No início do século 20 uma bomba explodiu na Rua Helvetia, número 2, no centro da cidade de São Paulo. Ocorria a Revolução Paulista de 1924, também chamada de ‘a revolução que São Paulo esqueceu’: um levante tenentista duramente reprimido pelas tropas fiéis ao governo. Depois de 23 dias de bombardeios que atingiram principalmente a população civil, os jornais comemoravam a vitória da legalidade e o sufoco da revolução. Um século depois, sob a justificativa de manter vigente a mesma legalidade, muitas outras bombas, reais e simbólicas, têm explodido sobre aquele mesmo território, impactando principalmente os mais vulneráveis. 

(Foto: Gustavo Prugner)

É esse momento histórico – e sua repercussão até os dias atuais – que é retratado, a partir do dia 18/3, no Instituto Pavão Cultural, em Campinas, pela exposição “Sob Ataque”A exposição, idealizada pelo Coletivo Garapa e realizada com apoio do Proac-SP, é uma iniciativa cultural que se debruça sobre o território hoje conhecido como Cracolândia, em São Paulo. O projeto mapeia, a partir da fotografia do imóvel da Rua Helvetia, 2, bombardeado durante a Revolução, outras explosões e eventos de violência ocorridos naquele espaço desde então. Para tal, o coletivo, que tem reconhecida produção fotográfica nos campos das artes visuais e do documentarismo, emprega um misto de técnicas e abordagens, utilizando desde a coleta de material imagético histórico até a criação de imagens fotográficas sobre o território em foco.

Em sua concepção, a mostra reúne uma iconografia vinda de diferentes acervos documentais, como os do Instituto Moreira Salles, da Fundação Energia e Saneamento e da Casa da Imagem, além de registros fotojornalísticos contemporâneos. Entre as imagens de arquivo, duas se destacam de modo especial: são reproduções de um postal de Gustavo Prugner, de 1924, e do panorama de Valério Vieira, de 1922, com 5 m de comprimento. Além destas imagens, fazem parte da exposição um conjunto de fotografias criadas pelo Coletivo Garapa a partir da encenação de explosões na região, registros históricos sem autoria declarada e imagens de fotojornalistas contemporâneos. No total, a exposição é composta por 24 imagens.

Ao revirar o passado, “Sob Ataque” traz para o presente as tensões históricas que se acumulam e transformam a paisagem da região dos Campos Elíseos ao longo do tempo.  A proposta é fazer uma leitura transversal dessas tensões, desde a formação do bairro até a atualidade. O imóvel bombardeado e fotografado por Prugner há quase cem anos ficava, precisamente, onde hoje se concentra o “fluxo” da chamada Cracolândia.

Levar a exposição a Campinas ganha sentindo, para além da questão histórica – sempre interessante aos curiosos e também pelo fato de muitos residentes de São Paulo terem se refugiado na cidade do interior – a partir do diálogo que estabelece com uma cidade de grande densidade populacional e que enfrenta situações de exclusão e deterioração de espaços públicos, que hoje se configuram como bolsões de pobreza e dilemas sociais como o tráfico e uso de drogas. De acordo com Rodrigo Marcondes, um dos idealizadores da mostra “os processos históricos e o progresso das metrópoles, em oposição às lacunas sociais na saúde pública, moradia, entre outros, ultrapassa contextos de espaço e tempo de uma situação específica, e tal experiência deve ser compartilhada e colocada à reflexão de todos”.

Para Paulo Fehlauer, também coordenador e idealizador do Garapa, “a proposta é de exercitar um olhar ambíguo e dialético sobre essas explosões que, ao longo do tempo, ajudaram a moldar não apenas a geografia do território, mas, também, as suas dinâmicas históricas e sociais. Um território cuja alcunha pejorativa — Cracolândia — disfarça a complexidade das relações e dos conflitos que se entranham no tempo e no espaço, confinando-as a uma leitura presumidamente unívoca”, afirma. 

A programação da exposição contará com visita guiada pelo coletivo no dia 19/3, às 15h. A atividade é gratuita e não é necessário realizar inscrição prévia.

Paulo Fehlauer e Rodrigo Marcondes compõem o Coletivo Garapa. Ambos egressos do jornalismo, desde 2008 desenvolvem uma trajetória criativa que propõe tensionar
as fronteiras entre o documentário e as artes visuais, realidade e ficção, além de
integrar linguagens e plataformas explorando o contato entre a fotografia, o vídeo, o
arquivo e a literatura. Juntos, desenvolvem um reconhecido trabalho de pesquisa autoral, buscando em eventos históricos e contemporâneos, na paisagem física e humana, os elementos para a construção de narrativas complexas e multifacetadas, resultando em um trabalho ao mesmo tempo artístico e político. Fehlauer é fotógrafo, escritor e artista multimídia. Doutorando em Teoria e História Literária na Unicamp, atuou como repórter fotográfico na Folha de S. Paulo e colabora com jornais e revistas do Brasil e exterior. Trabalhou no International Center of Photography e no National Geographic Photocamp, em Nova York. Fundador do Coletivo Garapa e da Casa da Cultura Digital, possui especialização em Formação de Escritores no Instituto Vera Cruz, em São Paulo. Marcondes, por sua vez, é jornalista, fotógrafo e artista multimídia. Mestre pelo Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo da Unicamp. Colaborou com canais de comunicação brasileiros e do exterior, como Folha de S. Paulo, Editora Trip, MTV Brasil, além das produtoras Maria Farinha e Busca Vida Filmes. Viveu na Inglaterra e na Itália, onde trabalhou como fotógrafo freelance e aprofundou sua educação nas artes visuais. Em 2012, concluiu o Master of Documentary Photography, da Universidade AKV St. Joost, na Holanda. (www.garapa.org)

SOB ATAQUE

Local: Instituto Pavão Cultural

Endereço: Rua Maria Tereza Dias da Silva, 708, Barão Geraldo, Campinas

Abertura: Dia 18/3, a partir das 18h

Horário de visitação: De quarta a sábado, das 14 às 20hs

Período: 18 de março a 1º de maio de 2022

Visita guiada: Dia 19/3, a partir das 15h

(Carta Campinas com informações de divulgação)