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A violência contra a mulher e o Estado social: reflexões para 16 dias de ativismo

.Por Diama Vale.

Os 16 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra as Mulheres é uma campanha de engajamento internacional que acontece anualmente desde 1991, do dia 25 de novembro, Dia Internacional pela Eliminação da Violência contra as Mulheres, até 10 de dezembro, Dia Internacional dos Direitos Humanos.

Uma sociedade que relativiza a violência contra a mulher é covarde. A Lei 13.104 de 2015 definiu que o assassinato da mulher morta por questões de gênero deva ser tratado como feminicídio, uma modalidade de homicídio qualificado. No primeiro semestre de 2020, mesmo considerando o isolamento social imposto pela pandemia, 1.890 mulheres foram mortas de forma violenta no Brasil. Cerca de 1/3 desses casos já foram consolidados como casos de feminicídio. Os dados sobre raça são imprecisos, mas estima-se que 3 de cada 4 mulheres vítimas de homicídio no Brasil sejam negras.

(Foto Pablo IBáñez – arainfo -ccl)

O feminicídio é o desfecho fatal de uma sequência de eventos de violência que leva à morte. Cerca de 1/3 das mulheres brasileiras relatam já ter sofrido algum tipo de violência doméstica ou familiar provocada por um homem. A violência contra a mulher é entendida como qualquer atitude de discriminação, agressão ou coerção que cause morte ou dano físico, sexual, moral, psicológico, social, político, econômico ou patrimonial.

Na violência há dominação e submissão da intimidade e da sexualidade da mulher, com devastação da sua identidade. Geralmente ocorre no contexto doméstico e familiar. A violência doméstica é uma expressão do poder patriarcal, cuja estrutura perpetua a dominação física, econômica e psicológica que o homem tem sobre a mulher entre quatro paredes.

A teoria do ciclo do abuso é extremamente útil para entender as causas da manutenção da violência no âmbito doméstico. Segundo essa teoria, são quatro as etapas que se repetem até que aconteça alguma intervenção: tensão, violência, reconciliação e calmaria. Este modelo justifica o sofrimento psíquico da agredida, mas não é suficiente para explicar a situação de vulnerabilidade que a impede de libertar-se do ambiente hostil.

A fragilidade da vítima de violência precisa também ser compreendida no contexto de sua insegurança social. A dependência da figura masculina dificulta o pleno desenvolvimento da autonomia da mulher. Economicamente, a mulher está em desvantagem ao enfrentar dificuldades para a sua formação profissional, sua inserção no mercado de trabalho e obtenção de remuneração adequada. São agravantes a gravidez na adolescência, a responsabilidade com a criação dos filhos e a falta de acesso a serviços de apoio social como creches e escolas em horário integral.

Os privilégios que a sociedade reconhece ao homem não se limitam ao campo econômico. A cultura patriarcal, registrada desde o “Código de Hamurabi”, perpetua o conceito da superioridade de gênero. O sexismo, amplamente difundido nos códigos culturais da contemporaneidade, contribui para a desvalorização da mulher e o consentimento de comportamentos misóginos pela sociedade.

As mobilizações em torno das pautas feministas são cíclicas e costumam se intensificar nos momentos sensíveis da história, como o atual flerte com o totalitarismo. Os corpos coloridos e/ou despidos que são expostos nas manifestações expressam a necessidade de um ativismo selvagem para catalisar mudanças estruturais nas sociedades. A violência contra a mulher precisa ser combatida nesse contexto. A autonomia da mulher é um ponto crítico para o desenvolvimento sustentável.

Espera-se que em uma sociedade justa o respeito à diversidade de gênero previna os atos de violência. Enquanto isso não é alcançado, os serviços de saúde e de justiça precisam acolher e defender as vítimas. Aos meios de comunicação cabe a missão de ampliar o debate e coibir manifestações sexistas por pessoas públicas que sustentem a misoginia. Aos homens e mulheres cabe o reconhecimento de que o feminismo não é tendência ou estilo. É condição necessária para enfrentar o mal-estar social que estamos submersos.

Referências :

Brasil. Lei nº 13.104, de 9 de março de 2015; Brasil. Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006; Núcleo de Estudos da Violência da USP (NEV-USP), 2020; Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher. Pesquisa DataSenado, 2019; Walker, Lenore E. The Battered Woman. New York, 1979.

Diama Bhadra Vale é médica e professora da Unicamp

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