Não é sobre liberdade (e eles sabem disso)
.Por Guilherme Scalzilli.
Na internet, mecanismos de pesquisa, plataformas de vídeo e redes sociais direcionam, incentivam ou restringem o acesso a conteúdos seguindo normas opacas e irrecorríveis. Essas práticas vão além do comércio, afetando repertórios informativos, analíticos, etc.
O viés ideológico da manipulação algorítmica é cientificamente provado. E seus efeitos deletérios ficam óbvios na simultaneidade entre a sistematização do “gerenciamento” corporativo do fluxo virtual e a escalada neofascista ao redor do mundo.
Não é o controle institucional, portanto, que ameaça o idílio da liberdade absoluta de expressão. Ela já não existe, a rigor, em lugar algum. Seus apologistas na internet apenas reverberam a agenda exploratória dos monopólios tecnológicos.
Abuso por abuso, o controle judicial tem uma legitimidade que o Big Brother privado jamais terá. A diferença materializa-se nas respectivas adesões ao obscurantismo: um juiz pode até absolver uma calúnia, mas dificilmente negará que calúnia é crime.
A simples ideia de “disputa” entre Alexandre de Moraes e Elon Musk envolve certa complacência com o negacionismo jurídico do empresário. Conflito presume igualdade mínima de forças. Enfrentar o STF é pretensão típica da escatologia bolsonarista.
Os métodos de Moraes foram antecedidos por longa tradição. A imprensa conservadora não se abalava com eventuais precedentes quando aplaudia os arroubos de Joaquim Barbosa. Hoje posa de formalista, afagando criminosos notórios, em ano eleitoral.
Sua hipocrisia transparece no eufemismo “fora do rito”, usado contra Moraes, como se esse tolo critério de noticiabilidade valesse para quaisquer outros magistrados graúdos. As menções da Vaza Jato a desembargadores do TRF-4, por exemplo, sumiram.
De novo, a retórica libertária dos jornalistas depende de falsas equivalências: entre o discurso fascista e o democrático, mentira e análise, o golpismo e seus adversários. Postas as coisas nos devidos lugares, a “imparcialidade” da turma ganha outro aspecto.
Quem reclama de censura contra a extrema direita normaliza suas violências. Reduzidas as manifestações ao mínimo denominador formal comum, oculta-se o conteúdo que as define. A divulgação científica passa a valer o mesmo que a ameaça homofóbica.
Essa estratégia também normaliza a censura real, que a própria direita exerce, através de governos, tribunais e algoritmos. A vitimização impede que seus ataques cotidianos à esquerda sirvam de base comparativa para um balanço das atitudes de Moraes.
Em sua versão reacionária, a pauta da liberdade visa manter uma hegemonia ideológica fabricada com o silenciamento e o ostracismo de antagonistas. Moraes incomoda porque afronta o monopólio ultraconservador na tutela da circulação de valores e agendas.
Trata-se justamente de adequar a internet às doutrinas constitucionais que vigoram no espaço público analógico. Parece inviável? Então platitudes humanistas sobre direitos e tolerância não cabem nos “ritos” virtuais. E são desonestas em seu verniz democrático. (Do Blog Scalzilli)