Unicamp tem menos 0,5% de estudantes PCDs matriculados
.Por Rafael Martarello.
Apenas sessenta e sete alunos matriculados na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) são Pessoas com Deficiência (PCDs). Esse número é referente aos discentes da graduação e da pós-graduação e representa 0,20% do total de matriculados. Os dados foram obtidos mediante consulta ao Serviço de Informações ao Cidadão da Universidade Estadual de Campinas.
Quando recortado o período de 2010 até 2022, constata-se que houve somente 310 novos PCDs ingressantes. Este número oferta uma média aproximada de 24 novos PCDs por ano para as mais de 3 mil vagas que são ofertadas anualmente pela instituição.
Não é difícil supor que o número atual de 67 PCDs significa que pelo menos nos três últimos anos o número de Pessoas com Deficiência ingressantes nos cursos da Universidade esteve, necessariamente, abaixo da média de 24 estudantes por ano.
Eu me lembro quando fiz – como parte da luta pelas cotas étnico-raciais – um levantamento étnico dos discentes matriculados nos cursos atuais do meu antigo campus: 9,63% eram pardos; e 2,2% pretos. Com essa última colocação, quero pontuar, numericamente, o quão grave é esse ínfimo quantitativo de PCDs na universidade.
Ressalto que a luta pela implementação das cotas étnico-raciais foi empreendida para a alteração de uma política afirmativa existente na época que ofertava uma pontuação adicional. De outro lado, com mais de 60 anos de existência, a UNICAMP não oferta nenhuma espécie de bônus/política para a inclusão social de PCDs e para a superação da sub-representação desse grupo na universidade.
RAZÕES DA EXCLUSÃO E MOTIVOS PARA A INCLUSÃO DE PCDs
A Professora Katiuscia Cristina Vargas Antunes, Doutora em Educação (UERJ) e Líder do Grupo de Pesquisa Culturas, Políticas e Práticas de Inclusão em Educação na Universidade Federal de Juiz de Fora, foi convidada para comentar a respeito do baixo número de estudantes PCDs e os benefícios do ingresso destes no ensino superior.
A quais fatores se deve o baixo número de PCDs no Ensino Superior?
Penso que o baixo número de pessoas com deficiência no Ensino Superior tem diferentes razões, dentre as quais o fator das trajetórias de escolarização das PCDs tem um peso grande. Muitos estudantes PCDs têm suas trajetórias marcadas pela exclusão, por reprovações repetidas e até mesmo pela evasão escolar. Os números do Censo escolar indicam que o percentual de estudantes com deficiência matriculados e concluindo o ensino médio é muito inferior ao número de estudantes matriculados e concluindo o ensino fundamental. Muitos sistemas educacionais, a despeito dos princípios da inclusão em educação, ainda encontram dificuldades em desenvolver currículos, metodologias e avaliações que primam pela diferenciação do ensino.
De outro lado, apesar das políticas de ações afirmativas, com reserva de vagas para PCD no Ensino Superior, as formas de ingresso nas universidades, seja pelo SISU ou por processos seletivos próprios, com provas padronizadas e que na maioria dos casos não são pensadas na lógica do desenho universal para a aprendizagem, por exemplo, dificultam que esse público consiga realizar essas provas e obter êxito. Mesmo com a disponibilização de suporte e atendimento especializado para a realização das provas, em muitos casos o problema não reside apenas aí, mas sim no formato das avaliações. Infelizmente, no Brasil, ainda não contamos com formas diferenciadas de acesso ao Ensino Superior.
Quais seriam os benefícios sociais e os benefícios à própria universidade com o ingresso de estudantes e docentes PCDs?
Acredito que a convivência com as diferenças é sempre muito enriquecedora, possibilitando que a sociedade se torne mais inclusiva, tanto no que se refere aos aspectos de acessibilidade física, arquitetônica, comunicacional e, sobretudo, atitudinal, superando as relações de preconceito e inferiorização das pessoas com deficiência. Para as universidades significa a possibilidade de mudar culturas, políticas e práticas historicamente excludentes, tomando-se espaços cada vez mais plurais e democráticos. Se o acesso das pessoas com deficiência no ensino superior é um grande desafio, a permanência e participação dessas no cotidiano das universidades é ainda maior. Acredito que uma universidade mais inclusiva se dá pela convivência e diálogo com as pessoas com deficiência, com a construção de políticas inclusivas e formação de toda a comunidade acadêmica, especialmente o corpo docente.
POR UMA UNICAMP MAIS INCLUSIVA: COTAS PARA PCDs JÁ!
A inclusão de PCDs é pauta de discussão há quase duas décadas e em universidades federais pela reserva de vagas já é uma realidade desde a Lei 13.409/2016. A UNICAMP há quase 5 anos disse que iria realizar estudos para a inclusão de pessoas com deficiência a partir do Vestibular 2019. Não aconteceu.
Não é cabível supor falta de tempo, pois outras universidades públicas nesse mesmo período avançaram nesta política de inclusão, e elas não são chamadas de “a melhor do Brasil”. Reforço que para a implementação de medidas autoritárias e retrógadas, que resultou em mudanças negativas na realidade social brasileira desde o golpe de 2016, a agilidade é surpreendente.
Frente a longa espera por acesso estudantil garantido e a constante marginalização de PCDs, tenho claro que a solução é a implementação imediata das cotas para PCDs. O principal método é a organização de novas greves, ocupações e piquetes, mas também passa pela pressão em espaços já conquistados.
Em qualquer um dos casos, após o logro de mais uma conquista, alguma das autoridades universitárias irão conceder entrevistas aos grandes grupos de comunicação dizendo o quanto eles e a instituição são progressistas e inclusivos, enquanto estudantes que lutaram estarão respondendo processos administrativos e/ou sofrendo perseguições. A Unicamp foi procurada para comentar a questão, mas não se manifestou.