Online – Contemplado com o Prêmio Zé Renato de Teatro na Cidade de São Paulo em 2019, o espetáculo A História de Baker chegaria aos palcos em maio de 2020, mas devido à pandemia e ao fechamento dos teatros teve sua estreia adiada. A partir do nome Baker, a montagem, pensada como um apelo sensível-poético para reavaliar, revolver, redescobrir de que forma age o dispositivo colonial, ganha apresentações virtuais gratuitas nas plataformas digitais de vários equipamentos culturais da capital paulista.
Com concepção de Cristiane Zuan Esteves, que assina a direção e dramaturgia com Beto Matos, A História de Baker ganha o universo online com sessões dias 9, 10 e 11 de julho, sexta-feira e sábado, às 21h e domingo, às 19h, no Teatro Paulo Eiró; 16, 17 e 18 de julho, sexta-feira e sábado, às 21h e domingo, às 19h, no Teatro João Caetano e 23, 24 e 25 de julho, sexta-feira e sábado, às 21h e domingo, às 19h, no Teatro Cacilda Becker. O espetáculo também realiza duas apresentações extras nos dias 12 e 19 de julho, segundas-feiras, às 16h, pelo canal do YouTube A História de Baker.
A montagem passeia pela história do colonialismo, do capitalismo e da exploração, além das várias formas da necropolítica e por elementos autobiográficos trazidos por Cristiane Zuan Esteves. A frente de várias direções, principalmente com o Grupo OPOVOEMPÉ, a atriz volta a atuar, após quase vinte anos, em um projeto pessoal.
Colonizador ou colonizado
A História de Baker atravessa muitos outros Bakers – Josephine Baker, a bomba de Baker no atol de Bikini e a ilha de Baker, entre outros – para refletir com humor sobre nossa posição como devorador ou devorado, colonizador ou colonizado. A partir disso, Cristiane Zuan Esteves pergunta: Somos todos canibais?, já que na peça a artista busca refletir sobre os fatos que assolam as vítimas da colonização até hoje.
“É fundamental neste momento, conhecer esses fatos apagados da história para pensar sobre o que estamos vivendo”, afirma ela. Na montagem, os dois artistas investigam o canibalismo não exatamente como uma prática, mas como uma invenção europeia, um dispositivo discursivo do poder colonial que intenta justamente desprover de humanidade aqueles a quem se quer oprimir, escravizar ou simplesmente eliminar. “Na pesquisa, encontramos em inúmeros exemplos o canibalismo como desculpa para a dominação e escravização dos povos”, adianta Beto Matos.
Material documental
Trabalhando com o envolvimento dos espectadores, aos quais os atores se endereçam diretamente, A História de Baker transita entre o trágico e o irônico. Na montagem, os dispositivos cênicos – câmeras, computadores, telefones celulares e luzes – são revelados e os materiais documentais são tratados de forma elíptica, onde a totalidade dos elementos está ausente ou por se revelar: fotografias que se veem parcialmente, áudios interrompidos, vídeos sem banda sonora. Desta forma, materiais se revelam ou se escondem, amplificam ou omitem parte da informação que carregam, revelando várias possíveis narrativas de um mesmo fato. Os planos narrativos são ligados direta ou indiretamente ao nome Baker.
Dadas as condições atuais da pandemia, o espetáculo previsto inicialmente para acontecer em um teatro, foi transferido para a casa dos encenadores/atores, já que são um casal na “vida real”. Devido ao isolamento social, a criação do espetáculo se misturou à vida cotidiana de ambos. Com moradia temporária em uma casa com mata e quintal, o casal viveu as restrições de criação ao lado de sua filha de seis anos e de seu cachorro Zé, que foram incorporados a trechos do trabalho.
Em meio aos ambientes da casa, entrelaçam-se vários tempos e espaços e ficção e material documental se mesclam. Um espetáculo híbrido que utiliza diferentes recursos: depoimento pessoal, peça conferência, trechos em vídeo e áudios pré-gravados. A História de Baker tem trilha sonora, cenários, luz e material videográfico especialmente concebidos remotamente pela equipe de artistas convidados. A manipulação de câmeras acontece ao vivo pelos atores.
O nome Baker
O projeto inicial nasceu quando Cristiane Zuan Esteves encontrou a história de Thomas Baker, missionário inglês morto e devorado pelos Kai Colo durante o processo de colonização de Fiji, fato pelo qual os descendentes dos supostos “canibais”, hoje convertidos ao cristianismo, realizaram uma cerimônia de desculpas em 2003. “O fato de vítimas da colonização pedirem desculpas a seus invasores me impressionou e indignou muito. Decidi que um dia faria um trabalho a respeito”, conta ela.
Diante disso, a artista pesquisou o nome Baker e tudo que recolheu foi colocado em uma pasta chamada Os Canibais, esquecida em seus arquivos. Dez anos depois, em 2013, Cristiane Zuan Esteves descobre calcificações semelhantes a pequenos dentes em seus joelhos, no chamado Cisto de Baker. “Senti como um chamado para realizar o trabalho. Baker devorado ressurge”.
Desdobramentos durante a pandemia
Logo no início da pandemia, Cristiane Zuan Esteves foi selecionada para apresentar uma parte da montagem na versão online de My Documents, projeto de Lola Arias, realizado pelo Mousonturm de Frankfurt, Alemanha.
Para manter o projeto vivo no longo isolamento, a equipe artística da peça decidiu desdobrar os temas do trabalho em uma websérie chamada Os Capítulos de Baker, que totalizou 10 episódios, apresentados entre setembro e novembro de 2020. Em cada capítulo, Cristiane Zuan Esteves e Beto Matos apresentaram um relato artístico-documental sobre um dos temas pesquisados para o espetáculo. Após a apresentação virtual de cada capítulo, havia conversa com um convidado.
Entre os convidados, destaque para Denilson Baniwa, um dos artistas contemporâneos mais importantes da atualidade por romper paradigmas e abrir caminhos ao protagonismo dos indígenas no território nacional; Jaider Esbell, fundador da Galeria Jaider Esbell de Arte Indígena Contemporânea, localizada em Boa Vista, capital de Roraima, a primeira no Brasil voltada para a produção dos povos indígenas; Angélica Ferrarez, historiadora, professora, feminista negra e pesquisadora da história e memória das mulheres negras e do Samba; Márcia Mura, do Povo Indígena Mura, doutora em história social pela Universidade de São Paulo e mestre em sociedade e cultura na Amazônia, pela Universidade Federal do Amazonas e David Popygua, líder do Povo Guarani da Terra Indígena do Jaraguá.
Para Beto Matos, Os Capítulos de Baker serviram como um mergulho na pesquisa para a montagem da peça e também como uma introdução de A História de Baker . “Fará todo o sentido se o público que pode acompanhar os episódios, veja essa versão online da montagem”, diz ele. Os 10 episódios da websérie continuam online no canal do YouTube A História de Baker.
A HISTÓRIA DE BAKER
Dias 9, 10 e 11 de julho, sexta-feira e sábado, às 21 e domingo, às 19h, no Teatro Paulo Eiró.
Dias 16, 17 e 18 de julho, sexta-feira e sábado, às 21 e domingo, às 19h, no Teatro João Caetano.
Dias e 23, 24 e 25 de julho, sexta-feira e sábado, às 21 e domingo, às 19h, no Teatro Cacilda Becker.
Dias 12 e 19 de julho, segundas-feiras, às 16h, pelo canal do YouTube A História de Baker.
Duração – 60 minutos. Recomendado para maiores de 10 anos. GRÁTIS.
Concepção – Cristiane Zuan Esteves. Direção e Dramaturgia – Cristiane Zuan Esteves e Beto Matos. Atuação – Cristiane Zuan Esteves e Beto Matos*. Assistência de Direção e Colaboração Artística – Andrea Tedesco. Criação Videográfica – Edu Zal. Design de Luz – Grissel Piguellim. Trilha Sonora Original – Pedro Semeghini. Cenários e Figurinos – Júlio Dojcsar. Preparação Corporal – Key Sawo. Provocação Estética, Teórica e Reflexiva – Joana Levi e Júlia Guimarães. Projeto Gráfico – Artefactos Bascos. Operação de Luz e Multimídia – Michelle Bezerra. Operação de Áudio – Rodrigo Florentino. Gestão de Mídias – Kiron. Assessoria de Imprensa – Nossa Senhora da Pauta. Produção Executiva – Paula Malfatti. Assistência de Produção e Auxiliar Administrativo – Daniela Flor. Realização – Basílico Produções. *Participação especial – Catarina Esteves de Matos e cachorro Zé.
(Carta Campinas com informações de divulgação)