.Por Bruno Beaklini.

Apresentação

A versão original do texto, publicada no Monitor do Oriente Médio, foi produzida log após os atos da Nakba, logo, dias antes do anúncio do cessar fogo entre o Estado Transnacional financiado pelo Tesouro dos EUA e a resistência palestina. Os acontecimentos da segunda semana da ofensiva da entidade sionista não alteram o sentido do artigo, só o reforçam. O argumento é o mesmo, e a Palestina segue ocupada, embora a heroica resistência impediu a invasão por terra das forças armadas do Apartheid.

(foto kristian rizzi – div)

O 15 de maio no Brasil

No sábado dia 15 de maio de 2021, convocados pela Juventude Sanaud (Voltaremos) e a Federação Árabe-Palestina do Brasil (FEPAL), foram organizados pelo menos dez atos em memória da Nakba, a Catástrofe, a Tragédia do povo palestino consumando a limpeza étnica executada pela máquina de guerra sionista em 1948. Dentre as convocatórias públicas e as carreatas, “entre elas as capitais Brasília/DF, São Paulo/SP, Curitiba/PR, Porto Alegre/RS, Recife/PE e Manaus/AM. Na sexta-feira à noite, a Mesquita Omar Ibn AI-Khatab, em Foz do Iguaçu/PR, foi iluminada com as cores palestinas e uma mensagem de apoio a sua libertação”. (https://fepal.com.br/nakba-e-lembrada-no-brasil-com-manifestacoes-e-carta-ao-povo-palestino-que-resiste/).

O momento é grave e exige toda a dedicação possível das forças políticas palestinas na terra e na diáspora, assim como dos grupos de apoio do Mundo Árabe e nossa diáspora. Definitivamente o adiamento das eleições palestinas – dadas as péssimas condições de segurança na Al Quds ocupada e a constante provocação do inimigo – fica em segundo plano diante da unidade na resistência. Podemos afirmar com a licença poética de nossa cultura que “as pedras em defesa de Al Aqsa se encontram com a artilharia de Gaza”. A data de 15 de maio é central porque marca o protagonismo de um povo em luta, na formação de povo-classe de maioria camponesa (fellah) em refugiados em diáspora e resistentes contra a ocupação de suas terras onde residem há milênios. Para os milhões de árabes descendentes no Brasil, é o que nos posiciona contra o imperialismo, contra todos os imperialismos modernos.

O sionismo como extensão do imperialismo

A entidade sionista fundou seu Estado em 14 de maio de 1948, ao custo da expulsão de mais de 750 mil pessoas de suas terras. A vitória dos paramilitares comandados pelos carniceiros da Palmach, força de choque da Haganah – o que veio a se tornar depois a espinha dorsal das Forças de “Defesa” de Israel (IDF) – foi alimentada pelas duas maiores potências da época: Estados Unidos e União Soviética. A posição de Moscou muda de orientação logo na década seguinte, mas a dos Estados Unidos não. Em plena matança através da aviação de caça do Apartheid Israelense, os EUA autorizaram uma “venda” de Usd 735 milhões de dólares em armas de precisão (https://www.reuters.com/business/aerospace-defense/biden-administration-approved-735-million-arms-sale-israel-sources-2021-05-17/).

Nada disso foi novidade em 30 de novembro de 1947 – quando da declaração de guerra unilateral – e menos ainda nas primeiras presenças de usurpadores sionistas. É importante lembrar que a presença de invasores eurojudeus na Palestina histórica sempre foi apoiada por impérios. O padrão segue idêntico. Após mais de uma semana de ataques por bombardeios e artilharia de tanques e carros de combate contra Gaza, e passados mais de trinta dias da ofensiva contra Al Quds e o bairro de Sheikh Jarrah, a administração Biden se compromete integralmente com o Estado transnacional.

Desde o início o fenômeno se repete. As articulações sionistas iniciam nas entranhas do Império Austro-Húngaro e na geração seguinte, através da presença da liderança de David Ben Gurion nos altos círculos jurídicos de Tessalônica do também decadente Império Otomano. Com a mesma habilidade com que conspirava junto ao Triunvirato dos Três Pashás, o mais influente líder do sionismo mudou de lado, colando nos regimentos coloniais da Inglaterra. Após o final da Era Otomana, a Agência Colonial se gruda na administração inglesa até conseguir aumentar a pressão através do empresariado asquenaze radicado na Costa Leste dos Estados Unidos. Antes do fim do “Mandato” Britânico, o jogo combinado das bandas fascistas da Stern e Irgun (a base da formação do Partido Likud, a legenda eleitoral de Benjamin Netanyahu) e os “trabalhistas” do HaAvoda garantiu a vantagem estratégica na política dos pogroms das aldeias árabes.

De 1948 até os dias de hoje o poder do lobby israelense-sionista em Washington é hegemônico e consegue sustentar o esforço da economia de guerra permanente a partir das verbas do orçamento federal da superpotência e da emissão de mais dívida pública imperialista para o mundo pagar. Não é nenhum exagero afirmar é um “Estado transnacional” manipulado desde a sua concepção por eurojudeus aliados dos impérios do momento. É como uma frase clássica do fisiologismo parlamentar: “se há governo, sou a favor”. No caso dos seguidores de Theodor Herzl, Ben Gurion e Menachem Begin poderia ser: “se há império, somos aliados”.

A unidade árabe que tanto precisamos

Na magistral obra de Oswaldo Truzzi, Patrícios (Editora Unesp, São Paulo, 2008), o autor demonstra o momento de transição das identidades e clivagens da colônia. Na primeira geração era formada basicamente por ex-camponeses residentes em pequenos vilarejos na terra de origem, transformados em mascates no Brasil. O mito fundador do mascate errante indo sertão adentro deu lugar para o reforço posterior dos laços sectários com as tensões originadas da partilha secreta de nossos territórios invadidos pelo Acordo de Sykes-Picot.

Truzzi aponta: “Na verdade, grande parte das rivalidades foi estimulada a partir do momento em que a colônia se diferenciou, quando suas figuras proeminentes constituíram lideranças que passaram a competir na busca de status e prestígio. A mudança em relação ao clima vigente entre os primeiros imigrantes vindos ao Brasil, numa época em que a colônia era menor, mais homogênea e provavelmente mais unida, foi sentida e lamentada por Duoun (obs nossa, trata-se de um autor fundamental no tema da imigração árabe no Brasil), que vinculou o fenômeno à vinda de intelectuais e sacerdotes, por ele chamado de emissários” (pág. 111).

Mais à frente na obra, o pesquisador nos comenta que o termo árabe, como forma de identificação, está vinculado nas origens à condição de militante, da intelectualidade e com algum grau de reforço após as derrotas de 1948 e em especial a de 1967 (pág. 117). Sendo menos pessimista do que o referendado autor, podemos afirmar que ser árabe no Brasil deixou de ser a condição de mascate para ser a de quem defende sua terra de origem invadida. Logo, o dia da Nakba e a solidariedade para o povo palestino é central tanto em nossa causa como em nossa própria existência.

Tudo o que nos divide favorece o inimigo. Só o que pode nos diferenciar é estar ou não em luta anti-imperialista nos nossos países de origem e de forma incondicional, apoiar a libertação da Palestina nos termos que a luta possibilitar. No Brasil, ser árabe e não apoiar a luta do povo palestino é como ser afrodescendente e relativizar o racismo. No mundo também.

O 15 de maio é a data da Nakba, onde reforçamos nossos mais sagrados compromissos como brimos e brimas lutando pela Palestina Livre. Estamos diante de uma encruzilhada: ou nos pintamos de “brancos” em um país estruturalmente racista, ou trilhamos o caminho da redenção, enfrentando o sionismo tanto aqui como na terra. (Artigo originalmente publicado no Monitor do Oriente Médio – www.monitordooriente.com)

Bruno Beaklini (Bruno Lima Rocha Beaklini) é cientista político e professor de relações internacionais de origem árabe-brasileira, editor dos canais do Estratégia & Aná[email protected] | facebook.com/blimarocha

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