.Por Rogério Bezerra da Silva.
Não tenho dados para sustentar a afirmação que vou fazer, então farei por puro achismo meu mesmo: a palavra “vegano”, que uso no título deste texto, tem sido cada vez mais frequente nas falas e escritos das pessoas de modo geral, ao passo que a palavra “revolucionário”, também presente no título, tem sumido do vocabulário dos brasileiros e brasileiras.
Não é por menos meu achismo, pois, de acordo com o site svb.org.br, “no Brasil, 14% da população se declara vegetariana, segundo pesquisa do IBOPE Inteligência conduzida em abril de 2018. Nas regiões metropolitanas de São Paulo, Curitiba, Recife e Rio de Janeiro este percentual sobe para 16%. A estatística representa um crescimento de 75% em relação a 2012, quando a mesma pesquisa indicou que a proporção da população brasileira nas regiões metropolitanas que se declarava vegetariana era de 8%. Em 2018, isto representava quase 30 milhões de brasileiros que se declaravam adeptos a esta opção alimentar”.
Diante da frequência com que a palavra “vegano” tem sido utilizada, cabe aqui a pergunta: o que significa vegano? Pois bem, numa consulta ao site veganismo.org.br obtemos a seguinte resposta: “é uma filosofia e estilo de vida que busca excluir, na medida do possível e praticável, todas as formas de exploração e crueldade contra animais na alimentação, vestuário e qualquer outra finalidade e, por extensão, que promova o desenvolvimento e uso de alternativas livres de origem animal para benefício de humanos, animais e meio ambiente”.
Se vegano, além de uma filosofia, também é um estilo de vida, como é o dia-a-dia de quem o pratica? “Ser vegano nada mais é do que se opor à crueldade contra animais e ter uma postura prática com isso, o que significa não se alimentar e não utilizar nada de origem animal. Também é não frequentar lugares que exploram animais como entretenimento (como rodeios, vaquejadas, touradas, corrida de galgos, corrida de cavalo etc.). Na alimentação, que a gente fala muito, não consumimos nada de origem animal (nem leite, nem ovos, nem mel, nem carnes etc.). Então, ser vegano, é ter uma posição política em relação à exploração animal e se opor à exploração de animais”. Quem me deu essa resposta foi Leonardo dos Santos, um jovem vegano.
E quem é o Leonardo, que fala com tanta clareza e apropriação sobre ser vegano? Ele mesmo vai se apresentar a você, leitor e leitora: “eu sou um estudante de Geografia, nascido e criado na periferia da cidade de Campinas (SP). E me considero um ativista da causa animal, ambiental e social, porque acredito que tudo faz parte de um mesmo sistema. Então eu me considero um ativista. E venho fazendo isso de uma forma muito genuína no meu trabalho, no ‘vegano periférico’, no Instagram”.
Chamaram minha atenção na descrição do Leonardo acerca de seu cotidiano e em sua apresentação, ele referenciar o “ser vegano” como “ter uma posição política” e se autorreferenciar como “vagano periférico”, isso porquê, na definição de vegano apresentada no início deste texto, não há referência à questão política e, muito menos, a diferenças do cotidiano de seus praticantes de acordo com suas classes sociais. Sim, pois residir na periferia de uma grande cidade é, quase certo, ser proletariado.
Sobre posicionamento político em relação ao veganismo, o Leonardo é bem contundente ao dizer que “são 33 milhões de pessoas em situação de fome no Brasil. Diante dessa grave crise social brasileira, eu me oponho ferozmente aos que ficam felizes quando o preço da carne aumenta e as pessoas deixam de consumir. Por que as pessoas, pobres, estão deixando de consumir? Elas estão sendo praticamente obrigadas a deixar de consumir determinados produtos porque a renda delas não dá. Então, as pessoas estão passando fome”.
De acordo com matéria publicada pelo portal G1 (em 1 de agosto de 2022), o “consumo de carne bovina deve cair ao menor nível em 26 anos no Brasil, estima Conab. Taxa anual deve chegar a 24,8 kg por pessoa em 2022. Proporção já chegou a 38,3 kg em 2013”.
Como Leonardo nos ensina, ser vegano, desde uma perspectiva do posicionamento político, é considerar a formação socioespacial brasileira, especialmente no que concerne à concentração de renda e riqueza que, objetivamente, resulta em pobreza, aqui compreendida como a falta de liberdade para as pessoas levarem a vida que julgam ser a melhor.
Essa posição política do Leonardo é de quem não apenas vive na periferia como, sobretudo, de quem vive a periferia de uma grande cidade. Isso porque, como dito por ele, “ser vegano na periferia é interessante, porque aquelas coisas que as classes média e alta têm acesso (como produtos industrializados veganos), a gente não têm aqui na periferia. E mesmo que tivesse acesso, a gente não teria condições de comprar, porque é tudo muito caro. Então, na periferia, você precisa buscar alternativas mais acessíveis e que sejam mais baratos”.
De acordo com matéria da CNN Brasil (de 31 de maio de 2022), “estudo da Allied Market Research mostrou que o mercado vegano foi avaliado em USD$ 19,7 bilhões em 2020 e a expectativa é que cresça para mais de USD$ 36,3 bilhões até 2030. Segundo dados do Ministério da Economia levantados a pedido da CNN Brasil, em 10 anos o número de empresas abertas com o termo ‘vegano’ no nome cresceu mais de 500%”.
É por isso que o Leonardo prefere falar em “veganismo popular”, que é com o que ele se identifica. Como definido por ele, o “’veganismo popular’ traz uma visão de que, para a gente falar sobre qualquer assunto, é preciso que se considere a realidade social de cada pessoa. Vai falar de periferia? A gente precisa conhecer a periferia. A gente precisa entender como funciona a cultura. Não é só chegar e falar ‘muda isso; muda aquilo’. Cada lugar tem uma particularidade. Cada lugar tem a sua forma de comunicação, sua cultura, os seus hábitos”.
Neste sentido, o Leonardo nos apresenta o “veganismo popular” como tendo um viés de revolução social. Sim, é por isso que a palavra “revolucionário”, que vem desaparecendo do vocabulário dos brasileiros e brasileiras, foi usada no título deste texto. E o “veganismo popular” é revolucionário porquê, tal como dito pelo Leonardo, “é importante a gente superar essa necessidade de consumir industrializados. De querer substituir, o tempo todo, alimentos de origem animal por industrializados. O importante é a gente olhar para a alimentação de uma forma mais política. Entender que alimentação de verdade é a que vem da terra. É o alimento plantado pela agricultura familiar. Isso é realmente importante. Uma reflexão, para além de se opor à questão da exploração animal, é buscar alternativas sustentáveis de viver”.
Uma das formas com que Leonardo coloca em prática seu posicionamento político é, como dito por ele, “adquirindo os produtos de uma horta comunitária que a gente tem aqui, no Itajaí”, que é um bairro da periferia de Campinas, onde ele vive com a família. A Horta do Itajaí, como é conhecida, tem sua produção orientada pela Agroecologia. Ao todo, são 12 famílias assentadas no terreno da horta, mas o plantio, comercialização e doação de alimentos é feito por 25 famílias que participam direta e indiretamente (Brasil de Fato, 8 de outubro de 2020).
Por fim, vou aqui destacar, leitor e leitora, uma menção contida na apresentação do Leonardo: a de que ele é estudante de Geografia. Quando o questionei sobre a importância da Geografia para seu posicionamento político, essa foi sua resposta: “o veganismo, popular, em relação à Geografia é muito importante. Por quê? Eu, quando me tornei vegano, foi pela questão animal. Porém, quando eu fui estudando mais profundamente, fui percebendo que existe muita coisa relacionada com alimentação e com a exploração animal. A pecuária, por exemplo, é a principal responsável pelo desmatamento e 79% da soja plantada no mundo é destinada para ração animal. E a monocultura de soja desmata absurdamente. A Geografia vem me ensinando que a questão da pecuária é a raiz do problema. A Geografia traz esse olhar de totalidade, de que está tudo conectado, de que as ações moldam o espaço e o espaço molda as ações”.
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Rogério Bezerra da Silva, Presidente da AGB Seção Campinas