latina.
Quando recebeu a Comenda D. Helder Câmara, no Senado Federal, em 2011, foi anunciado como “o homem que salvou duas mil vidas”. Quando as ditaduras caíram, ele seguiu na luta e passou a trabalhar no resgate da memória do ocorrido. “Se os crimes dos regimes autoritários forem esquecidos, eles reformam o discurso e voltam”, disse ele na ocasião.
O título do documentário é inspirado na clássica frase do dramaturgo alemão Bertolt Brecht: “Há homens que lutam um dia e são bons, há outros que lutam um ano e são melhores, há os que lutam muitos anos e são muito bons. Mas há os que lutam toda a vida e estes são imprescindíveis. (Com informações da ADunicamp)