Por Caroline Oliveira – Bdf
Ao discursar na 26º Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP26), em Glasgow, na Escócia, a ativista indígena Txai Suruí, coordenadora do Movimento da Juventude Indígena de Rondônia, levou o Brasil que o governo Bolsonaro insiste em esconder.
Do povo Paiter Suruí, a jovem de 24 anos vive na Terra Indígena (TI) Uru-Eu-Wau-Wau, a maior do estado de Roraima, uma das três Terras Indígenas (TI) mais ameaçadas entre fevereiro e abril de 2021, segundo o Sistema de Alerta de Desmatamento (SAD), feito por meio do monitoramento trimestral Ameaça e Pressão do Instituto Imazon.
As outras duas foram a TI Trincheira /Bacajá (RA) e a TI Parakanã (PA). Segundo o documento, a ameaça é o risco iminente de ocorrer desmatamento. Frente ao avanço das ameaças, que por vezes foram concretizadas, indígenas da região criaram a Equipe de Vigilância Indígena para monitorar a ação de invasores e proteger os limites da reserva.
Assassinato de Ari Uru-Eu-Wau-Wau
Para lideranças da região, a criação e atuação da equipe motivou o assassinato de um dos guardiões do território, Ari Uru-Eu-Wau-Wau, lembrado por Txai Suruí em seu discurso na COP26.
Ari, com 33 anos, foi encontrado sem vida e com sinais de espancamento na linha 625 de Tarilândia, distrito de Jaru (RO), perto de uma das entradas da Terra Indígena.
“Enquanto vocês estão fechando os olhos para a realidade, o guardião da floresta Ari Uru-Eu-Wau-Wau, meu amigo de infância, foi assassinado por proteger a natureza. Os povos indígenas estão na linha de frente da emergência climática, por isso devemos estar no centro das decisões que acontecem aqui. Nós temos ideias para adiar o fim do mundo”, afirmou a jovem.
Em abril deste ano, quando o assassinato completou um ano sem respostas, Txai afirmou que existe “muita gente importante por trás disso que incentiva a invasão de terra” e que “o próprio governo federal deveria ser réu, porque é conivente com o que vem acontecendo. Mais do que conivente: incentiva a invasão dos nossos territórios”, disse ao Brasil de Fato.
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“Ari era um defensor da Terra Indígena. Monitorava sua terra através da tecnologia, utilizando drones. Era um guerreiro, um líder, uma pessoa importante para o seu povo. Era também um grande amigo meu.” Até o momento, o caso não foi solucionado pela Polícia Civil.
Atualmente, Awapy Uru-Eu-Wau-Wau, primo Ari, coordena da Equipe de Vigilância e também sofre com ameaças. “Nosso território pega 13 municípios e temos uma equipe pequena para ficar monitorando tudo. Eu venho sofrendo ameaças de morte por tomar a frente dessa proteção. Sou ameaçado há quatro ou cinco anos”, relata Awapy.
Aumento das invasões
A região de 1,8 milhão de hectares, rica em recursos hídricos e com uma terra fértil e que também abriga os povos Amondawa, Oro Win e Juma, é alvo de grileiros, madeireiros e garimpeiros.
Apesar de ter sido demarcada e homologada em 1991 pelo Estado, a terra entrou na mira desses grupos de maneira intensa a partir de 2019, o primeiro ano do governo Bolsonaro.
Segundo o relatório anual Violência Contra os Povos Indígenas, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), somente em de abril de 2019, estima-se que mais de 180 invasores entraram ilegalmente no território.
“O Cimi registrou no ano de 2019, 256 casos de invasões possessórias, exploração ilegal de recursos naturais e danos diversos ao patrimônio, em pelo menos 151 terras indígenas, de 143 diferentes povos. Esse total é mais do que o dobro do número registrado em 2018, quando tivemos um total de 111 casos”, informa o relatório.
“Sabemos que houve aumento de 600% de invasões em terras indígenas, e isso inclui a Uru-Eu-Wau-Wau. E na pandemia o invasor não fica de quarentena”, alertou a coordenadora do Movimento da Juventude Indígena de Rondônia, que hoje já conta com cerca de 1.700 jovens indígenas filiados.
Família também é alvo de perseguição
A família da jovem também é alvo de perseguição e ameaças. Sua mãe, Ivaneide Cardozo, chegou a receber ligações com ameaças de mortes devido à sua atuação na denúncia contra invasores da Uru-Eu-Wau-Wau. Dois deles, inclusive, estiveram na sede da Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé, fundada e liderada por Cardozo.
Seu pai, uma das lideranças indígenas mais críticas ao governo Bolsonaro, Almir Suruí, também se tornou alvo de retaliações. No final de 2020, ele chegou a ser alvo de um pedido de abertura de inquérito do presidente Fundação Nacional do Índio (Funai), Marcelo Augusto Xavier da Silva, para investigar “crime de difamação”.
O motivo foram as críticas feitas por Suruí à gestão do órgão no combate à pandemia de covid-19.
Segundo o Comitê Nacional de Vida e Memória Indígena, foram registrados 60.490 casos confirmados, 1.228 óbitos de indígenas e 162 povos afetados, até esta terça-feira (2).
Nesses números estão as duas avós, primos e tios de Txai. Weitãg Suruí, mãe de Almir era, inclusive, uma das poucas de seu povo que nasceram antes do contato com as pessoas brancas, em 1969.
Programa Adote um Parque
Cerca de 72,5 mil hectares da Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau, sob o nome de Parque Nacional de Pacaás Novos, foram incluídos no programa do governo federal Adote um Parque, segundo o dossiê Programa Adote um Parque: privatização das áreas protegidas e territórios nacionais, lançado pelas organizações FASE e Terra de Direitos, em parceria com o grupo Carta de Belém.
O programa, lançado pelo Ministério do Meio Ambiente em fevereiro de 2021, colocou para “adoção” por pessoas físicas e jurídicas, nacionais ou estrangeiras, 132 unidades de conservação (UCs). O objetivo, segundo a pasta, é custear a conservação dos parques.
“Isso gera um alerta que as Unidades de Conservação, que ainda não possuem o plano de manejo e outros instrumentos de gestão, possam ser apropriadas irregularmente pelas empresas adotantes”, aponta o documento.
“A ausência de documentos técnicos atualizados e publicados, que estabeleçam as normas relativas ao uso da área e manejo dos recursos naturais, abre brechas para que as empresas interfiram nas UCs, segundo seus próprios interesses, colocando em risco sua integridade socioambiental.” (Do BdF)