Uma história escabrosa de como o lobby empresarial pode prejudicar a população brasileira usando a própria Justiça. Durante o governo Bolsonaro, empresários conseguiram forçar a venda de refinarias com o argumento absurdo de uma tacanha e generalista ‘teoria econômica’ de que os preços seriam reduzidos com a concorrência privada. Aconteceu o contrário, as refinarias privatizadas aumentaram a margem de lucro, e a população paga agora preços mais altos. Veja essa história contada por Vinicius Konchinski:

(foto agência petrobras – divulgação)

Do BdF – O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) decidiu “contra-atacar” empresas privadas do setor de combustíveis pedindo que elas sejam investigadas por conta do alto preço da gasolina, diesel e gás no Brasil. Em 2019, foi uma investigação realizada a pedido das empresas que acabou obrigando a Petrobras a privatizar parte dos seus ativos para produção e distribuição de combustíveis no Brasil.

Naquela época – já durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) – a estatal fez um acordo com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e pôs à venda parte do seu patrimônio para, em tese, aumentar a concorrência no mercado nacional de derivados do petróleo. A ideia da venda partiu das empresas concorrentes da Petrobras. Segundo elas, isso reduziria o preço da gasolina e outros produtos no Brasil.

Por conta desse acordo, três refinarias foram privatizadas: a Refinaria Landulpho Alves (Rlam), na Bahia; a Refinaria Isaac Sabbá (Reman), no Amazonas; e a SIX, no Paraná. Na esteira de um processo de desmonte da estatal, a Petrobras também se desfez de BR Distribuidora e Liquigás, distribuidoras de combustíveis e gás, respectivamente.

Cinco anos depois, o Ministério de Minas e Energia (MME) encaminhou ao próprio Cade e também à Agência Nacional do Petróleo (ANP) um estudo técnico que afirma que a maior participação do setor privado no mercado não trouxe benefícios à população.

No caso do setor de revenda e distribuição de combustíveis – no qual a Petrobras atuava por meio da BR e da Liquigás –, houve na verdade um aumento da margem de lucro das companhias sobre os preços dos produtos. No caso da gasolina, por exemplo, a margem da revenda cresceu 82% de maio de 2019 para maio de 2024, enquanto nenhum outro componente do preço final do combustível subiu mais que 42%.

No caso do gás de cozinha, a margem da revenda cresceu 90% em cinco anos. No mesmo período, o preço do gás que é envasado, o gás liquefeito de petróleo (GLP), subiu 25%.

“Observa-se que há uma tendência de aumento persistente no incremento de margens no setor de distribuição e de revenda desses combustíveis”, informa o ministro Alexandre Silveira (PSD), pedindo providências aos órgão de controle.

Refinarias

Silveira pede no mesmo ofício atenção aos preços dos combustíveis vendidos por refinarias que foram privatizadas pela Petrobras. “As refinarias privatizadas, em especial a Refinaria da Amazônia, têm praticado preços significativamente superiores não apenas dos demais fornecedores primários, como também do preço de paridade de importação [PPI].”

O PPI é o preço da gasolina e do diesel produzido fora do Brasil e vendido internamente. De acordo com o ministro, as refinarias privatizadas vendem no país a gasolina e o diesel que produzem aqui por um preço mais caro do que se os produtos tivessem sido importados.

Silveira destaca ainda que a Atem, que comprou a Refinaria da Amazônia, interrompeu sua produção de derivados. A partir deste ano, apesar da capacidade da fábrica, a empresa a utiliza só como um terminal para distribuição de combustíveis trazidos até lá por outras companhias.

“A única refinaria do Norte do país sequer está processando petróleo, o que faz com que a região ficar à mercê da importação”, acrescentou o economista do Instituto Brasileiro de Estudos Políticos e Sociais (Ibeps), Eric Gil Dantas, que há anos monitora o preço dos combustíveis no país e denuncia os malefícios das privatizações sobre eles.

Nova postura

Durante o governo Bolsonaro, as denúncias de Dantas e outras entidades, como a Federação Única dos Petroleiros (FUP), nunca levaram o Executivo a tomar qualquer atitude. Bolsonaro nunca se importou, disse Dantas.

Já sob gestão de Lula, o governo percebeu como a alta do preço dos combustíveis compromete o poder de compra da população. Percebeu também que, apesar das reduções de preços promovidas pela Petrobras, a queda não chegava ao valor cobrado do consumidor final já que distribuidores e revendedores aproveitam para aumentar seus ganhos.

“A margem de distribuição e revenda hoje do gás de cozinha passou de R$ 30 para R$ 50. Se essa tivesse sido corrigida pela inflação, ela seria R$ 40”, disse Dantas. “O gás poderia ser R$ 10 mais barato. Isso faz diferença.”

Após a MME pedir investigação sobre o preço dos combustíveis, a FUP reforçou que já identificou “aumentos abusivos” de derivados. “Há uma série de irregularidades flagrantes praticadas pelas refinarias privatizadas no governo passado”, disse o advogado Ángelo Remédio, que representa a FUP em vários processos na ANP, no Tribunal de Contas da União (TCU) e junto ao Ministério Público Federal (MPF).

A FUP defende a reestatização das refinarias privatizadas. A Petrobras negocia a recompra da Rlam, da Bahia. Não há prazo para uma decisão sobre o assunto.

Empresas respondem

A Associação Brasileira de Refino Privado (Refina Brasil) declarou que o pedido de investigação do governo “inverte a lógica” do problema do preço. Segundo as refinarias, a Petrobras não vende a elas petróleo a preços competitivos. Por isso, as empresas privadas não conseguem vender combustíveis a preços parecidos com os da Petrobras.

A Petrobras já rebateu as queixas da Refina Brasil. Disse que “o cenário de produção de petróleo no Brasil é bastante dinâmico, com a presença de mais de 60 produtores” e que, portanto, os “refinadores independentes podem suprir todo seu requerimento de petróleo sem dependência da produção da estatal”. (Por Vinicius Konchinski – Brasil de Fato)