.Por Rogério Bezerra da Silva.
Se tem algo em que existe concordância geral, exceto entre os partidários da extrema-direita brasileira, é que, tal como bem colocado por Giovanni Alves, “as políticas de transferências de renda e gasto público visando diminuir as desigualdades sociais e fortalecer o mercado interno, distingue, por exemplo, o projeto neodesenvolvimentista [dos governos Lula e Dilma] do projeto neoliberal propriamente dita adotado na década de 1990 por FHC” (“Neodesenvolvimentismo e Estado neoliberal no Brasil”, blogdaboitempo.com.br, 2 de dezembro de 2013).
Os governos Lula e Dilma, em relação à política econômica, passaram a ser denominados de neodesenvolvimentistas por se distinguirem, especialmente por suas políticas de transferência de renda aos mais pobres, dos governos anteriores, nos quais vigoraram a diminuição irrestrita do Estado e a maximização da concentração de renda.
Se existe concordância em relação ao caráter neodesenvolvimentista dos governos de Lula e Dilma, há muitas controvérsias e discordâncias quando também se levanta a questão de que, ao mesmo tempo, eles “optaram pragmaticamente por reproduzir o Estado neoliberal herdado da década de 1990”, como também observado por Giovanni Alves.
Mas, apesar dessas controvérsias, é difícil para qualquer pessoa negar que, como noticiaram alguns meios de comunicação, os “Bancos lucraram 8 vezes mais no governo de Lula do que no de FHC” (Revista Veja, em 12 de setembro de 2014) e “Bancos lucraram mais no governo Dilma do que nos mandatos de FHC” (Revista Época, em 11 de setembro de 2014).
Eis que, já na antessala das eleições presidenciais de 2022, há todo um debate entre os campos políticos (extrema-esquerda, esquerda, centro, direita, extrema-direita) sobre possíveis presidenciáveis, polarizações entre candidatos (no caso entre Lula e Bolsonaro) e uma “terceira via” (um candidato, de direita, que possa, ao mesmo tempo, derrotar o Bolsonaro e ser uma alternativa ao Lula).
Pois bem, algo em que também há concordância geral entre os campos políticos (aqueles não alinhados ao bolsonarismo) é a necessidade de derrotar o Bolsonaro. Isso está cada vez mais evidente nas falas de lideranças políticas e, mais ainda, nos “sinais” emitidos pelo mercado (mais especificamente, nas falas dos representantes da elite econômica brasileira).
Dentre os “sinais” emitidos pelo mercado, a via pela qual haveria “risco zero” para sua reprodução (para a reprodução do capital) seria viabilizar a candidatura de João Doria (governador de São Paulo). E Doria vem tentando viabilizar-se nessa disputa, tal como destacado pela Revista Veja (11 de novembro de 2021), quando diz que “o governador de São Paulo, João Doria, participou de um jantar com a elite empresarial paulistana na noite de quarta-feira, 10, para falar como andam as prévias do PSDB”.
Mas, Dória sabe o quão difícil será a eleição do ano que vem e, entre se aventurar (com as pesquisas demonstrando que sua candidatura não decolará) na corrida à presidência, e perder, a disputar e manter o governo do estado mais importante, econômica e politicamente, do País, creio que ele vá preferir o pleito estadual, mesmo que venha a vencer as prévias presidenciais de seu partido.
Diante disso – do mercado (a direita) tentar apostar todas as fichas na viabilização do “risco zero” e vir a perder a eleições ou tentar uma via que seja adequada aos seus anseios –, a “terceira via” pode ser o Lula.
E o mercado (a elite econômica, junto à mídia hegemônica brasileira) vem demonstrando que não tem qualquer receio quanto à vitória de Lula em 2022. Ele até deseja essa vitória, como via para soterrar o Bolsonaro. Inclusive é isso que alguns jornais vêm destacando: “Mercado prefere Lula a Bolsonaro, analisa ex-ministro Maílson de Nóbrega” (UOL Economia, 4 de outubro de 2021) e “Mercado financeiro sonha com uma chapa com Lula e Meirelles para 2022” (Estado de Minas, 21 de agosto de 2021).
Lula sabe que pode ser a via, a primeira (para o campo progressista – as esquerdas) e a terceira (do mercado), dos campos políticos que têm como prioridade derrotar o Bolsonaro, nas urnas, em 2022. Isso pode ser observado, inclusive, em seu discurso proferido no Parlamento Europeu, em 15 de novembro deste ano, quando destaca que “nós agora temos o compromisso de devolver a democracia e o bem-estar social ao nosso povo” (DW, 15 de novembro de 2021).
Devolver o “bem-estar social ao nosso povo” pode ser interpretado como ampliar “a convergência entre objetivos econômicos e sociais”, tal como destacado por Ricardo Bielschowsky (“O velho e o novo desenvolvimentismo”, Fundação Perseu Abramo, 6 de novembro de 2012). Ou seja, retomar o bem-estar social é retomar o neodesenvolvimentismo. O mesmo neodesenvolvimento que, de um lado, distribuiu renda, e, de outro, concentrou renda, fazendo com que os bancos tivessem ganhos até então jamais obtidos.
É por isso que, como destacou a jornalista Rosana Hessel, “o mercado financeiro já tem seus preferidos para as eleições presidenciais de 2022. E uma chapa unindo a esquerda e o centro não deixa de ser cogitada na falta de uma terceira via palatável e forte” (Correio Brasiliense, 21 de agosto de 2021). Pois, como disse a jornalista, “no mercado financeiro, o pessimismo com o governo está cada vez maior. Nas rodas de conversas, os donos do dinheiro deixam claro que a ordem é se livrar de Bolsonaro em 2022”.
Sabendo que pode ser a primeira e a terceira vias, é que “Lula prepara discurso para mercado”. E, seus “aliados dizem que não haveria necessidade de nova ‘Carta ao Povo Brasileiro’, porque o legado de Lula já confeririam credibilidade e previsibilidade”. Seus aliados dizem ainda que “ele conseguirá construir pontes com o mercado” (InfoMoney, 15 de outubro de 2021).
Sabendo ainda que cresce a percepção, em todos os campos políticos, inclusive entre os progressistas, de que qualquer aliança que faça será considerada melhor opção do que uma possível vitória de Bolsonaro, Lula também pode ser consolidado como a via do mercado. Não seria o candidato de “risco zero”, tal como Dória, mas, vem demonstrando que é de baixo risco.
Se o mercado, para apoiá-lo, quer a prevalência do neoliberalismo, que seja implementado, assim como foi em seus governos anteriores, mas, que venha acompanhado de distribuição de renda, mesmo que à margem da economia.
Assim, começa a se consolidar uma “terceira via”, que é o próprio Lula, na qual se poderá caminhar com a implementação das políticas neoliberais, de maximização dos lucros dos investidores, e, ao mesmo tempo, implementar políticas sociais, de garantia de renda mínima. É a via do neoliberalismo humanizado.
Rogério Bezerra da Silva – Geógrafo, Mestre e Doutor em Política Científica e Tecnológica pela Unicamp. Ex-assessor legislativo.