Por Virginia Baldan, Valéria Rachid e Carol Filho.
O ato de celebrar é algo que marca a existência humana. Celebrar é uma forma de cultivar a memória sobre as alegrias e tristezas que nos fazem seres humanos. Alegrias das conquistas, da solidariedade, de nossos sonhos e esperanças se tornando realidade. Tristezas em relação às perdas, às injustiças, às humilhações, às violências, e tudo que nos causa muito sofrimento e precisa ser relembrado e superado pelas nossas lutas.
A origem do mês de luta das mulheres nos remete a esses dois tipos de memória. A celebração remonta à dura luta travada por trabalhadoras por melhores condições de trabalho desde o século XIX. Repressão policial contra as mobilizações e condições de trabalho degradantes marcam essas lutas e reivindicações. Um acontecimento emblemático nesse sentido foi o incêndio em uma fábrica de Nova Iorque em março de 1911, que matou 123 trabalhadoras e 23 trabalhadores. Por outro lado, a definição de uma data para a celebração remonta à força da organização internacional das mulheres no início do século XX, com destaque para lideranças como a revolucionária alemã Clara Zetkin.
O estudo da luta das mulheres nos leva longe. Historiadoras como a italiana Silvia Federici nos mostram como durante a Idade Média houve um forte movimento de perseguição e assassinato de mulheres que lutavam pelo uso comum da terra. Essas mulheres “sábias” detinham também um vasto conhecimento milenar sobre métodos contraceptivos. Esse movimento, liderado pelo clero, grandes comerciantes e senhores feudais, ficou conhecido como o movimento de “caça às bruxas” e tinha como objetivo destruir o status das mulheres, retirá-las do espaço público e enclausurá-las na esfera doméstica sob o domínio do patriarca. A “caça às bruxas” foi o primeiro movimento na Europa voltado para a domesticação da mulher. Conhecer essa história é fundamental para entendermos os desafios que estão colocados hoje.
Em nossa sociedade, a mulher tem assumido o trabalho mais valioso. Pessoas idosas, doentes, crianças, são em geral sujeitos que recebem o cuidado feminino nos ambientes domésticos. Infelizmente vivemos em um mundo no qual o dinheiro vale mais que as pessoas e, por isso, o trabalho doméstico de cuidado não é reconhecido e valorizado.
Além de assumirem a maior parte dos trabalhos dentro de casa, dedicando praticamente o dobro de horas do que as dedicadas pelos homens (PNAD 2016), as mulheres assumem majoritariamente trabalhos fora de casa associados à:
* reprodução, como os ligados à limpeza e alimentação (sendo 92% das pessoas ocupadas em serviços domésticos remunerados – IPEA 2019);
* cuidados de saúde (tendo 85% de presença nas equipes de enfermagem – FIOCRUZ/COFEN 2013) e;
* formação humana (representando mais de 80% entre docentes de educação básica no Brasil – INEP 2017).
Precisamos nos perguntar: por que os homens não assumem mais tarefas ligadas à reprodução, aos cuidados com a saúde e à formação? Não podemos responder essa pergunta perdendo de vista que as mulheres são sub-representadas em funções de chefia (sobretudo nos cargos mais altos de grandes empresas), em cargos políticos eletivos (menos de 15% no Congresso Nacional) e recebem em média 20% a menos do que os homens (PNAD 2019).
Isso tudo revela que o que existe não são simples diferenças entre homens e mulheres, mas um quadro de profunda desigualdade. A inferiorização das mulheres através de baixos salários, sobrecarga de trabalho e falta de reconhecimento só é mantida à base de muito preconceito e violência.
Nos últimos anos, medidas como a restrição de investimentos sociais (2016), Reforma Trabalhista (2017) e a Reforma da Previdência (2019) atacam todo o povo brasileiro, sendo violências estatais cujas consequências são sentidas principalmente pelas mulheres.
Essas violências institucionais se articulam com as violências do dia a dia. São inúmeras as mulheres que já tiveram sua capacidade subestimada ou rebaixada nos postos de trabalho que ocupam. Há aqueles que ainda repetem e acreditam em afirmações vergonhosas como “lugar de mulher é só cuidando de casa”. E, infelizmente, ainda são comuns desde violências “sutis” (não para quem as sofre) a crimes horríveis cometidos por homens que “não suportam” ter seu orgulho ou seus sentimentos feridos por decisões de mulheres sobre suas próprias vidas e seus corpos.
O mês de março tem a simbologia de representar as lutas históricas das mulheres ao redor do mundo por liberdade, igualdade e justiça. Vencer essas lutas caminha junto com a construção de um mundo sem exploração e opressão.
Virginia Baldan e Valéria Rachid são professoras da rede municipal de Vinhedo, militantes do Coletivo Quinze de Outubro e do Coletivo Feminista do PSOL Vinhedo. Carol Filho é professora da rede estadual de São Paulo, militante do Coletivo Quinze de Outubro e do Diretório Estadual do PSOL