.Por Paulo Bufalo.
Os fatos que aconteceram durante e após o processo eleitoral, bem como os primeiros dados do governo Bolsonaro levantados pela equipe de transição só confirmam a afirmação do título deste artigo: em 30 de outubro o povo brasileiro protagonizou uma vitória para si e para a humanidade.
Lula foi eleito presidente do Brasil pela terceira vez, com 50,9% dos votos válidos. A diferença de pouco mais de dois milhões de votos pode ter parecido apertada, mas diante do uso sem precedentes da máquina estatal por parte da campanha Bolsonaro, foi uma vitória épica.
Uma das inescrupulosas utilizações do dinheiro público em prol da reeleição foi o chamado “orçamento secreto”, um acordo feito para comprar o apoio do Centrão. Milhões de reais foram desviados através de emendas parlamentares sem qualquer critério de transparência e fiscalização. Com isso houve relatos de episódios esdrúxulos de desvios, como no caso da cidade de Pedreiras, com população de 39 mil habitantes, que em 2021, declarou ter realizado 540,6 mil extrações de dentes e outras 220,4 mil só nos quatro primeiros meses de 2022, para tungar recursos do SUS.
A compra de apoio também blindou o governo de ser investigado em esquemas de corrupção com fartas evidências como na compra de vacinas durante os momentos mais dramáticos da pandemia ou no tráfico de influência de pastores amigos de Bolsonaro no Ministério da Educação em troca de barras de ouro e compra de lotes de Bíblias.
Prefeituras administradas por aliados de Bolsonaro também tentaram “comprar votos” e pressionar eleitores com ameaças de corte de programas sociais e do auxílio emergencial caso Lula fosse eleito. Um desses casos foi flagrado pelo repórter Caco Barcelos e veiculado no programa Profissão Repórter da TV Globo na semana posterior ao segundo turno da eleição.
Para reverter sua impopularidade, Bolsonaro também tentou hipocritamente fazer gestos com programas sociais. Depois de desmontar o Bolsa Família retomou a política de auxílio emergencial às vésperas do processo eleitoral, vendendo a ideia de que os R$ 600,00 eram proposta do governo, quando na verdade ele havia proposto R$ 200,00 durante a pandemia. O aumento foi proposto pela oposição.
Esse assalto aos cofres públicos deixou um rombo no Orçamento da União para o próximo ano de R$ 400 bilhões, o que compromete o pagamento de despesas essenciais, como de políticas de combate à fome, garantia de renda e a merenda escolar. Bolsonaro quebrou o Brasil para comprar sua reeleição, mas não levou. No entanto, deixou grandes dificuldades para o próximo governo.
A máquina eleitoral de Bolsonaro não contou só com os gastos públicos. O assédio, a violência, as fake news foram ingredientes que completaram uma grande rede da campanha fascista. Trabalhadores de diversas categorias foram constrangidos por seus patrões para votar em Bolsonaro, seja com compra de votos ou ameaças de demissão. Houve inclusive quem tenha obrigado trabalhadores a filmarem a votação, o que é uma prática proibida pela lei eleitoral.
Outra prática muito utilizada foi a exploração da fé e a conversão da política em religião pelos fundamentalistas religiosos, com a propagação de mentiras e disseminação do terror. E, na linha de blindar seus malfeitos, de sua família e aliados, Bolsonaro decretou sigilo de 100 anos de informações e documentos que deveriam ser públicos.
O estímulo à violência sempre foi uma marca deste governo, sobretudo contra minorias e opositores políticos, em especial a esquerda. Se em 2018, sua ascensão deixou vítimas como Marielle Franco, executada por pessoas próximas e vizinhos da família Bolsonaro, e Mestre Moa do Katendê, essa escalada de violência se intensificou em 2022 de forma naturalizada.
Já em junho deste ano, o guarda municipal de Maringá, Marcelo Arruda, foi assassinado diante da família e de amigos quando comemorava seu aniversário de 50 anos, também por um militante bolsonarista.
Nos dias que antecederam o segundo turno das eleições, três casos chamaram a atenção pela gravidade dos atos e pelas contradições envolvendo as instituições do Estado brasileiro. O primeiro deles envolveu o ex-deputado Roberto Jefferson, apoiador de primeira hora de Bolsonaro, que resistiu a um mandado de prisão atirando em policiais federais com armas de grosso calibre e granadas.
Dias depois, um suposto tiroteio acabou no assassinato de um jovem em Paraisópolis, em São Paulo, durante atividade do então candidato ao governo de São Paulo Tarcísio de Freitas. O governador eleito e aliado de Bolsonaro tentou utilizar e episódio para se colocar como vítima da violência e criminalizar os moradores da favela. Entretanto, a própria Polícia Civil de São Paulo descartou o atentado ou presença de arma de fogo em poder da vítima. Para agravar a situação, integrantes da campanha de Tarcísio pressionaram um profissional da imprensa a apagar as imagens registradas que poderiam servir de provas, uma evidente interferência nas investigações.
Na véspera da eleição houve outra cena chocante protagonizada pelo alto escalão bolsonarista. A deputada federal Carla Zambelli e seus seguranças correram por ruas e locais públicos da região central de São Paulo, com armas em punho, perseguindo um homem negro desarmado e ameaçando sua vida.
Finalmente no dia da eleição, ocorreu outro fato extremamente grave. Após o STF autorizar prefeituras e governos estaduais a fornecerem transporte gratuito para incentivar e garantir o direito ao voto, a Polícia Rodoviária Federal, cujo diretor foi indicado pelo Senador Flávio Bolsonaro e manifestou apoio ao atual presidente nas redes, foi acionada para realizar blitzes nas estradas, mesmo sendo proibida pelo presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Alexandre de Moraes. As operações foram realizadas majoritariamente no Nordeste, onde Lula contava com maioria de eleitores.