(foto adriana villar)

Por José Olímpio Ferreira Neto e Giovanni Amaral Cosenza*

No dia 28 de junho comemora-se o Dia Internacional do Orgulho LGBT+, em alusão à Revolta de Stonewall, nos Estados Unidos, considerada um marco para a comunidade LGBTQIAPN+ em todo o mundo. As Paradas do Orgulho consistem na manifestação da liberdade de expressão. É um momento simbólico contra-hegemônico, que evoca a luta por direitos; entre eles, os culturais. Na busca por igualdade civil, combate à discriminação, reconhecimento da identidade de gênero e a orientação sexual, a comunidade contribui para a emancipação e a construção de um futuro mais promissor para todas as pessoas, em contraposição ao modelo patriarcal.

A despeito da sociedade patriarcal estar em crise, segue buscando oxigênio, na moral judaico–cristã hegemônica, para os últimos suspiros. O seu fôlego reside entre o discurso do ódio, que criminaliza e censura as expressões culturais divergentes, até as práticas genocidas que violentam as pessoas de diversas formas. Sua base está na defesa do casamento heterossexual monogâmico, na família tradicional, na cisgeneridade, na branquitude e na riqueza.

A origem da monogamia não está no amor sexual/afetivo individual, mas no triunfo da propriedade privada sobre a comum primitiva, ou seja, suas bases são as condições econômicas. A monogamia, para Engels, baseia-se na predominância do homem, que tem a finalidade de procriar filhos cuja paternidade seja indiscutível, pois serão os herdeiros. A opressão das mulheres pelos homens é marcante na história ocidental, pois garantiu o acúmulo de bens. O patriarcado fundamenta, na época atual, propostas que afanam direitos como o casamento homotransafetivos e que criminalizam mulheres vítimas de estupro. Os discursos delirantes e criminosos de alguns líderes políticos e/ou religiosos insistem que a liberdade de expressão pode desrespeitar a dignidade humana, de forma desinibida, violenta e sem pudor.

Por seu turno, a família idealizada por Rousseau traz a aliança entre sexo e amor, na tentativa de amenizar o caráter econômico da relação. Não obstante, a monogamia continuou sendo o modelo de relação no casamento. A monogamia, ainda hoje, é o modelo de relação afetiva/sexual adotado pelas sociedades da maioria dos povos ocidentais, também adotado pelo ordenamento jurídico brasileiro. Esse modelo garante os interesses do homem cisheteronormativo, rejeitando outras formas de relação e a constituição de outros sujeitos que apresentem outros gêneros, sexualidades e modelos de união.

Em sociedade e períodos distintos, as sexualidades e gêneros divergentes foram perseguidas e criminalizadas. Hodiernamente, ainda há muitos países que criminalizam a diversidade sexual e de gênero, chegando desde a patologização até pena de morte. No entanto, como afirma o filósofo Marcuse: “Ser é, essencialmente, lutar pelo prazer”. O prazer sexual é uma das dimensões do ser, que busca constantemente por sua satisfação. Há diversas formas de se relacionar sexualmente no mundo. Nesse contexto, as expressões culturais advindas da comunidade LGBTQIAPN+, com seus jargões, valores e demandas, são modelos contra-hegemônicos que desafiam as estruturas sociais conservadoras e fundamentalistas.

A democracia pertence à sociedade presente e futura, é parte de toda a vida social. Manifesta-se como ideal de emancipação humana que deve permear as relações sociais, sendo fundamental para a convivência pacífica. Mesmo no Brasil, com inúmeros avanços, tais como casamentos homotransafetivos, nome social, criminalização da LGBTfobia, o país ainda tem índices elevados de condutas delitivas contra a comunidade, são violências simbólica ou real, velada ou descarada.

Segundo Gramsci, “A crise consiste precisamente no fato de que o velho está morrendo e o novo não pode nascer”. Nesse ínterim, no qual o modelo patriarcal perde sua hegemonia, é preciso ir além do estabelecimento de estruturas normativas, para assegurar os direitos de existência. É preciso formação. O jurista Beccaria afirmou que a educação seria uma estratégia para prevenção dos delitos. É preciso uma política formativa para agentes do Estado, como professores, policiais e médicos.

A participação popular é o princípio que estabelece estratégias para a manifestação do poder político da comunidade frente às estruturas do Estado, permitindo um diálogo em busca de soluções consensuais. O compromisso com a democracia exige o engajamento constante de todos os cidadãos na construção de uma sociedade mais justa e inclusiva para populações, povos e comunidades, entre elas, a LGBTQIAPN+. Nessa conjuntura, a Parada do Orgulho é uma forma de expressão cultural contra-hegemônica, que reúne pessoas de diversas sexualidades, gêneros, etnias, idades e classes sociais. Dessarte, não basta não praticar a homotransfobia, é preciso ser contra a homotransfobia, ser contra qualquer comportamento criminoso que ameace a paz, a dignidade e o desenvolvimento das pessoas. É preciso cuíerlombar (queerlombar) !

José Olímpio Ferreira Neto, Capoeirista. Advogado. Professor. Mestre em Ensino e Formação Docente. Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em Direitos Culturais da Universidade de Fortaleza (GEPDC/UNIFOR). Diretor Administrativo do Instituto Brasileiro de Direitos Culturais (IBDCult). Vice-presidente da Comissão de Direitos Culturais da OAB-CE. Membro da Comissão da Diversidade Sexual e de Gênero da OAB-CE. E-mail: [email protected]

*Artevista. Produtor Cultural. Bacharel em Direito. Mestrando em Direito pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Membro do Grupo de Pesquisa Meio Ambiente: Sociedades Tradicionais e Sociedade Hegemônica (PUC/PR). Coordenador Cultural do Grupo Dignidade. Coordenador Cultural da Aliança Nacional LGBTI+. E-mail: [email protected]

Bibliografia consultada:

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