.Por Marcelo Mattos.
“Não sou ainda suficientemente brasileiro. Mas, às vezes, me pergunto se vale a pena sê-lo”. (CDA)
Talvez houvesse mesmo esta manhã ou a chuva presa à janela embaçada conduzisse o movimento líquido da cidade. Talvez, a apreensão muda do cotidiano nos coloque diante da necessária lembrança do poeta e a oportunidade de celebração, posto que o mundo deixou de ser caduco para ser cáustico.
Carlos Drummond completa 120 anos e, para além da sua imortalidade literária, ressurge luminoso, com a vivacidade essencial dos dias, da universalidade do seu pensamento à cosmovisão inserta na sua poesia, diapasão vibrante entre o eu poético e a posição humana diante do mundo desvelado (devastado?).
A sua terna lembrança, neste momento em que o país mergulha em tão profunda escuridão nefasta, onde o ar, a pretexto de oxigenar, nos asfixia, é preciso aspirar ao desmedido, inconforme amor e o engajamento político de resistência, ainda surda às badaladas das horas, mas ressoando na memória.
Em entrevista concedida ao jornalista Ary de Andrade, em 1945, antes do fim da II Guerra Mundial, declarou que “O fascismo – isto é, – o supercapitalismo encamisado – só será extirpado, como está sendo nesta luta universal, à bala. A burrice, no entanto, esta é grande como o infinito”. Nada tão atual e presente como as suas palavras feéricas, o olhar do poeta itabirano do mato dentro orbitando o mundo.
Sim, Drummond sabe do universalismo a partir do interior mundano de Itabira, do chão vitrificado de limalha, da montanha do Pico do Cauê desaparecida, escarificada pela mineração violenta e do comprometimento político da sua poesia de couraçado combate.
Quem sabe, por isso, reservasse uma concepção tão pessimista diante de uma suposta identidade nacional brasileira, considerando-se “acidentalmente brasileiro” em contraponto a uma posição de pensamento e formação universalista. Forçosamente apartado (quase exilado) da sua deserta cidade natal para ingressar num novo ordenamento de pedra, trem e caminho, prevendo que a essência volátil do mundo está na luta das ruas, nas mãos escalavradas da gente.
Drummond está presente nesses nossos dias sem comiseração e compasso a distinguir a necessidade de se revelar e esquecer o Brasil se “este não é o Brasil. Nenhum Brasil existe. E caso existirão os brasileiros?”; “É preciso coragem para não trair. É preciso força de vontade para não transigir”.