.Por Ricardo Corrêa.
Me basta mesmo
essa coragem quase suicida
de erguer a cabeça
e ser um negro
vinte e quatro horas por dia.
(José Carlos Limeira)
O Brasil não é saudável para as pessoas negras, digo isso por experiência própria. A todo o momento as pessoas brancas nos submetem ao exame moral, intelectual e profissional. Estão sempre duvidando das nossas capacidades. E mesmo que apresentemos inúmeras qualidades, os brancos não abandonam os preconceitos e continuam baseando as opiniões em estereótipos racistas. Isso provoca demasiado desgaste emocional. Não aguentamos mais provar que somos melhores do que nos julgam. Podemos caminhar com as mãos fora do bolso da calça, os seguranças continuarão nos perseguindo dentro do comércio. Não importa a nossa excelência profissional, em qualquer seleção no mercado de trabalho o branco sempre terá a vantagem na escolha e direito à mediocridade.
E como resultado dessa permanente desconfiança e exclusão social, em prol do domínio branco, muitos negros assumem a culpa por não superarem os obstáculos. Eles acreditam que faltou algum tipo de esforço, estavam no lugar errado, não mereciam, e outras justificativas que não colocam o racismo como fundamento das adversidades. Mas, se olharmos analiticamente para essa situação, concluiremos que o racismo naturaliza a opressão e transfere a culpa aos oprimidos. Não é sem razão que seja considerado um sistema perfeito.
Nesse sentido, a psicóloga e psicoterapeuta, Maria Lúcia da Silva (2004), escreveu “Estando no centro de uma dinâmica muito complexa, na qual se sentem ora perseguidos ora perseguidores, os negros vivem num estado de tensão emocional permanente, de angústia e de ansiedade, com rasgos momentâneos dos distúrbios de conduta e do pensamento, o que os inquieta e os faz sentir culpa”.
Obviamente, o racismo que debatemos é evidenciado nas práticas individuais das pessoas, socialmente, brancas. Porém, existe um diálogo com o racismo institucionalizado, pois, independente das maneiras que o negro é vitimado, o impacto na sua saúde mental é inevitável. E não é exagero afirmarmos diante dessa situação: em uma sociedade racista, preservar a sanidade mental é privilégio. Não sofremos somente quando somos atingidos na individualidade; sofremos com todos os casos de racismo que acontece com nossos semelhantes. Portanto, ser negro é estar em estado de permanente dor.
Nesse processo que, essencialmente, marginaliza a cultura negra, somos condicionados a aderirmos à cultura dominante, e, também, a sentirmos vergonha da própria identidade. Eu mesmo conheço negros que não assumem a religião de matriz africana em público, que não discutem os problemas raciais no dia a dia, que evitam o uso de cabelo Black Power, de tranças e roupas africanas, mesmo sentindo vontade, que efetuam procedimentos para clareamento da pele etc. Mas tudo isso tem um custo. De acordo com Renato Noguera (2020), doutor em filosofia, a existência de patologias psicológicas surgem de um mundo branco colocado como único e verdadeiro, impondo, assim, transtornos às pessoas negras.
Até os negros com certa compreensão, sobre as questões raciais, não escapam das consequências psicológicas do racismo. Lembro-me da ocasião em que apresentei a defesa da monografia no curso de pós-graduação. Inicialmente, contei um pouco da minha trajetória como homem negro, nascido e criado na periferia, as violências e superações. Ao final da apresentação, os professores me deram a nota máxima, porém, eu fiquei intrigado. Na minha cabeça eles consideraram somente a história de vida, orientados pela falaciosa meritocracia, e não as questões técnicas da monografia. Em outras palavras, achei que os professores deixaram a emoção falar mais alto. A única coisa possível de afirmar, baseado nesse episódio, é que o sentimento de insegurança, de não acreditar no próprio potencial, e a descrença nos elogios que recebe, é bastante comum nas pessoas negras.
Todas essas questões estimulam os negros a fazerem alguns questionamentos “qual a necessidade de esforçar-se se não sou tratado como os brancos?”, “por que ser duas vezes, ou mais, melhor do que os brancos se os escolhidos sempre são eles?”. Como conclusão, eles desistem de lutar por uma vida melhor. Por isso, é fundamental desconstruirmos as imagens negativas, cristalizadas no imaginário social, e trabalharmos na massificação da consciência racial. Esses são caminhos que possibilitarão os negros a enfrentarem o cotidiano, e os brancos a repensarem as formas de se relacionarem; ademais, como disse Kabengele Munanga (2021) “sem dúvida, a luta pela libertação do negro passa necessária e absolutamente pela desconstrução das imagens negativas contra ele forjadas pela ideologia racista e pela reconstrução de novas imagens que o libertem da alienação e da negação de sua humanidade”.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
NOGUEIRA, Isildinha Baptista. (2021). A cor do inconsciente: significações do Corpo negro. São Paulo, SP: Editora Perspectiva
.
NOGUERA. Renato. (2020) Fanon: Uma filosofia para reexistir. Alienação e liberdade – Escritos psiquiátricos. São Paulo, SP: UBU Editora.
SILVA, M. L. Racismo e os efeitos na saúde mental. Seminário saúde da população
negra do Estado de São Paulo, 2004, p. 129-132. São Paulo, SP: Instituto de Saúde.
Disponível em: < https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/sec_saude_sp_saudepopn egra.pdf>. Acesso em: 28 dez. 2021.