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Carta ao antirracista

.Por Ricardo Corrêa.

Caro antirracista,

Não nos conhecemos pessoalmente, mas seguimos um ao outro nas redes sociais. Aliás, geralmente acompanho perfis que compartilham notícias sobre as lutas dos povos oprimidos. E de uns tempos pra cá, reparei que você entrou de cabeça nas discussões sobre o racismo no Brasil. Achei bastante positivo, e deveria ser comum entre pessoas brancas que sonham com uma sociedade igualitária. O racismo não pode continuar sendo atribuído como um problema, exclusivo, dos negros e indígenas. Sejamos honestos, o racismo é fundamentado na branquitude, e uma de suas características é o conluio da elite econômica branca atuando na manutenção dos próprios privilégios. Portanto, a existência do racismo tem a ver com os que se parecem com você, e não comigo. Do lado de cá, somos somente vítimas.

(foto charles nambasi – ccl)

Mas vou te contar uma coisa, sou uma pessoa atenta às discussões que envolvem as questões raciais, e por isso, acabei percebendo incompreensões suas diante do tema. Elas contradizem o discurso de quem se assume antirracista; eis a razão de escrever esta carta a você. Em primeiro lugar, saiba que o mínimo que se espera de pessoas antirracistas é o compromisso moral, e político, com as demandas dos negros e indígenas. Os brancos devem encontrar meios que possibilitem a construção de caminhos que contribuam para a abolição do racismo, ainda que todos nós saibamos da existência de um sistema, instrumentalizado pelo capitalismo, que orienta as opressões. Todavia, as cooperações individuais têm o potencial de mitigar problemas que colocam em desvantagem os negros e os indígenas. Digo mais, os negros estão cansados de discursos que não são transformados em ações concretas, de pessoas que usam os nossos sofrimentos para aumentarem o engajamento nas redes sociais, de pessoas que estão no meio da luta interessadas em construírem capital simbólico, e assim, granjearem oportunidades econômicas.

Lembro da sua discussão com militantes contrários a participação de negros no Big Brother Brasil 21. A insistência em falar que os negros deveriam ocupar todos os espaços foi desnecessária; você ignorou o histórico de estigmas e estereótipos que a televisão brasileira reforça todos os dias. Não compreendeu que, sob o discurso da diversidade, os corpos negros tornaram-se produtos vendáveis nesses programas, e, também, submetidos à subtração da própria humanidade, dentro de um processo de espetacularização. Quando você entrar nessas discussões, empolgue-se menos e aprenda mais.


Não me esqueço da ocasião em que você respondeu “sou pobre, não tenho privilégios” na minha postagem, simplesmente, porque escrevi que os brancos são pessoas privilegiadas. Amigo, é preciso entender que os privilégios nem sempre são econômicos/materiais, mas, sem sombra de dúvidas, são simbólicos/subjetivos. Por exemplo, os brancos nunca são suspeitos (tendo como base a cor da pele) por cometerem crimes. No entanto, se eu fosse um homem rico não estaria livre do olhar enviesado da sociedade, o estereótipo de criminoso está no imaginário social.

Outro assunto que te incomoda, é quando os negros falam que todos os brancos são racistas. O curioso é que você usa o termo racismo estrutural para justificar uma pluralidade de situações, mas reage a acusação sem refletir sobre os fundamentos. O racismo molda a dinâmica das relações de poder e a maneira de interpretação da realidade; a visão de mundo e os limites da existência são baseados nesse construto que alicerça a sociedade. Portanto, ser uma pessoa branca e não participar da reprodução dessa dinâmica − construída na desumanização em diversas camadas das pessoas negras − é basicamente impossível. Nem sempre o racismo é manifestado de maneira consciente, ele também opera inconscientemente. Por essa razão, se você usa os privilégios no combate ao racismo, não se incomode com as acusações. Siga em frente!

E para encerrar as reflexões, deixo a última dica. Não repita a mesma tolice de muitos brancos apanhados em atitudes racistas. Não diga que têm amigos negros, parentes negros, empregados negros, entre outros, como se essas relações mais próximas garantissem um comportamento não racista. Assuma o erro.

De resto, seja bem-vindo a luta!

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