.Por Bruno Beaklini.
Além da Palestina, outras versões do colonialismo – algumas com interpretação de fundamentalismo sionista – também geraram dano em populações originárias. Os invasores europeus criaram regimes de Apartheid no planeta, a partir da globalização do capitalismo mercantil. Certos regimes execráveis duraram mais, tendo por base a presença de “auto-eleitos” em territórios invadidos. Tal foi o caso do sul da África – com o fim do racismo institucional em abril de 1994 – e das 13 colônias que resultaram nos Estados Unidos da América, em agosto de 1965.
Entre as décadas de 1960 e 1990 do século passado, a África Austral viveu um cenário complexo que resultou primeiro em libertação de territórios que ainda eram colônias europeias e, na sequência, na destruição do Apartheid na antiga Rodésia, na Namíbia ocupada, e por fim, na África do Sul. Por mais criticáveis que pudessem ser as organizações lutando contra a presença colonial, a pior destas forças político-militares era infinitamente melhor do que qualquer regime de exceção. Houve um esforço conjunto em Angola e Moçambique, primeiro derrotando os regimentos coloniais portugueses e, na sequência, confrontando as forças mais à direita, manipuladas por tribalismos e alianças sectárias. Cuba, por exemplo, foi aliada fundamental na guerra civil angolana e contra a invasão sul-africana, assim como o reconhecimento do Brasil aos países de língua portuguesa. Não havia militante brasileiro nos anos ’80 que não sonhasse com Luanda e Maputo e desejasse ver Soweto derrotando o regime racista de Pretória.
Muitos são os desafios da Causa Árabe e da libertação do povo palestino. Considerando que todo o Levante se encontra diante de uma permanente luta anti-imperialista e a Palestina, ainda anticolonial, é necessário um esforço permanente para furar o bloqueio midiático e a censura na opinião pública nos países ocidentalizados, expondo o drama de quem vive sob a ocupação estrangeira em pleno século XXI. Do rio ao mar, a entidade sionista promove a internacionalização de sua economia de guerra, exportando conhecimento sensível e praticando o racismo institucional. Qualquer semelhança com a África do Sul sob a legislação do Apartheid não é nenhuma coincidência e a este respeito existem abundantes denúncias.
Segundo a rede Human Rights Watch, o Apartheid é uma política de Estado aplicada na Palestina Ocupada:
“As autoridades israelenses têm cometido uma série de abusos contra os palestinos. Muitos dos que ocorrem no território ocupado constituem violações graves dos direitos fundamentais e atos desumanos que configuram apartheid, incluindo: amplas restrições de movimento na forma do bloqueio de Gaza e um regime de permissões, confisco de mais de um terço das terras na Cisjordânia, condições severas em partes da Cisjordânia que levam ao deslocamento forçado de milhares de palestinos de suas casas, negação do direito de residência a centenas de milhares de palestinos e seus parentes, e suspensão dos direitos civis básicos a milhões de Palestinos”. (https://www.hrw.org/pt/news/2021/04/27/378578)
A denúncia acima citada, que poderia ser pormenorizada nos Territórios Ocupados de 1948 (Nakba) e também os de 1967 (Naksa), encontra respaldo jurídico no Tribunal Penal Internacional de Haia (https://www.icj-cij.org/en).
O conceito de apartheid, segundo o Tribunal Penal Internacional (TPI), é o seguinte:
- A intenção de manter a dominação de um grupo racial sobre outro.
- O contexto de opressão sistemática do grupo dominante sobre outro.
- Atos desumanos.
Esse Tribunal está vinculado às Nações Unidas, conforme o “Artigo 2:
O Tribunal estará vinculado às Nações Unidas “por meio de um acordo que a Assembléia dos Estados Partes no presente Estatuto deverá aprovar e o Presidente do Tribunal deverá em seguida concluir em nome deste”. (http://www.dhnet.org.br/direitos/sip/tpi/esttpi.htm).
Se vamos aplicar os conceitos corretos segundo a Organização das Nações Unidas, em sua Convenção sobre o Apartheid, o Estado invasor criado pelos fundos arrecadados pela Agência Colonial Judaica comete os seguintes crimes de forma permanente:
– Transferência forçada de palestinos para abrir caminho para assentamentos israelenses ilegais / Impedir que os palestinos voltem para suas casas e terras (incluindo milhões de refugiados que vivem no exílio) / Privação sistemática e severa dos direitos humanos fundamentais dos palestinos com base em sua identidade / Negar aos palestinos seu direito à liberdade de movimento e residência (especialmente, mas não limitado aos palestinos na Faixa de Gaza) / Assassinato, tortura, prisão ilegal e outras privações graves de liberdade física / Perseguição aos palestinos por causa de sua oposição ao Apartheid. (https://waronwant.org/news-analysis/israeli-apartheid-factsheet). O conjunto de leis racistas promovidas pelo Estado invasor se encontra neste domínio entre parêntesis (http://apartheidweek.org/wp-content/uploads/2019/03/Table_-the-system-of-Israeli-apartheid-laws.pdf).
Denúncias de crime de guerra
A chefe do Escritório do Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos (ACNUDH), Michelle Bachelet, alertou aos 47 Estados membros do órgão que os ataques indiscriminados e desproporcionais, destruindo a infraestrutura instalada em Gaza, podem caracterizar crimes de guerra. A comunicação foi feita na reunião de 28 de maio, pedida pelo Paquistão e em nome da Organização de Cooperação Islâmica (https://brasil.un.org/index.php/pt-br/129012-onu-lanca-fundo-para-reconstrucao-de-gaza-e-conselho-de-direitos-humanos-aprova-investigacao).
Na mesma linha de denúncia, o relator especial sobre a situação dos direitos humanos nos territórios palestinos ocupados desde 1967, Michael Lynk, reiterou que os ataques de Israel podem vir a ser investigados pelo TPI. Lynk acrescentou que o enclave não era nada mais do que uma “pequena porção de terra, mantendo mais de dois milhões de pessoas sob a ocupação, separada do mundo exterior por um bloqueio abrangente e ilegal por ar, mar e terra”.
Impressiona a franqueza das denúncias, à altura do cinismo dos Estados Unidos e seu apoio praticamente incondicional ao racismo sionista, através de permanente “ajuda militar” e o veto no Conselho de Segurança da ONU. Bachelet, de sua parte, quando esteve à frente do Palacio de La Moneda, operou com políticas contra as populações indígenas, criminalizando a luta do povo Mapuche e militarizando a Araucanía (https://www.brasildefato.com.br/2016/04/27/mapuches-denunciam-militarizacao-dos-conflitos-por-terras-no-chile). Portanto, se trata de uma especialista de racismo institucionalizado e ocupação militar em território originário. A ex-presidenta do Chile entende do tema e reconhece no Estado invasor suas próprias práticas, indo ao encontro dos anseios da extrema direita e do neoliberalismo de linha chilena.
Na luta contra o colonialismo, todas as frentes são importantes e as formas de luta válidas. As sistemáticas mentiras proferidas pelos apoiadores do Apartheid tem a cada dia sua legitimidade questionada. As denúncias da HRW, na ONU e as investigações que podem resultar no TPI operam como uma maneira de escapar da censura midiática, bloqueio da opinião pública e tentativa de controle nas redes sociais manipuladas por algoritmos. A situação beira o irrealismo muitas vezes. O opressor acusa de perseguição quem denuncia o assassinato em massa e a limpeza étnica da população nativa. Todo esforço é necessário para não deixar que a verdade dos fatos sucumba a “narrativa” dos invasores europeus. (Artigo originalmente publicado no Monitor do Oriente Médio (www.monitordooriente.com)
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