.Por Marcelo Mattos.
“Quem sabe o Super Homem venha nos restituir a glória Mudando como um Deus o curso da história Por causa da mulher”. Gilberto Gil, in Super-homem (A canção)
A proximidade do beijo homoafetivo do Superman não tornará o mundo mais suscetível, mas poderá torna-lo mais próximo da humanidade ou pelo menos, espero, congele a gravidade da Terra por um breve instante, imóvel, num sopro inefável ou enquanto se prolongue a perenidade do beijo. A DC Comics entretenimento, editora especializada em histórias em quadrinhos e mídias, subsidiária da Time Warner, a maior companhia de diversão e distração do mundo, revelará na próxima edição que o atual Superman Jon Kent é bissexual, procurando ampliar a sua representação LGBTQ+ e o seu envolvimento em temas de relevância social.
O herói Jon Kent, de 17 anos, beijará o jovem jornalista Jay Nakamura na próxima edição de dezembro (Son of Kal-El) é o herdeiro oficialmente do título de Superman do pai, Clark Kent, após os eventos do chamado “crossover Future State”, que é uma reformulação mercadológica editorial, vislumbrando um universo futuro com novos heróis não-binários, cujas identidades não se resumem a ser um gênero ou alguém que não é inteiramente masculino nem feminino, ou está entre os dois, ou os dois.
Os HQs – Quadrinhos. Entre 2008 e 2011 a marca rival da DC, a Marvel Universo Cinematográfico, iniciou construção do projeto audiovisual responsável pela popularização de personagens, antes restritos aos espaços dos quadrinhos (HQ) e animação de desenhos, marcando forte presença no interesse de um grande contingente do público jovem. Há uma latente demanda nesse espectro social por personagens mais verdadeiros, com vulnerabilidades, fraquezas e emoções ou ainda, que parecessem existir realmente.
As Histórias em Quadrinhos, grande parte tem a sua trajetória marcada pela abordagem de temas controversos e desafiadores, que ajudam os leitores a reverem a forma como entendem e se relacionam com as imagens e representações cotidianas. Lembro que folheando livros numa livraria nos fins doa anos 70 – hábito que conservo até hoje – me deparei com texto de Décio Pignatari e Augusto de Campos que discorria sobre os aspectos andrógenos e o universo masculino assexuado de alguns dos nossos heróis das HQs, homens héteros com superpoderes, cissexuais e brancos, como: Fantasma, Tarzan, Batman.
Na imensa maioria dos quadrinhos, as personagens transgêneras são vítimas desses superpoderes pela invisibilidade: é uma forma de pulverizar, estilhaçar a transgeneridade pelo binarismo, imaginando o gênero e a sexualidade de forma dual, na significação homem-mulher.
O Universo Marvel que conhecemos começou em 1961, com o lançamento do Quarteto Fantástico. Mas apenas 30 anos após sua criação é que tivemos a oportunidade de ver pela primeira vez um herói assumir a sua homossexualidade. Quem é esse herói? Trata-se do campeão olímpico de esqui Jean-Paul Beaubier, ou “Estrela Polar”. Criado em 1979, como membro de um grupo de super-heróis patrocinado pelo governo canadense (A Tropa Alfa), foi vetada a sua personalidade gay pelo editor da Marvel, sob o argumento do código de censura, contra a inclusão de personagens homoafetivos. Somente em 1992 pode dizer explicitamente “Eu sou gay”, sendo o primeiro protagonista de um casamento LGBT no mundo dos super-heróis.
A “Graphic Novel” – Recentemente surgiram uma forma de arte gráfica, as “graphic novel”, um formato de história em quadrinhos que trouxe temas importantes como: questões de representação de gênero e sexualidade.
Em 2006, a premiada cartunista americana Alison Bechdel publica “Fun home: Uma tragicomédia em família”, um marco dos quadrinhos e das narrativas autobiográficas, além de uma obra-prima sobre sexualidade, relações familiares e literatura. Nele, pouco depois de revelar à família que é lésbica, Alison Bechdel recebe a notícia de que seu pai morreu em circunstâncias que poderiam indicar um suicídio. Num trabalho muito delicado e sutil, Bechdel explora a difícil, dolorosa e comovente relação com o pai tão enigmático quanto incontornável.
Também em “Azul é a cor mais quente”, lançado em 2010, a francesa Julie Maroh conta a história de Clementine, uma jovem de 15 anos que descobre o amor ao conhecer Emma, uma garota de cabelos azuis. Através de textos-diário de Clementine, o leitor acompanha o primeiro encontro das duas e caminha entre as descobertas, tristezas e maravilhas que essa relação pode trazer. Em 2021 foi filmado pelo franco-tunisiano Abdelatiff Kechiche e ganhou a Palma de Ouro, prêmio mais importante do Festival de Cannes.
Dezembro também nos reserva e revelará outra surpresa: que o nosso emblemático herói da DC Comics, o personagem Tim Drake, um dos vários personagens que assumem o papel do herói Robin nos quadrinhos, se descobre bissexual na décima edição de “Batman: Urban Legends”. Depois de 81 anos da sua primeira aparição nos quadrinhos de Batman, o menino-prodígio, finalmente assumirá a sua bissexualidade, num “momento de iluminação” enquanto lutava para salvar o amigo Bernard das mãos do Monstro do Caos percebe que, na verdade, está interessado nele.
É nesse mundo fragmentado, entre pós-guerras e pandemias que surgirá uma geração comprometida com as transformações da sociedade, a diversidade sexual e de gênero, o reconhecimento de dívidas sociais e públicas a serem saudadas com as minorias e com a própria sociedade, resultante também de um avanço no reconhecimento da importância da saúde mental e liberdade, com personagens de HQs revelados com fragilidades, traumas temporais, desamor, violências, afetos, sentimentos, paixões. Tudo isso abre um vasto campo para se explorar novas histórias e narrativas afinadas aos debates atuais além-midiáticos.
À medida que o tempo avança, a postura desses super-heróis se modifica, interage afora às suas identidades, a expressão de gênero e preferências sexuais. Nela há uma breve esperança, um aceno desprendido ao mundo que, enfim, após um beijo, restituirá toda paz, as garantias sociais, o combate à miséria, crises climáticas e guerras, o racismo, a fome, além da homofobia, a solidariedade aos refugiados e migrantes, em nome da liberdade e justiça.
Apenas um beijo, o desejo diverso na vertigem vermelha dos dias, para muito além dos cintos de utilidades, anéis com feixes-laser e raios ionizantes, armaduras, escudos, laços espadas teias, tão somente um beijo enquanto o mundo, em rotação universal, por um mínimo momento permanecerá imóvel, enquanto um beijo apenas gravitará inefável, tão somente um beijo, só um beijo…
Muito bom! Parabéns! Excelente escolha na temática! Serviço de 1a. nas novidades! ♀️