As ruas perderam a esquerda?
.Por Guilherme Scalzilli.
Depois de alguma polêmica, a esquerda abandonou a ideia de realizar manifestações exigindo a prisão de Jair Bolsonaro. Os motivos apontados foram a natureza jurídica da pauta, o risco de violência e a suposta inevitabilidade da condenação.
Só que esses raciocínios jamais impediram qualquer ato público, tampouco o seu êxito. Na verdade, as críticas vinham da correta impressão de que os eventos fracassariam (no jargão digital, “flopariam”), agravando os paralelos inevitáveis com o ato bolsonarista.
A abertura de escopo temático e a descentralização atenuaram o embaraço comparativo, mas não o problema original que o anunciava: a pequena quantidade de participantes. Nenhuma das iniciativas atingiu volume digno do teor das pautas abordadas.
Há algo errado nessa fatura. O número de pessoas que apoiam bandeiras progressistas (inclusive a prisão de Bolsonaro) é suficiente para encher, ao mesmo tempo, avenidas e praças em todos os grandes centros urbanos. Basta calcular pelas pesquisas.
Desse contingente, a fração que comparece a atos públicos é irrisória. E não menos absurda que a inexistência de passeatas contra os ataques golpistas do ano passado. Em que país de tradição participativa o “8 de janeiro” ficaria sem protestos à altura?
Não acho que a esquerda “perdeu as ruas”. O respaldo popular a seu programa é sólido e extenso, até majoritário em alguns tópicos, ainda que partidariamente inconvicto. Só que a adesão às propostas não se materializa no impulso de reivindicá-las.
As explicações costumeiras (julho de 2013, alienação, crise de representatividade) são mais fatalistas do que produtivas. E não é verdade que apenas a direita possui recursos para divulgação, transporte e logística, supondo que façam tanta diferença no caso.
Essas desculpas acomodam partidos e movimentos na fórmula das convocações afoitas, da publicidade restrita, do zelo para apenas marcar posição, respeitando os pruridos de Lula. Como se realmente não pudessem utilizar estratégias mais eficazes.
Ao mesmo tempo, vastas parcelas da população deixam de cultivar o espírito gregário e combativo que ajudaria os democratas a barrar o avanço do obscurantismo. A apatia das ruas exibe o desperdício de um potencial mobilizador imprescindível na atualidade. (Do Guilherme Scalzilli)