No momento em que o governo Bolsonaro faz um desfile de tanques para tentar intimidar o Congresso na votação do “voto impresso”, uma comissão na Câmara aprova o ‘distritão’ nas eleições de deputados, que passariam a ser eleitos por votos majoritários, enfraquecendo de vez os partidos políticos e se inspirando no modelo usado no Afeganistão.
Paulo Motoryn/RBA
Um estudo publicado em junho deste ano por um grupo de pesquisadores brasileiros refuta a ideia de que o distritão, aprovado na noite dessa segunda-feira (9) em comissão especial da Câmara dos Deputados, seja um novo modelo democrático para as eleições no país.
O texto-base da PEC 125/11, proposto pela relatora, a deputada Renata Abreu (Podemos-SP), foi referendado por 22 votos a 11 na comissão. A proposta ainda vai passar por dois turnos de votação no Plenário da Câmara antes de seguir para a análise do Senado.
Caso o texto aprovado na comissão prospere, a eleição de 2022 terá a adoção do sistema eleitoral majoritário na escolha dos cargos de deputados federais e estaduais. É o chamado “distritão puro”, no qual são eleitos os mais votados, sem levar em conta os votos dados aos partidos.
Esse sistema seria uma transição para o “distritão misto”, a ser adotado nas eleições seguintes para Câmara dos Deputados, assembleias legislativas e câmaras municipais. Porém, os deputados aprovaram um destaque do PCdoB para retirar esse item do texto.
De acordo com o estudo, “os problemas da democracia brasileira” serão aprofundados com a ideia. O trabalho foi feito sob coordenação de Sinoel Batista e Tamara Ilinsky Crantschaninov, da QCP Consultoria, com pesquisa e redação de Arthur Fisch, Brauner Geraldo Cruz Junior, Caio Momesso, Luiz Henrique Apollo da Silva e Marília Migliorini.
Em entrevista concedida ao Brasil de Fato, Arthur Fisch, doutor em Administração Pública pela Fundação Getúlio Vargas, disse que o “distritão vai aprofundar os problemas da democracia brasileira”. Segundo ele, o modelo não é defendido por cientistas políticos e estudiosos do tema.
“O distritão é um novo modelo, mas atrapalha justamente a representação de minorias e de grupos específicos. Vai beneficiar muito mais candidatos tradicionais: homens, mais velhos, brancos… Isso afeta a representação no país”, declarou.
Fisch externou preocupações com o impacto da proposta no sistema partidário brasileiro: “O modelo vai na direção de uma lógica majoritária em que, no caso de São Paulo, que tem 70 vagas, os 70 candidatos mais votados são os eleitos. O que isso quer dizer? Que você não tem nenhum tipo de agregação no nível de partido. Isso enfraquece os partidos políticos.”
O pesquisador ainda acrescentou outro elemento à discussão. Segundo ele, a proposta tem grandes chances de “deixar as campanhas ainda mais caras, porque você não tem nenhuma agregação, então é todo mundo contra todo mundo, o que pode ainda aumentar os custos eleitorais”.
“Por fim, vale dizer que essa é uma uma discussão que apareceu no passado. Tivemos votações sobre distritão em 2015 e 2017. Nos dois momentos, o tema foi rejeitado, pois é algo que altera significativamente as regras do jogo político. Portanto, precisamos prestar bastante atenção. É um assunto que merece debate, merece análise aprofundada e muitas vezes a gente não faz um debate qualificado sobre esse assunto.”
O estudo ressalta ainda que o distritão não é adotado de forma ampla em outros países. A pesquisa analisa o desempenho do sistema no Japão e no Afeganistão. No país asiático, o uso do distritão foi interrompido em 2017. Já o sistema afegão segue em vigor, sendo uma das únicas nações que mantém o modelo em vigor.
Proposta avança na Câmara
A aprovação definitiva da reforma político-eleitoral depende de, no mínimo, de 257 votos de deputados e 41 de senadores nos dois turnos de votação nos Plenários da Câmara e do Senado. As medidas previstas para as eleições de 2022 precisam ser aprovadas até outubro, um ano antes do pleito.
Vários deputados afirmaram que essas medidas fragilizam os partidos políticos, enfraquecem a representatividade da sociedade no Parlamento e favorecem a eleição de celebridades. O deputado Pompeo de Mattos (PDT-RS) alertou que haverá futuros recursos ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra a proposta.
O deputado Ivan Valente (PSOL-SP) criticou fortemente o texto aprovado, em especial a adoção do voto preferencial, que ele considera que vai confundir o eleitor diante da profusão de candidatos ao Executivo. “Isso é uma vergonha e um escárnio. O que está acontecendo aqui são parlamentares e partidos que estão pensando na sua reeleição e não na ideia de uma democracia e de uma disputa de ideias e projetos de Nação”, afirmou.
Henrique Fontana (PT-RS) se queixou do acordo que viabilizou a votação na comissão especial. “O Brasil fez um plebiscito para descartar o parlamentarismo e, agora, com meia hora de relatório pronto, querem alterar o sistema de voto para a eleição presidencial e para deputados federais. Participei dos acordos para não obstrução, mas querem colocar tudo que o grupo do ‘distritão’ queria – ou seja, ‘distritão’ e volta das coligações – e o lado que eu represento não coloca nada nesse acordo. Que acordo é esse?”, questionou. (Da RBA)