Artigo do economista Carlos Vladimir, professor associado do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UERJ) tenta compreender o avanço do Yuan como moeda internacional. No texto, ele relata que o mundo ainda vive a dominância do Dólar, mas há ações que podem mudar essa situação nos próximos anos. Em apenas um ano, o Yuan saltou de 3% em 2022 para cerca de 6% em 2023 como moeda de financiamento do comércio internacional. Veja artigo:
A POLÍTICA CHINESA DE INTERNACIONALIZAÇÃO DO YUAN.
Por Carlos Vladimir
O momento que o mundo vive é muito propício tanto
para euforia, quanto para depressão. Impossível não
imaginar o que está ocorrendo em Gaza como um
recado claro do Norte Global a qualquer povo ou nação
que aspire o mínimo de independência. Recado
semelhante foi dado com a sedição ao vivo de Muamar Gadhafi,
para não citar outros casos semelhantes. Como disse um analista
bem-informado, “todos seremos palestinos um dia”. É um recado
depressivo, mas que não está distante da realidade da tendência à
violência para quem tem no velho testamento as bases de sua
política em relação ao resto do mundo.
A euforia vem na mesma proporção com a aceleração da
tendência de queda relativa do poder estadunidense, a emergência
de novos polos de poder, uma outra superpotência militar (Rússia),
outra superpotência econômica (China) e um bloco, um tanto
quanto anti-hegemônico, crescendo com muita rapidez. Referimo-nos ao BRICS+.
Nesta toada onde o dólar se transforou em uma
arma aberta usada para domesticar outros países e a possibilidade
de congelamento unilateral de ativos e reservas em dólar, a questão
da desdolarização ganha força, assim como ganha força uma
questão: existe uma estratégia chinesa para este processo? A China
já conta com um sistema alternativo ao Swift? Interessa aos
chineses uma mudança na ordem financeira e monetária
internacional? É de bom grado para os chineses a possível
transformação de sua moeda em referência para as trocas
internacionais? Vamos por partes, as questões são muitas.
Primeiro, a China não tem uma estratégia aberta de
desdolarização. O que pode ocorrer no longo prazo, a nosso ver, é o
surgimento de um sistema monetário paralelo e em
colaboração/cooperação com o sistema dólar. Daí a existência de
uma questão conceitual, e que pode parecer uma visão altamente
conservadora de nossa parte O segundo é o conceito, apresentado
em alguns lugares, de uma estratégia de “desdolarização”.
Infelizmente, essa desdolarização com a qual se sonha não ocorrerá
tão cedo, pois as desvantagens de romper com o sistema do dólar
para a maioria dos países são maiores do que as vantagens e,
portanto, a maioria dos países não romperá com o sistema do dólar.
A apresentação da “desdolarização” como uma estratégia geral, pelo
fato deste sistema ter se tornado disfuncional é um tanto quando
perigosa por motivos que o nosso espaço aqui não permite um maior
desenvolvimento.
Voltando à China. O que o país tem apoiado, desde 2008, é a
formação de um grande sistema local de pagamento na Ásia fora do
sistema dólar. Isso significa desdolarização? Não, pois
invariavelmente o dólar comparece como parte, mesmo que
pequena, da unidade de conta de qualquer sistema local de
pagamento. O mesmo movimento é o que ocorre, apesar de sua
grande historicidade, com os negócios em “petroyuan” entre a
China, a Arábia Saudita e demais países do Golfo Pérsico.
A China tem um sistema alternativo ao Swift? Sim, o CIPS
(Cross-Border Interbank Payment System). Foi lançado em outubro
de 2015 para fornecer um sistema independente internacional de
pagamento e compensação em yuan, conectando mercados de
compensação tanto onshore quanto offshore, além de bancos
participantes. O sistema foi criado para impulsionar o uso
internacional da moeda chinesa, uma missão iniciada em 2009 com
foco inicial na liquidação comercial. Tornou-se mais importante
após Pequim iniciar a ambiciosa Iniciativa Cinturão e Rota, que
envolve centenas de bilhões de yuans em investimentos chineses no
exterior.
O uso do yuan aumentou após sua inclusão na cesta de
Direitos de Saque Especiais do Fundo Monetário Internacional em 2015.
No entanto, sua participação não está em proporção com seu
status como a segunda maior economia mundial, representando 18
por cento do produto interno bruto global, mas sua utilização tem
aumentado sobremaneira nos últimos anos. A participação do yuan
no financiamento do comércio global subiu de 4,82% em agosto de
2023 para 5,8% em valor setembro do mesmo ano, enquanto a
participação do euro caiu de 6,43% para 5,43%, Bom lembrar que
os dados da SWIFT sobre o valor do yuan usado no financiamento
do comércio global datam de junho de 2017, quando sua
participação era de 1,88% e a do euro era de 7,97%. A participação
do yuan no financiamento do comércio global tem apresentado uma
tendência de aumento desde meados de 2022, quando a moeda
chinesa representava apenas cerca de 3%.
Apesar de não existir uma estratégia clara e deliberada de
desdolarização, é inegável que a moeda chinesa tem ganho
capilaridade regional, notadamente em seu entorno. O caso da
Rússia é paradoxal, pois – no nível das relações monetárias –
percebe-se um espelho do que acontece em nível de processo de
unificação do território econômico dos dois países: em dezembro de
2023, cerca de um terço do comércio exterior da Rússia era
regularmente liquidado em yuan. Havia US$ 68,7 bilhões em yuans
nos bancos russos em 2023 (superando os US$ 64,7 bilhões em
dólares americanos). O comércio bilateral da China com a Rússia
em 2023 atingiu um recorde de US$ 240 bilhões, um aumento de
26,3% em relação ao ano anterior. O detalhe: tendo o yuan como
moeda de referência de todas as transações envolvendo os dois
países.
Por fim, podemos dizer que apesar de não existir uma tal
estratégia de desdolarização, os chineses buscam (sem abrir sua
conta de capitais!) uma estratégia de maior utilização de sua moeda
em transações comerciais com parceiros que provê ao país ativos
estratégicos em matéria de energia e alimentos. Ao lado disso, além
do grande sistema de pagamento local na Ásia, a estrada chinesa
para a internacionalização do uso de sua moeda não está
relacionada ao comércio. (Do Observatório Internacional do Século XXI)