Virginie Efira é uma das mais belas atrizes do cinema europeu, de uma beleza arrebatadora que nesta quadrilogia abaixo incorpora personagens imperfeitos, em que o desejo, o afeto e a ética percorrem limites tênues próprios da inacabada natureza humana. Virginie Efira veste-se nessa quadrilogia de personagens que transbordam, vivem certo sofrimento psíquico, mas também e, por isso, são intensos, vívidos e instáveis.
O primeiro dessa quadrilogia é Les Enfants des autres (O filho dos outros), filme de 2022 dirigido por Rebecca Zlotowski. Nele, a personagem é uma professora de meia-idade que inicia um novo relacionamento e cria um vínculo estreito com a filha pequena de seu parceiro. O filme traz inúmeras intersecções de sentimentos relacionados à maternidade e à ausência de maternidade. Tem um roteiro bem arredondado, uma história tranquila de acompanhar, mas que mostra uma personagem em seus limites afetivos expostos pelas decisões de nossas próprias vidas. A força do filme parece se expressar na delicadeza de cenas que exprimem sentimentos dolorosos. Ao final, a diretora brinda o público com ‘Águas de Março’ em francês, dando um toque final impecável ao filme.
Em seguida é possível se envolver em dois filmes da diretora Justine Triet, Victoria e Sybil, que têm um tempero surrealista nas narrativas. Nesses dois, a beleza perturbadora e estonteante de Virginie Efira transforma essas personagens em figuras marcantes. O longa Victoria, que teve a infeliz tradução no Brasil como ‘Na cama com Victoria’, traz uma advogada à beira do colapso nervoso, ou melhor, em pleno colapso nervoso. A tradução brasileira do filme ‘Na Cama com Victoria’ é tão sem noção que tem o potencial de afastar pessoas que possam gostar do filme e atrair pessoas que não vão gostar, simplesmente porque não tem nada a ver com algo erótico ou sexual no sentido apelativo do título, a não ser talvez na sua possível origem neurótica dos conflitos afetivos.
Na mesma linha narrativa de Victoria, Sybil traz Virginie Efira como uma psicoterapeuta profundamente insatisfeita e que decide parar de clinicar para escrever um livro. Mas é nesse momento que ela é exigida por uma nova paciente. Nos personagens que tangenciam e ultrapassam a ética, a terapeuta envolve sua paciente em sua história e na sua própria vida, assim como a paciente a arrasta para a ilha de Stronboli. Um jogo de sentimentos e desejos que arrastam os personagens como que puxados por uma onda marítima.
Para finalizar essa quadrilogia, que tem a garantia de um cinema não banalizado pela indústria comercial cinematográfica, mas nem por isso um cinema impenetrável, é preciso ver o fantástico Madeleine Collins (Traduzido como O Segredo de Madeleine Collins), dirigido por Antoine Barraud. Não leia nada sobre o filme Madeleine Collins, apenas assista, visto que tem um roteiro surpreendente e que vale a pena ser surpreendido. Tão surpreendente que faz nossa personagem principal extrapolar todos os limites da legalidade, da ética e da racionalidade. E isso Efira o faz de forma magistral. O filme tem logo no início uma cena incrível em que o transbordamento psíquico se dá diante da ária Ave Maria, de Vladimir Fyodorovich Vavilov, na interpretação da soprano coreana Sami Jo. De uma beleza insuportável.
Todos esses 4 filmes fazem parte de uma cinematografia que te exige, mas que também te entrega algo belíssimo e completo sobre como contar uma boa e intensa história. E Virginie Efira parece encarnar esses personagens complexos, intensos, imperfeitos e incompletos com sua beleza estonteante, o que deixa a arte cinematográfica mais enigmática e arrebatadora.