.Por Sônia Fardin.

Essa semana é aniversario de uma pessoa que respeito e admiro, um amigo que já se foi faz alguns anos, sempre o recordo nessa data. Este ano em especial, pois marca o centenário de seu nascimento. Thomaz Perina, viveu e atuou como artista em diversas áreas da cultura visual, destacando-se como pintor. Um grande artista, um excepcional ser humano e uma referência cultural importante que tem sua origem social vinculada à memória da classe trabalhadora em Campinas.

Thomaz Perina (foto sônia aparecida fardin)

Nasceu em 23 de maio de 1921 e faleceu em 28 de novembro de 2009, na cidade de Campinas, São Paulo. Embora algumas publicações apresentem 1920 como o ano de nascimento o correto é 1921. Também há divergências em algumas publicações que indicam o dia 25 de maio e outras o dia 23, sendo este último o indicado por ele como o correto.

Era filho dos imigrantes italianos: Amilcare Perina, originário de Roverbella, província de Mântova, e Angelina Viduani, nascida em Marchiano, província de Arezzo. Amilcare e Angelina chegaram ao Brasil em 1894 e foram trabalhar na lavoura de café na região de Mogi Guaçu (SP), onde se conheceram e, em 1907, se casaram, onde também nasceram os primeiros filhos. Anos depois, mudaram para Campinas, cidade em que nasceram os caçulas e gêmeos, Thomaz e Virgínia.

(Thomaz Perina – as crianças – itp – div)

Em meados da década de 1920, a família passou a morar na Vila Industrial, em uma casa modesta situada na rua Carlos de Campos. O pai do artista trabalhou por décadas na empresa de ferragens McHardy, e nas horas de folga, tocava pistão na Banda Ítalo Campineira e levava a família para participar das festas e cerimônias da igreja e brincar no carnaval de rua. Em 1928, Thomaz Perina iniciou o curso primário na Escola Paroquial São José, que ficava nas dependências da Capela de São Roque, na Vila Industrial.

Thomaz Perina atuou ininterruptamente como artista plástico entre 1945 e 2009, conquistou importantes prêmios, em salões e mostras em várias cidades brasileiras. Sempre morando e trabalhando na casa-ateliê da Vila Industrial, sua imagem esteve ligada à própria imagem da Vila. Nesta Vila, tornou-se uma das mais conhecidas e respeitadas personalidade das artes visuais e da vida cultural campineira, na segunda metade do século XX. Foi protagonista em vários grupos culturais da cidade, além de colaborar com instituições públicas no campo das artes visuais, da memória e da produção cultural. Tudo isso resultado de muito trabalho e pesquisa. Sua produção artística é vasta, suas criações expressam a capacidade de extrair da experiência prática a radicalidade dos conceitos e de expressá-los artisticamente com uma emoção inquietante, tanto nas obras acadêmicas como nas abstratas. Mas, não vou me ater aqui à grandeza e a extensão de sua trajetória artística, pois não é possível apresentá-las devidamente nesse breve espaço.

Hoje quero falar um pouco da grande figura humana que conheci. Fui apresentada a ele no final dos anos 1990, por uma amiga em comum, Dayz Peixoto, que já havia pesquisado e documentado sua consagração como artista. Nossa amizade se consolidou durante o período que dirigi o Departamento de Memória e Turismo, especialmente por ocasião do Projeto Artista de Sempre realizado pela equipe do MACC (2002/2004) e também quando colaborei com Dayz na finalização da produção de um ensaio biográfico sobre ele (2005). Sou grata a Dayz por ter me apresentado ao artista, por ter trabalhado com ela na produção da publicação do ensaio de sua autoria, assim como aos familiares de Thomaz Perina que criaram o Instituto Thomaz Perina com o qual tive a alegria de colaborar de 2007 a 2010 em várias ações, inclusive em um video documentário (citado abaixo).

Nestes trabalhos, principalmente os realizados juntamente com Perina, tive um profundo aprendizado sobre a história das artes em Campinas. Também, em especial, sobre as contradições de uma sociedade que celebra e mitifica criadores de obras de artes, mas apaga os processo sociais e as histórias reais que envolvem seus realizadores.

Não é exagero afirmar que uma das principais marcas da atuação de Thomaz Perina foi a sua convicção da presença da potencialidade artística em todos os seres humanos e em todas as práticas criativas. Assim, ele não pactuava com hierarquias de saberes e, principalmente, com nenhum tipo de preconceito. Com esta convicção, enfrentou os limites da faceta meritocrática da sociedade que não reconhece os saberes dos oriundos da classe trabalhadora e, a seu modo, encarrou as contradições de uma cidade cheia de barreiras sociais. Com sua capacidade de trabalho e sensibilidade humana soube construir relações solidárias, profissionais e familiares, e um significativo círculo de amigos e parceiros. Seu caráter e talento, forjados em espaços coletivos dedicados às técnicas e experimentações criativas, possibilitaram seu acesso à diversas formas de atuação profissional no campo das artes; o que garantiu uma sobrevivência material singela, a inserção de suas obras em instituições públicas e coleções particulares e, também, a realização de ações de memória para registrar e celebrar sua trajetória e a de muitos de seus parceiros. Dentre estas ações, merecem registro especial, um ensaio biográfico, a documentação em vídeo de seu ateliê, a organização de seu acervo em coleções, a criação de uma instituição para preservar e para dar acesso as suas obras e uma tese de doutorado (citadas ao final).

Por tudo isso, em Campinas, Thomaz Perina tem uma importância central na memória social do campo das artes visuais. O que destaco é que Perina viveu e atuou no período em que os artistas e seus espaços de viver e criar passaram a ser alvos de uma significativa produção de documentação e exposição midiática. Neste contexto, Thomaz Perina, como os grandes artistas de seu tempo, soube encarnar a imagem mítica do artista, articular uma trajetória pública e emular um projeto de memória, sem jamais negar suas origens. Seu ateliê na Vila era, para muitos, um local de visitação e busca de orientação. Assim, sem dúvida, foi uma grande referência para toda uma geração de artistas visuais. Com grande empenho trabalhou e recebeu amigos até pouco antes de falecer. Foi uma das pessoas públicas mais gentis e generosas que conheci, absolutamente afetuoso e aberto ao diálogo, sem nunca esquecer de exercer a autoestima necessária para não se deixar abater pelas adversidades. Assim como, também, não se deixar iludir pelas vaidades das celebrações efêmeras.

Para homenageá-lo eu poderia falar muito mais de sua trajetória como artista e como pessoa pública, que são temas que estudei. Mas, como disse, hoje quero lembrar do ser humano que tive a oportunidade de conviver em muitos momentos de alegrias, entusiasmos, celebrações, debates, inquietações, incertezas e esperanças. Enfim, celebrá-lo como uma pessoa muito especial e querida, para mim e para muita gente. Hoje quero reviver os momentos de intensos diálogos nos jardins da casa, nos dias de trabalhos em seu ateliê, nas muitas conversas partilhando a sopa do final da tarde na cozinha da casa, falando de músicas, filmes e das noticias do dia.

Perina, caro amigo, sei que há muito o que dizer a seu respeito neste seu centenário, mas, singelamente, quero lembrar de você brincando e cantarolando Piazzolla, sempre com uma mensagem singular ao usar poucas palavras para dizer muito.

Trabalhos citados:

CASSOLI, Camilo. Eu quero o mínimo pra falar – Trajetórias de Thomaz Perina: documentário. Direção: Camilo Cassoli. Pesquisa: Sônia Aparecida Fardin. Produção: Timbro Filmes e Instituto Thomaz Perina. Produção executiva: Rodrigo Aguiar. Montagem: Camilo Cassoli e Rodrigo Aguiar, Gravado em 2007 e editado em 2009. (29 min), son. color. Apoio. CPFL.

FARDIN, Sônia Aparecida. Escrita de si, escrita do outro: os procedimentos do artista Thomaz Perina em seu livro-arquivo e sua casa-ateliê. Unicamp- IA, Campinas/SP 2016. Tese de doutorado. Orientadora Profa. Dra. Iara Lis Franco Schiavinatto.

FONSECA, Dayz Peixoto e SILVA, José Armando Pereira da. Thomaz Perina: pintura e poética. Campinas: Pontes, 2005.

FONSECA, Dayz Peixoto. Grupo Vanguarda (1958-1966). Museu da Imagem e do Som de Campinas. Campinas: Prefeitura Municipal de Campinas, 1981.

FONSECA, Dayz Peixoto. Sem título, 16 mm, 20 min, 1979.