QUEM PERDEU E QUEM GANHOU EM 2020 E AS PERSPECTIVAS PARA 2022 (PRIMEIROS COMENTÁRIOS)
.Por Wagner Romão.
Passado o segundo turno das eleições de 2020, apresento estes breves comentários sobre seus resultados finais.
O BOLSONARISMO RAIZ PERDEU
O bolsonarismo raiz – do discurso e da prática de violência, de intolerância e de autoritarismo, com todo o preconceito contra a esquerda, Venezuela, Cuba e o comunismo, incensado pelo olavismo – veio se fragmentando e perdendo força ao longo de 2019 e na pandemia. Eleitoralmente esta linha política perdeu e muito, se compararmos ao vigor de 2018.A tentativa frustrada de formar a Aliança pelo Brasil foi a primeira derrota organizacional e estratégica dos setores mais radicais. Isso fez com que este campo político deixasse de jogar unificado sob uma sigla liderada por seu condutor máximo. Bolsonaro não foi capaz de ter seu próprio partido e de monopolizar forças políticas ao seu redor.
O próprio campo bolsonarista se dispersou e perdeu força. O PSL se desagregou e voltou a ser uma sigla menor. A derrota de Joice Hasselmann (lembram dela?) em São Paulo talvez seja a maior expressão disso.
Este campo manteve-se vivo na disputa eleitoral de maneira desarticulada, em setores do DEM, do Republicanos, do Patriotas, do PSC e do próprio PSL. Cresceu em número de prefeituras, mas sua capacidade de intervenção política na sociedade diminuiu muito se compararmos à avalanche de 2018.
BOLSONARO PERDEU? O “FISIOLOGISMO BOLSONARISTA” COMO A CHAVE PARA 2022
Se é verdade que o bolsonarismo perdeu, não dá pra dizer que Bolsonaro perdeu. Também não dá pra dizer que ganhou, pois a resposta – mirando 2022 – depende de saber se ele será capaz de magnetizar o campo da direita que costuma se agregar ao presidente que busca reeleição, o fisiologismo bolsonarista”.A grande massa dos municípios do país está dominada por estes partidos políticos com ideologia conservadora e com prática política fisiológica. PP, PSD, Republicanos, PL, Solidariedade, Avante, Podemos, PSL, PL, Patriota e PSC ganharam juntos mais 1362 prefeituras em comparação ao resultado somado em 2016 (ainda sem contar os resultados do segundo turno).A maioria destes partidos tendem a estar com Bolsonaro em 2022, se sua popularidade se mantiver no patamar atual e se ele for hábil o suficiente para costurar acordos. Bolsonaro ganha ao não estar em nenhum partido relevante pois pode fazer alianças nos estados com este campo.No entanto, vale lembrar que uma das características do fisiologismo é a necessidade de “ganhar sempre”. Ou seja, a depender das disputas estaduais pode haver fragmentação também no interior destes partidos, a ponto de parte deles caminhar com Bolsonaro, outra parte se agregar ao campo PSDB-MDB e, ainda, pode ser possível que estejam até mesmo com candidaturas da esquerda, sobretudo nos estados em que o petismo governa.
PSDB E MDB: OS GRANDES PERDEDORES
Dos grandes partidos, os maiores perdedores foram PSDB e MDB, justamente aqueles que tentam se colocar como uma alternativa a Bolsonaro no campo da direita. Dados do primeiro turno mostraram que o PSDB perdeu 285 prefeituras no Brasil e o MDB perdeu 269.Além das derrotas em si, estes números podem indicar uma migração de políticos do MDB e do PSDB para os partidos do “fisiologismo bolsonarista”.
No Tucanistão (São Paulo), do dublê de governador e marqueteiro João Doria, o PSDB manteve ali as cerca de 170 prefeituras que já possuía, em 645 municípios. É uma marca realmente impressionante, mas não houve crescimento substantivo.
O PSDB se tornou um partido reduzido a São Paulo. Seu maior feito foi manter o governo da capital, com Bruno Covas. Doria se enfraquece como alternativa a Bolsonaro. É cada vez mais um candidato paulista e terá dificuldades em se colocar como alternativa da direita ao bolsonarismo em 2022. Mesmo com o apoio da Globo.
Mais derrota para PSDB e MDB: no campo político que intentam criar, o maior vencedor foi o DEM. Deste modo, é ele que permanecerá dando as cartas no campo da direita que não se alinha ao bolsonarismo (pelo menos em nível nacional).O “NOVO”O Novo foi um das surpresas das eleições de 2018. O então candidato à presidência e CEO do partido João Amoedo cresceu na reta final da campanha, se mostrou uma alternativa ao bolsonarismo para os “liberais” e quase encostou em Alckmin.
O Novo, porém, errou muito. Um exemplo foi seu desempenho em Minas Gerais, onde tem o governador do estado Zema. Lá, lançou apenas três candidatos próprios a prefeituras. No país, conquistou apenas a prefeitura de Joinville e elegeu raros vereadores.
Portanto, para além do bolsonarismo autoritário, a direita liberal “limpinha” e de discurso “empreendedor” também não conseguiu cativar o eleitorado e deixa de se constituir como alternativa viável para 2022.E A ESQUERDA?A esquerda, assim como o bolsonarismo raiz, também perdeu as eleições de 2020.Isso ocorreu se considerarmos as perdas do número de prefeituras – PSB perdeu 158, PT perdeu 78, PCdoB perdeu 36 e PDT perdeu 22 em comparação a 2016, considerados os dados do primeiro turno. E também se considerarmos o segundo turno, ao não se confirmarem as possibilidades de eleição de Marília Arraes no Recife, Manuela D’Ávila em Porto Alegre, João Coser em Vitória, Elói Pietá em Guarulhos e de Guilherme Boulos em São Paulo.
Neste segundo turno, apenas Edmilson Rodrigues em Belém, José de Filippi em Diadema, Marcelo Oliveira em Mauá, Margarida Salomão em Juiz de Fora e Marília em Contagem venceram. Também ocorreram as vitórias do PDT em Fortaleza (confirmando o domínio dos Gomes, contra o candidato bolsonarista) e Aracaju, e do PSB em Maceió. João Campos, do PSB, também venceu, mas com discurso antipetista típico do bolsonarismo.
Penso que o principal saldo do desempenho da esquerda nas eleições foi seu reposicionamento no imaginário político do país. Por um lado, pela capacidade de disputar eleições: das 57 cidades em disputa no segundo turno, o PT esteve em 15 delas, o PSB em 8, o PDT em 4, o PSOL em 2 e o PCdoB em uma. Ou seja, mesmo que as vitórias tenham sido poucas, as disputas se colocaram entre esquerda e direita em pelo menos metade das maiores cidades do país no segundo turno.
Por outro lado, as candidaturas coletivas e as candidaturas de mulheres negras ocorreram em sua maioria por partidos de esquerda. Este fenômeno foi muito forte nas grandes cidades e foi muito discutido na mídia e nas redes sociais. É algo que veio para ficar.
O QUE VEM POR AÍ EM 2022
Bolsonaro precisa do “fisiologismo bolsonarista” e vice-versa. Não vai repetir a “novidade” de 2018. Não tem condições morais nem criou alternativa política à sua maneira. A extrema-direita não empolga mais. O Este conjunto de legendas não terá desejo nem capacidade de apoiar um candidato à presidência que não seja o candidato à reeleição. Todas as outras alternativas à direita – Sergio Moro, Luciano Huck e assemelhados não podem se identificar com estes partidos, sob risco de despejarem no lixo seu “patrimônio moral”.
Doria buscará ocupar o espaço político a partir do PSDB. MDB pode ou não aderir a esta candidatura, assim como DEM. Dependerá da capacidade de Doria se mostrar como o grande opositor a Bolsonaro pela direita “iluminista” (vide o discurso em defesa da ciência que tem feito e que repetiu no pronunciamento da vitória de Covas). E, claro, dependerá da capacidade de Bolsonaro ativar apoios também no MDB e DEM.
Haverá possibilidade de unidade em torno de uma candidatura única à esquerda que envolva PSB, PDT, PT, PSOL e PCdoB? Muito difícil. O mais provável é um campo composto por PSB, PDT e PCdoB e outro campo – de difícil costura – que poderá agregar PT e PSOL.O PSOL permanece sendo um partido pequeno. Aliás, muito pequeno quando se consideram apenas as prefeituras que venceu – as quatro do primeiro turno e a cidade de Belém com Edmilson Rodrigues, em aliança com o PT.
Porém, a campanha de Guilherme Boulos em São Paulo, ao mesmo tempo em que deslocou o PT do centro político no principal colégio eleitoral do país, abriu diálogo com setores da sociedade com os quais o partido não havia se relacionado antes, como parte do empresariado e da elite econômica do país. Mobilizou o eleitorado jovem e reforçou muito sua imagem como alternativa ao PT no campo da esquerda.
O PT, mesmo perdendo prefeituras em comparação a 2016, fez disputas honrosas e permanece vivo. Ainda terá um dos maiores fundos partidários em 2022. Porém, precisa se reinventar, estar mais disposto a inovações políticas, fazer a transição geracional. O que o partido passou nas prévias – sem capacidade de fazer consultas eletrônicas aos seus filiados e filiadas – não pode se repetir.
O campo todo de esquerda precisa rever práticas e se relacionar de maneira mais efetiva com as pessoas nascidas neste século. Isso será fundamental para que as vitórias voltem e que possamos retomar o rumo da esperança e da mudança. Boulos, Manuela e Marília foram gigantes nestas eleições porque expressam este sentimento.
Voltarei ao tema da renovação e das tarefas da esquerda em outro texto.
Wagner Romão, professor de ciência política da Unicamp e primeiro suplente de vereador pelo PT em Campinas.