.Por Bruno Beaklini (@blimarocha@).
Escrevo este artigo faltando menos de quatro dias para o segundo turno das eleições presidenciais no Brasil. Logo, todo o factual ficaria “velho” antes de uma semana, o que implicaria em contrassenso jornalístico. Assim, aproveitamos a oportunidade para contribuir de forma conceitual, localizando o pleito brasileiro dentro do contexto complexo da política nacional, latino-americana e a relação com o Oriente Médio.
Começamos pelo embate rumo do Planalto. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva poderia ser posicionado politicamente na centro-esquerda. No léxico político europeu, um social-democrata de centro, que apoia um pacto social. Seu arco de alianças seria de centro, indo da direita neoliberal, com um viés liberal-democrata, até a esquerda reformista. A propensão a aceitar as regras do jogo eleitoral e os poderes complementares da República é total.
O atual presidente, Jair Bolsonaro, está posicionado na extrema direita desde sempre, porém, no convívio entre partidos oligárquicos. Nos clássicos da ciência política, a denominação de “baixo clero” é onde temos práticas paroquiais, localistas, da cultura prebendária do tipo “toma lá, dá cá”. Quase sempre estas legendas são controladas por dirigentes políticos à frente de executivas estaduais e nacionais, com o controle de robustos orçamentos, tanto do fundo partidário como do fundo eleitoral. Para superar as lideranças de oligarcas e das bancadas temáticas da bíblia, do boi, da bala e de setores transversais, na defesa da educação privada à frente da pública, dos planos de saúde à frente do SUS e da ampliação de espaços de mercado, com o objetivo de privatizar o serviço público.
Bolsonaro, no “baixíssimo clero”, liderou um estilo de trabalho político em que a bizarrice e a construção de um personagem de tipo “freak show” garantiu uma plateia nacionalizada, girando em torno de temas polêmicos e preconceituosos. Uma vez na ascensão concomitante à crise política de 2015, o ex-militar profissional (que quase foi expulso do exército brasileiro) adequou seu posicionamento aos tempos que viriam. O alinhamento das agendas com a nova extrema direita estadunidense marcou o discurso e a aglutinação de forças reacionárias carentes de liderança, sem travas, freios, e ainda disposto a propor uma ruptura à direita.
A literatura de política e história dos anos 1920 e 1930 nos países ocidentalizados nos trazem elementos de identificação do fascismo e do nazismo. Logo, temos um modelo histórico do que seria um “partido fascista”. As formas contemporâneas, com semelhanças e diferenças, podem ser denominadas de “protofascismo”, ao menos na ausência de melhor definição. Assim, os protofascistas pertencem a um sentido de coletividade através de distintas clivagens: fundamentalismo neopentecostal; apoio incondicional ao sionismo; elogio do papel moderador ou interventor das forças armadas; defesa do excludente de ilicitude na defesa patrimonial; conservadorismo nas agendas de costumes; desconfiança permanente aos poderes constituídos republicanos; e uma adesão às teses mais obscuras, beirando a esquizofrenia anticientífica.
Os efeitos são conhecidos, a exemplo do levante conservador do Capitólio, nos EUA, no fatídico 6 de janeiro de 2021. Tal como nos anos ’20 e ’30 do século passado, existe um alinhamento – com as devidas singularidades – entre as forças que aglutinam o modelo de acumulação dos especuladores, da super exploração do trabalho precário, do fim dos serviços e políticas públicas, e do aumento da penetração social da Teologia da Prosperidade, com aval (tácito ou explícito) para o avanço da economia política do crime ambiental.
O pano de fundo mundial é a neurastênica “agenda globalista”, em que os direitos sociais, individuais, coletivos e difusos, como o direito ao reconhecimento, são vistos como uma interferência dos usos e costumes condolidados pelo status quo ocidental. Cria-se, portanto, uma cultura política proporcionada por uma leitura da “tradição” que, como toda tradição, é simplesmente inventada.
Nada disso seria possível sem a presença de empresas transnacionais – a maioria de matriz estadunidense, mas não exclusiva – operando no capitalismo de plataforma, difundindo mensagens sem fim e quebrando o consenso forjado ou o consentimento forçoso, antes proporcionado pelos meios de comunicação hegemônicos. Assim como o fascismo fez, o conflito distributivo pelo controle de recursos e riquezas (a luta de classes) é absorvido por uma luta em escala societária. Não nos iludamos. O fascismo – tanto o histórico como o atual – está baseado em mentiras sistemáticas emitidas em linguagem noticiosa (fake news), que quebra a possibilidade de uma agenda liberal democrática, em que o debate público se impõe sobre o interesse do público.
A política internacional no século XXI
Ao contrário do período entre guerras do século XX, a maior parte dos territórios do mundo está sob alguma forma de reconhecimento total ou parcial da Organização das Nações Unidas (ONU). Cem anos atrás, embora o emprego regular e o trabalho industrial fossem preponderantes no ocidente, estes mesmos países eram sedes de impérios coloniais, fazendo com que a luta de classes no centro do capitalismo fosse compartilhada com a de libertação nacional e anticolonial, na periferia do Sistema Internacional.
Após a Segunda Guerra e a Bipolaridade, com o fim da antiga União Soviética, o mundo hoje tem pautas e agendas sobrepostas, não sendo a contraposição de uma luta legítima contra outra. Me explico. Ouso classificar como válidas ao menos três linhas gerais de defesa coletiva. Uma, a da autodeterminação dos povos, que implica necessariamente na soberania popular e na capacidade mínima de uma economia nacional garantidora dos desígnios do país. Ou seja: cada país, por mais que participe do sistema de trocas, só será independente caso garanta condições mínimas de infraestrutura e de economia industrial. É isso ou quase nada, ficando refém das chantagens dos mercados de capitais, do imperialismo e dos interesses mesquinhos das classes dominantes locais.
Outra agenda importante e a mais percebida pela população de um território, são os direitos econômicos e sociais. A humanidade tem experiências de sociedades autoritárias, sem direitos políticos e civis, mas com excelente distribuição de ingresso e renda. No caso, os manuais da ciência política indicam que enquanto as condições de vida forem razoáveis, as maiorias destas sociedades vão aderir ao regime e às suas instituições. No limite do modelo, países como a antiga Alemanha Oriental exemplificam o conceito.
A terceira bandeira, não menos importante, é a defesa dos direitos políticos, civis, de reconhecimento e da diversidade. Quase sempre, a democracia é apontada como um receituário institucional, uma “venda casada” para a adesão à globalização ocidental comandada por Washington e Nova York, na década de 1990 do século XX. Evidente que a democracia pode e deve ser radicalizada, ampliando os direitos através da participação direta e em busca de uma nova institucionalidade baseada na sociedade organizada, para a melhor distribuição de renda e poder.
No plano da política internacional, muitas vezes um capitalismo controlado pelo Poder Executivo que garanta a soberania nacional e econômica, é mais eficaz para assegurar uma postura altiva e mínimas condições materiais de sobrevivência. Não raras vezes, estes mesmos governos podem ser mais autoritários e repressores, ampliando a tensão pelas ameaças reais de violação de soberania e agressão imperialista. Quando estes acontecimentos são transmitidos ou manipulados para a política doméstica brasileira, o nível de desinformação vai ao encontro das bandeiras nefastas do Ministério de Assuntos Estratégicos e Diplomacia Pública da entidade sionista europeia que ocupa a Palestina.
O melhor dos mundos é a junção de autodeterminação com soberania popular, economia pujante com distribuição de renda e a democracia como valor inalienável, garantindo a participação e o debate com liberdades civis, individuais e coletivas. No limite do modelo, territórios livres sem ameaças imperialistas ou violações de soberania vindas de potências.
Se no parágrafo acima definimos o “melhor dos mundos”, Bolsonaro, seus aliados, asseclas e seguidores, incluindo o apoio incondicional do sionismo, junta o pior dos mundos. Não é fácil superar esse tipo de dano profundo a uma sociedade concreta como a brasileira. E, definitivamente, a derrota do protofascismo vai muito além das urnas.