A poeta, pesquisadora e crítica literária Jhenifer Silva inicia hoje, 8 de abril, a pré-venda de seu primeiro livro de poesia, no olho da mata virgem, publicado pela Ofícios Terrestres Edições. O livro tem posfácio de Micheliny Verunschk e orelha de Eduardo Sterzi. A pré-venda pode ser acessada neste link.
no olho da mata virgem almeja construir um espaço alterado que é tanto a vida pungente na cidade contemporânea (espaço, por excelência, arruinado e provocador de ruínas do presente) quanto a vida possível oriunda do reino natural (tanto vegetal, quanto animal e mineral). Busca costurar uma espécie de sabedoria ancestral a partir do panteão afroindígena, como é o caso do poema “já não importa”, por exemplo. Também visa dar corpo à consciência de que o equilíbrio da vida se expressa por meio da convivência – ainda que não pacífica – entre lados supostamente opostos. Com conviver pressupõe-se dois pontos fundamentais: 1) o fato inescapável de que dominação e submissão estão na base do projeto de modernidade, antes mesmo de haver um termo que o designasse; 2) a despeito desse fato, o desejo de construir estratégias de vida no e a partir do inescapável, isto é, atuar contra a aniquilação, ainda que aniquilar seja objetivo.
O livro no olho da mata virgem propõe uma alquimia em que as marcas da cultura brasileira -“ocidental” se esgarçam em vários momentos diante do mistério que é a mata-mundo, conforme lembra Jhenifer a partir das palavras ditas por Micheliny Verunschk em conversa com a poeta sobre o livro. O transformar-se em planta ou em bicho ou em outro elemento natural, antes disso, o misturar-se à planta e ao bicho ou a outro elemento natural diz da crise pela qual passa a noção de humano/humanidade e os impactos que essa crise operam no humano e no meio ambiente.
É nesse sentido que uma espécie de entidade mítica de força reveladora e (por que não?) transformadora advém para operar no âmbito da cultura, uma vez que a crise da humanidade e a imagem do homem moderno perdido, tão criticada por Nietzsche, tem a ver com uma crise geral, inflexionada pela crise na educação. E a crise na educação, sabemos, é parte de uma crise mais ampla e profunda: uma crise da sociedade moderna, uma crise da sociedade tida como “civilizada”, tendo em mente as formulações de Nietzsche que já aparecem em seu prefácio a O nascimento da tragédia e, bem depois, as de Adorno em “Educação após Auschwitz” (Palavras e sinais, 1969).
O feminino, elemento natural, potente, produtor de vida e, ao mesmo tempo, destruidor dessa mesma capacidade de produzi-la, conforma, portanto, a matéria paradoxal e inapreensível tanto da vida natural quanto da poesia. Não por acaso a terra, a água, a planta, a dor, a força, a lança (elemento mineral, não esqueçamos), a pedra, dentre outros, dão corpo ao gigantesco mundo-floresta no qual se está e no qual se almeja abrir caminhos, enfrentando, desvendando, contemplando e, quando preciso, apenas esperando, para assim fazer morada.
JHENIFER SILVA (1986) nasceu em Mirassol, no noroeste paulista, e vive em Campinas desde 2013. É mestra em Teoria e Crítica Literária pela Universidade Estadual de Campinas, onde atualmente desenvolve tese de doutorado. Atualmente pesquisa, leciona e escreve poemas. Tem textos em revistas digitais e impressas, das quais se destaca a antologia SE NÃO É FLORESTA É PRISÃO (2021, no prelo), organizada por Nina Rizzi. NO OLHO DA MATA VIRGEM é seu livro de estreia. E-mail para contato: [email protected].
“O título deste primeiro livro de Jhenifer Silva, No olho da mata virgem, é uma declinação no feminino do incipit de Macunaíma: “No fundo do mato-virgem”. Essa inscrição sutil do herói tapanhuma (isto é, a um só tempo negro e indígena) no pórtico do livro funciona como uma síntese do que nele vamos ler. Afinal, No olho da mata virgem está atravessado de ponta a ponta pelas cosmologias afrodiaspóricas e ameríndias, à luz das quais a saudade da casa familiar (de poemas como “Tão perto, tão longe” ou “Esta preciosa faixa contrária”) se torna bem mais ampla: é, agora, a saudade de todo um mundo anterior à sua presente desagregação. O oikos da oikonomia¬ ― da devastadora economia que, depois de transformar as pessoas em mais um objeto de extrativismo, periga consumir, por fim, o planeta ― torna-se o eco, casa geral, isto é, já uma pólis ou cosmópolis, da ecologia (que será poética e política, ou não será). Daí que o livro se abra com uma saudação em iorubá a Oxóssi, apresentando seus poemas como partes de uma longa canção dedicada ao orixá caçador, guardião das florestas (“Orin fun Osowusi”)”.
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“Essa sabedoria arejada ― que às vezes coincide com o riso (que é riso, sempre, apesar de tudo) ― pode ser um antídoto contra a violência do mundo: “o mato volta a crescer, cobrindo toda ferida / foi um assovio ou alguma coisa foi dita? / despreocupada com os pés na grama / rio dos homens só mais uma vez / enquanto treme o meu corpo / inflado por aquele assovio / na navalha do silêncio / ouço trovões grunhi / dos ilumina-se céu / aprendo a falar”. O leitor, com frequência, pode não apreender a totalidade da experiência que serviu de ocasião ao poema, ainda que seja plenamente perceptível a violência latente contra a qual ele se elabora: resta-lhe, porém, a dialética entre ferida e cicatriz que está na origem de uma palavra nova. É na iminência dessa linguagem que este livro ― ainda que construído, inevitavelmente, com palavras já existentes ― se coloca a cada poema. Afinal, “o poema, como a terra, ensina a esperar”.
(Eduardo Sterzi, poeta, professor da Unicamp e crítico literário, que assina a orelha do livro intitulada “Sabedoria selvagem”)
(Carta Campinas com informações de divulgação)