.Por Daniela Alvares Beskow.
Praças abandonadas em Campinas: espaços coletivos desperdiçados
O Distrito de Barão Geraldo, assim como outros bairros da cidade de Campinas, está com suas praças abandonadas pelo poder público há muitas décadas. A maioria não tem infraestrutura para esportes e lazer e quando tem, falta o básico, como banheiros públicos, bebedouros, assentos suficientes, ampla iluminação, corte de grama e poda de árvores.
Este breve texto tem o objetivo de pautar a questão da importância dos espaços públicos enquanto locais de convivência, fomento da cidadania e prevenção da violência urbana. O foco da reflexão é o Distrito de Barão Geraldo, localizado na cidade de Campinas, interior de São Paulo, mas, estas ideias podem ser pensadas para qualquer bairro ou cidade brasileira.
Distrito de Barão Geraldo, pólo científico e econômico
Barão Geraldo abriga uma importante universidade do país, a Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), além da Faccamp e da vizinha Puccamp. No Distrito existe também o Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), que abriga o Laboratório Nacional de Luz Síncroton e o acelerador de partículas Sirius1, o maior do tipo no Brasil. Em Barão Geraldo também está localizada a Data Center do Santander Brasil, um centro de processamento de dados do banco Santander, com apenas mais três do tipo em outras partes do mundo. Entender esse panorama contribui para pensar a relação que grandes empreendimentos – pólos de ciência, tecnologia e produção de conhecimento – tem ou poderiam ter com a comunidade do entorno. E trás a questão sobre o destino dos impostos de grandes empresas localizadas no Distrito.
Em 2014, em divulgação da inauguração do Data Center do Santander, foi anunciado que o Banco Santander construiria ciclovias como contrapartida do empreendimento. Estamos em 2022 e as vias ainda não foram construídas2. Os cidadãos também se questionam sobre o destino do IPTU pago pelo centro de processamento de dados, que ocupa área de mais de 800 mil metros quadrados em Barão Geraldo. Ao menos no Distrito, o retorno dessa imposto para a população não é observado.
Já o CNPEM tem sido bem sucedido na sua estratégia de aproximação entre moradores e o pólo de tecnologia. O local já foi sede de quatro grandes eventos Ciência Aberta, que abriu as portas do complexo científico para visitação, promovendo difusão de conhecimento e integração entre a sede tecnológica e a comunidade local e de outras localidades3.
A Unicamp promove anualmente o Universidade de Portas Abertas, destinada à estudantes do ensino médio que irão prestar o vestibular. Porém, para além desse importante evento, pouca relação estabelece com o Distrito onde está inserida, apesar da prática da Extensão ser um dos pilares da funcionamento das universidades públicas no Brasil, em conjunto com o Ensino e Pesquisa.
Apesar de algumas boas iniciativas destes centros econômicos e científicos, observa-se pouca relação com o Distrito e com a população que não está ligada diretamente à estes espaços – trabalhando ou estudando nestes locais.
Praças abandonadas no Distrito
Praças são excelentes locais para se conviver coletivamente. É uma opção para abrigar equipamentos esportivos, feiras ao ar livre, apresentações de teatro e dança, concertos musicais. Nas praças, pessoas podem fazer piqueniques, descansar, encontrar amigos, passear com o cachorro, fazer caminhada ou simplesmente curtir uma tarde de domingo à luz do sol e ar fresco. Praças promovem lazer acessível e dessa forma, são espaços democráticos. Infelizmente as praças de Barão Geraldo estão no pólo oposto destas práticas tão positivas para a convivência local.
A imagem 1 mostra a Praça Augusta Pires de Morais, localizada na área central do Distrito, perto do terminal de ônibus e também da área comercial. Atualmente encontra-se sem poda, corte de grama e com bastante sujeira pelo chão. Além da falta de manutenção dos bancos e pouca iluminação. Uma praça que poderia ser de grande usufruto dos moradores, mas, encontra-se abandonada pelo poder público, que dificulta o uso. A imagem 2 é da Praça Orestes Quercia e da Pista de Skate Henrique Ramos, logo atrás do terminal. O local abriga uma pista de skate e duas quadras, uma fechada e outra aberta. Observa-se um investimento inicial, mas, que não teve continuidade. Faltam bancos, corte de grama, poda e a iluminação é escassa. A imagem 3 é da Praça Durval Pattaro, excelente espaço para realização de concertos de música ao ar livre e piqueniques, dado o extenso gramado. Infelizmente a única estrutura no local é uma academia ao ar livre, que não tem manutenção. Não há bancos, manutenção da pista de caminhada, bebedouros ou corte de grama.
A imagem 4 é da Praça José Barbutti, que é estreita e comprida, abrigando um trecho de ciclovia. A praça margeia restaurante, bares e pequenas lojas. Excelente local para piqueniques e passeios ao ar livre nos finais de semana. Infelizmente não há limpeza ou corte de grama, tampouco poda ou existência de bancos. A iluminação é escassa. Faltam placas para sinalizar a ciclovia e também educação para o uso desse tipo de via, o que ocasiona passagem constante de pedestres na mesma, causando grande transtorno aos ciclistas e podendo provocar acidentes. Este é aliás um problema que se repete em outros trechos das ciclovias no Distrito, onde pedestres insistem em transitar nas vias destinadas às bicicletas. A imagem 5 mostra a rua Francisco Humberto Zuppi, que beira um trecho de riacho e mata nativa. O riacho encontra-se sujo há muitas décadas e no trecho da mata próximo à rua não há nenhum tipo de limpeza ou poda, o que gera grande insegurança ao transitar a pé ou de bicicleta nesta rua, que é extensa e conectada duas partes do bairro. A iluminação é precária ao longo de toda a rua.
A imagem 6, da Praça Maria Erlinda Duckur Kassab é outro exemplo de mata nativa em área urbana. Ao longo dos anos, no local onde deveria haver calçamento o matagal cresceu bastante e na parte interna da mata não há nenhum tipo de manutenção ou iluminação, propiciando assaltos e ataques. Em vários pontos da praça há lixo espalhado. A imagem 7 é da Praça João Eduardo Jeremias, um exemplo de uma boa inciativa no Distrito, mas, que ainda pode ser melhorada. Recentemente a praça passou por uma revitalização, tendo sido instaladas três quadras esportivas – basquete, vôlei e futebol – além de melhoria da pista de caminhada, academia ao ar livre, alguns bancos e boa iluminação. Faltam, porém, banheiros, bebedouros adequados, mais bancos e mesas.
Cidadania e prevenção à violência
Cidadania e prevenção à violência são elementos a serem levados em consideração quando o tema é ocupação das praças públicas pela população e áreas verdes bem conservadas.
A cidadania é estimulada nos locais públicos de convivência, pois, estes espaços bem conservados e com manutenção e investimento do poder público, expressam respeito e atenção ao bem comum. Viver em um bairro cujas ruas, praças, parques e locais públicos são limpos e bem cuidados, transmite a sensação de que o bem público é valoroso. Quando acolhem pessoas em sua circulação cotidiana e permanência, principalmente aos finais de semana, mas, não apenas, reforçam o entendimento de que os espaços coletivos fazem parte do indivíduo e vice-versa, de que os cidadãos podem e merecem estar nesses espaços, convivendo com o outro e com a outra, conhecendo os moradores do próprio bairro em eventos lúdicos e de boa convivência. Convivência trás cidadania pois amplia o entendimento sobre a cidade, se ampliando para além do cotidiano individual e familiar, ambos importantes, porém, não suficientes para a vida em sociedade que requer cooperação e sociabilidade a nível local.
A prevenção à violência é outro fator que ganha com a convivência em locais públicos bem cuidados. Matagais crescendo, praças sem poda e iluminação precária são fatores que facilitam a ocorrência de assaltos e ataques. A própria falta de convivência coletiva em locais públicos, a falta de atividades artísticas e educacionais nas praças e parques da cidade, assim como de estrutura adequada para a realização de atividade física em espaços ao ar livre são também facilitadores para a violência. Ao não encontrar ambientes coletivos adequados para uma convivência respeitosa entre os cidadãos e ao não ter acesso à ambientes de lazer e práticas saudáveis – como por exemplo a prática de exercícios e o contato com arte e manifestações culturais – há um vácuo que, associado à extrema desigualdade econômica no Brasil, é muitas vezes é preenchido de forma indevida com ações de criminalidade.
Manutenção, investimento e infraestrutura
Jovens, adultos, idosos, crianças, todos precisamos de espaços públicos dignos, seguros, limpos, acolhedores. Precisamos de praças e parques que sediem atividades artísticas e culturais, que tenham infraestrutura para esportes. Os cidadãos precisam de estrutura que fomente a permanência e passagem nestes locais: banheiros públicos, bancos para sentar, bebedouros, ampla iluminação, calçamento adequado para caminhada e que permita a mobilidade de pessoas com deficiência. Este breve texto tem a intenção de chamar a atenção para as praças do Distrito de Barão Geraldo, porém, é importante lembrar que esta mesma discussão pode ser aplicada aos Centros Culturais e Casas de Cultura de Campinas e também aos teatros de arena ao ar livre, localizados em praças e parques da cidade. Estes locais estão também abandonados, com pouquíssimo ou nenhum investimento ou manutenção.
O Distrito de Barão Geraldo, assim como todos os outros bairros da cidade precisam de investimento e manutenção dos espaços públicos. As áreas verdes da cidade precisam ser cuidadas. A situação atual é de total descaso e abandono. Essa situação é inaceitável e demonstra intensa falta de respeito com os cidadãos e cidadãs. As praças já existem, porém, precisam de manutenção constante e investimento, do contrário, não apenas é sequestrado o direito dos cidadãos ao espaço público, como também os coloca em risco devido à falta de poda e iluminação. É urgente que a cidade torne acessível estes locais verdes ao livre, proporcionando espaços de convivência, fomento da cidadania e prevenção à violência.
Daniela Alvares Beskow – Cientista política e escritora. Coordenadora do Laboratório de Teoria – Escola de Ciência Política e moradora do Distrito de Barão Geraldo – www.palavraemeia.com – @laboratoriodeteoria
1https://canaltech.com.br/ciencia/aceleradores-de-particulas-o-que-sao-como-funcionam-e-para-que-servem-190245/
2https://portal.campinas.sp.gov.br/noticia/23635
3https://cnpem.br/wp-content/uploads/2019/09/Por-Dentro-CNPEM2_v02-1.pdf