.Por Marcelo Mattos.
“A gente não precisa que todo mundo seja soldado, mas todos nós precisamos ser cidadãos”. José Sérgio Fonseca de Carvalho, professor e pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da USP
O grande escritor Carlos Drummond de Andrade, além do exercício diário da sua magnífica lavra poética, também escrevia semanalmente nos grandes jornais. Numa época em que existia uma grande imprensa e jornalistas, logo após os vestibulares de 1977, o nosso poeta maior publicou uma crônica onde questionava a exigência de Organização Social e Política do Brasil (OSPB) nos concursos e currículo escolar “num país onde não existe nenhuma organização política e tampouco social”.
Passadas décadas nos defrontamos com a mesma encruzilhada insensata, com a implantação de escolas cívico-militares no país (e agora na cidade de Santos) sob a justificativa enfadonha de claro conservadorismo moral e disciplinar, do autoritarismo com base hierárquica e um civismo amorfo, embolorado.
O presente projeto de instalação de Escola Cívico-Militar representa um golpe às redes públicas de ensino, buscando justificar a violência no interior das escolas, indisciplina, baixo índice de rendimento escolar e principalmente os valores das liberdades democráticas defendidas, sob argumentos que ferem um conjunto de normas que regulam a educação pública, como a Constituição Federal, a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) e o Plano Nacional da Educação (PNE).
A escola pública é de responsabilidade privativa do Estado e não pode se submeter ao alinhamento compartilhado e militarizado cujas diretrizes anacrônicas podemos tomar como base o atual governo federal, cujos militares são avalistas do genocídio e descaso no combate à pandemia de Covid-19, com quase 500 mil mortes, o desmatamento de florestas, ocupação de garimpos ilegais, mortes de indígenas, além de benesses salariais e vantagens exclusivas ofertadas aos militares.
A substituição de educadores e servidores, aos quais se exige uma formação pedagógica e estatutária por militares, não apenas desvaloriza a profissionalização docente, como também desqualifica a escola pública como espaço de direitos e o exercício da cidadania.
O recente Manifesto em Defesa da Educação Pública, democrática, laica e contra a militarização das escolas públicas da cidade de Campinas, assinado por inúmeras entidades da educação e acadêmica evidenciam que a instalação dessas escolas cívico-militares constitui-se como “uma tática eleitoreira e de manipulação do medo, cuja intenção objetiva impedir o pensamento crítico dos jovens pobres e adestrá-los como mão de obra”, demonstrando que “tais escolas acabam sendo a rota da exclusão e/ou uma passagem para o encarceramento, privando os jovens trabalhadores do acesso à cultura e à socialização do conhecimento”.
É possível afirmar que a nossa inquietude se soma à sociedade com a instalação dessas escolas cívico-militares conservadoras, impondo uma ruptura com as experiências em defesa da instituição pública de ensino iniciadas no período de redemocratização do Brasil, onde tal movimento de ruptura não é novo, mas ganha novos contornos nesta drástica atualidade.
As experiências democráticas constroem-se por meio da participação democrática, pautada dentro de uma agenda pública e nos espaços de exercício da cidadania. Somente uma pedagogia de resgate de uma escola pública fundada em princípios de liberdade democrática conduzirá às ações para um país devastado pelas desigualdades e pela falta de oportunidades educacionais para crianças e jovens.
A militarização de escolas enfraquece o desenvolvimento das dimensões formativas que constituem uma educação de qualidade, como participação, criticidade e liberdade que a cidadania pressupõe.
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