.Por Rafael Martarello.
“Aí promotor, o pesadelo voltou, censurou o clip mas a guerra não acabou”. Por meio dessas palavras o Facção Central inicia a música “A Guerra Não Vai Acabar” lançada como resposta à proibição da veiculação do clip “Isso aqui é uma Guerra” e à tentativa de prisão dos responsáveis pela produção audiovisual por incitação ao crime e racismo (-_Q). Em resposta, a música é categórica: não é o rap o responsável pelos altos índices de desigualdade social e violência, mas sim a elite do sistema econômico.
MV Bill também já passou pela acusação de apologia ao crime em decorrência do clip da música Soldado do Morro. O clip semiautobiográfico se resume em mostrar, em forma reflexão individual, a verdade nas comunidades cariocas. A resposta desse episódio foi a seguinte: MV foi ganhou o Prêmio Hutus de melhor música.
Particularmente, o rap sempre foi acusado pela ideologia burguesa de fazer “apologia ao crime” ou ser “muito violento” ao denunciar de forma mais o menos nua e crua a dura realidade brasileira. Também, a ideia do rap ser “música de bandido” é proveniente da concepção de mundo da elite branca: se periférico e/ou se negro, logo bandido.
Haveria aqui, nos termos do Emicida, uma cabulosa inversão: criminosa e violenta seria a música e não o racismo institucionalizado, a privação de direitos básicos, o holocausto periférico, a miséria, o déficit habitacional, o encarceramento em massa, o abandonado de incapaz, o machismo, a LGBTQIAPNfobia, a privatização corrupta dos bens públicos e etc.
O contrário da censura, a liberdade de manifestação do pensamento é um direito fundamental para uma sociedade que se quer democrática. Setores artísticos, de imprensa e de esquerda sabem os efeitos nocivos das diferentes formas de cale-se. Grandes revolucionários, como Marx, Lênin e Rosa Luxemburgo, foram defensores da mais irrestrita liberdade de imprensa, de consciência e de expressão.
De outro lado, parte do pensamento progressista tem se tornado a favor de medidas autoritárias de fortalecimento da dominação do Estado Burguês e de preparação de um regime fascista.
Diferentemente da classe média alta, a periferia conhece no lombo a lei histórica desconsiderada por estes setores intelectualizados, as medidas autoritárias recaem sempre sobre a esquerda e particularmente sob os setores sociais mais oprimidos. Sabem que as garantias fundamentais, por exemplo, da proibição da censura política e ideológica impostas por meio de leis ou por meio de autoridades públicas (Art. 220 da Constituição Federal), só existem no papel e por isso é preciso denunciar e fortalecer constantemente os direitos democráticos.
A liberdade de expressão foi conseguida por meio duras lutas e muito derramamento de sangue, como bem reforça o rapper Eduardo Taddeo na música Substância Venenosa “vértebras foram reduzidas a poeira no ar, pra que eu tivesse o direito de me manifestar”.
Outro ponto dentro dessa problemática é a de quem tem o poder de expor sua opinião e denúncias, pois a Veja, a Globo e a Folha de S. Paulo se expressarem exibe um privilégio e não um direito concreto estendido aos demais setores sociais. Fato que se alterou levemente com a disseminação do rap como porta voz da periferia.
O terceiro álbum do Racionais Mc’s, intitulado Raio X do Brasil, estampa na capa uma cela lotada de pessoas negras e a frase “Liberdade de Expressão”. Esse álbum, assim como anteriores, não seriam lançados hoje sem a chance de serem perseguidos criminalmente. Voltando ao Raio X do Brasil, logo na introdução do disco Edi Rock diz “Racionais usando e abusando da nossa liberdade de expressão. Um dos poucos direitos que o jovem negro ainda tem nesse país”.
Essa colocação deveria ser lida como ainda que impere materialmente a exclusão social, ainda temos, como último reduto, a liberdade de manifestar nossas críticas e opinião. O que remete ao verso do rapper Pevirguladez “é proibido sonhar, então me deixe o direito de rimar” expresso na canção Direito de rimar. E o rap tem cumprido de forma majestosa essa função social de crítica pública sobre as mazelas sociais.
O direito de se manifestar é o principal alicerce do rap e dos setores oprimidos. É a possibilidade de organizar resistência, é a possibilidade de compartilhar experiências que indicam que há um mecanismo sistêmico que ataca todas as periferias, é a possibilidade de denúncia de violência, como fez Du Mato Mc ao relatar a tortura que sofreu da PM e responder por meio do rap Cão de Guarda.
Fechamento
Atualmente, setores “progressistas” têm abraçado a censura, a perseguição a partidos políticos, têm desprezado às garantias democráticas, têm concordado com a criminalização da atividade política e de manifestação da opinião. Tudo como forma de luta contra a extrema direita. Essas ferramentas políticas não só foram objeto da luta da esquerda contra a ditadura militar, como também a história mostrou que são medidas ineficazes contra o advento do fascismo, ao contrário, pavimentaram seu caminho.
Direta ou indiretamente o rap está tratando sobre liberdade de manifestação quando verbaliza contra o encarceramento, quando pede para dar voz à periferia e aos oprimidos, quando valoriza a população negra. Neste texto, foi feita uma seleção especial, mas seria possível mencionar, a título de exemplo, o Trilha Sonora do Gueto, o Rappin Hood, o Detentos do Rap, o 509-E, e o Face da Morte que cometem o “crime do raciocínio”.
Por ser muito sugestivo, convoco o rap Bang Loko do grupo Liberdade de Expressão para fechar este texto
“sabotaram o oxigênio da nossa liberdade, asfixiaram nossa mente, nossa criatividade. E agora vem julgar meu rap violento” … “sou de bater de frente, de expor minha opinião, exercer ao extremo a liberdade expressão, não seria assim se eu ficasse calado” … “favelado que jamais vai aceitar a opressão do Estado”.