A esquerda em Campinas vem disputando a mesma fatia do bolo
.Por Rogério Bezerra da Silva.
INTRODUÇÃO
Este texto é um ensaio, que tem como objetivo fazer uma análise, bem preliminar, sobre a representatividade eleitoral do campo político da esquerda no município de Campinas.
Apesar da perspectiva pouco otimista que possa transmitir a leitura dos dados neste ensaio apresentados, buscamos, ao contrário, construir aqui “um olhar de esperança para Campinas”, por meio dos sentidos e sentimentos daquelas “vozes que constroem Campinas”. Vozes essas de pessoas que se dedicam cotidianamente a fazer de Campinas uma cidade para cidadãos e cidadãs.
Como diagnosticado por Marcio Pochmann, em palestra sobre “Os desafios de uma gestão de esquerda em meio à crise democrática”, ocorrida em Porto Alegre em 12 de agosto de 2019 (em sul21.com.br, de 13 de agosto de 2019), ou seja, muito antes da Covid 19 chegar ao Brasil, “estamos vivendo um período pré-insurrecional onde a população está extremamente insatisfeita e a extrema-direita tem maior facilidade de conversar com o povo do que a esquerda. Precisamos prestar muita atenção neste momento, pois estamos definindo o país que teremos nos próximos 40 ou 50 anos”.
Ainda, como dito por Pochmann, “a sociedade do final dos anos 70 e início dos anos 80, que deu origem ao PT, não existe mais. Se seguirmos fazendo as coisas do jeito que fizemos até aqui não teremos melhores resultados do que os que já obtivemos”.
Um elemento fundamental nessa nova configuração social é, de acordo com Pochmann, a capacidade de atração e aglutinação das igrejas evangélicas e de grupos ligados ao crime organizado. E essas suas capacidades, como dito por Pochmann, deriva do fato de fornecerem respostas de curto prazo aos problemas cotidianos das pessoas.
Outro elemento dessa nova configuração para o qual Pochmann chama a atenção é o processo de desindustrialização do país, ocorrido principalmente em São Paulo.
Para Pochmann, esse conjunto de elementos exigirá, para a definição de propostas a serem apresentadas à população nas próximas eleições, um grande esforço de aprendizado. Para ele, “será totalmente ineficaz acionar o piloto automático e repetir as práticas tradicionais de campanhas eleitorais realizadas na última década”.
Para não reproduzirmos as práticas de campanhas passadas em Campinas, tal como nos alerta Pochmann, temos que buscar compreender os comportamentos e como “pensam” os eleitores campineiros, além de buscar entender a partir de quais pressupostos os governos agem e como isso influencia a população.
É com esse intuito que apresentamos neste ensaio um conjunto de dados eleitorais que podem nos ajudar nessa tarefa de compreender como se comportam e o que “pensam” esses eleitores. E uma análise, a partir de pensadores contemporâneos, do agir dos governos.
Este ensaio, além desta introdução, possui outras 3 partes mais as conclusões. A primeira parte, “Pensando 2020: os candidatos da esquerda estão competindo entre si pela mesma fatia do bolo”, apresenta uma análise da conjuntura política em Campinas neste ano de 2020. E a análise de conjuntura, como a aqui perpetrada, é feita a partir de três elementos fundamentais: busca entender o comportamento do eleitor; compreender o que “pensa” o povo; e a partir de quais pressupostos são embasadas as ações do governo.
Para isso, apresentamos nessa primeira parte dados sobre as últimas eleições em Campinas e no País a fim de entender o comportamento do eleitor. Apresentamos também uma discussão, a partir de pensadores da política nacional, sobre o que “pensa” o povo brasileiro e, por conseguinte, o campineiro. E uma análise do agir governamental nas três esferas, ou seja, como e a partir de quais pressupostos os governos municipal, estadual e federal perpetram seu agir político.
Na Parte 2, destacamos que, “contra a necropolítica e a aderência do povo ao fascismo, um governo que dialogue com as principais agendas dos movimentos sociais, da sociedade e dos cidadãos campineiros”. E esse programa deve ser construído a partir das contribuições indispensáveis das universidades, por meio de seus pensadores, e daquelas “vozes que constroem Campinas”, que são as daquelas pessoas que se dedicam a defender a melhoria da qualidade de vida dos campineiros.
Por fim, na Parte 3 estão nossas “Conclusões” acerca de como devemos, enquanto esquerda, agir nas eleições municipais neste ano de 2020.
PARTE 1 – OS CANDIDATOS DA ESQUERDA ESTÃO COMPETINDO ENTRE SI PELA MESMA FATIA DO BOLO
Qual o perfil dos eleitores de Campinas?
Em 2018, Campinas registrou um total 849.127 eleitores. Nesse ano, Campinas superou Guarulhos, que tem 814.342 eleitores, e passou a ter o segundo maior colégio eleitoral do estado, ficando atrás apenas do município de São Paulo, que tem 9.052.724 eleitores.
No entanto, no primeiro turno das eleições de 2018, desse total de eleitores, Campinas registrou uma abstenção de 22,19%, 2,84% de votos em branco e 5,92% nulos. Ou seja, 31% dos eleitores não apoiaram nenhum dos candidatos.
Embora a porcentagem seja alta, ainda é menor que a registrada em 2016, quando houve eleições para prefeito e vereadores, em que o índice de abstenções, nulos e brancos foi de 45% do eleitorado.
Do total de eleitores, 27% possuem ensino médio completo e 2% são analfabetos. Sobre a idade do eleitor campineiro, 11% estão na faixa dos 34 a 39 anos e outros 21% possuem mais de 60 anos. No outro extremo, a faixa etária de 16 a 20 anos corresponde a 5,1% dos eleitores. E, do total de eleitores, 53% são mulheres.
Portanto, Campinas tem um percentual muito considerável de eleitores mais velhos, são escolarizados, feminino e um terço não se importa com os resultados das eleições.
Tendências do eleitorado brasileiro: a religião como elemento definidor
Pesquisa Datafolha, de 25 de outubro de 2018, apresentava a intenção de voto no segundo turno das eleições presidenciais de acordo com as preferências eleitorais das várias denominações religiosas.
Entre os católicos, que é a religião com maior número de fiéis, Bolsonaro obteve 51% da intenção de votos (estimados em 29.941.948) e Haddad, 49% (estimados em 28.767.754).
Já nas religiões evangélicas, a segunda com maior número de fiéis, Bolsonaro obteve 69% (21.701.622) da intenção de votos e Haddad 31% (9.790.004).
Entre aqueles que se declaram sem religião, terceiro maior grupo de eleitores, 45% optaram por Bolsonaro (3.302.421) e 55% por Haddad (4.036.292).
Entre os espíritas, quarto maior grupo, Bolsonaro obteve 55% (1.729.839) e Haddad 45% (1.415.323) da intenção de votos. Nas religiões Afro-brasileiras, Haddad obteve 70% (733.871) da intenção de votos e Bolsonaro 30% (314.516).
Como discutido por Carlos Alberto Steil, em “Eleições, Voto e Instituição Religiosa” (Debates do NER, Porto Alegre, ano 2 n.3, setembro de 2001), os candidatos que trazem a investidura de suas igrejas “são, ao que tudo indica, portadores de uma investidura que lhes é conferida por graça e escolha divinas, independente de suas obras ou méritos”. E, acrescenta, “se todas as igrejas e grupos religiosos detém um carisma institucional, algumas acionam mais e outras menos (ou nem acionam) este carisma por ocasião dos pleitos eleitorais”. E isto, segundo o autor, “demarca diferenças significativas em relação ao resultado na contagem dos votos para os candidatos religiosos: os que se tornam depositários do carisma institucional têm mais chances do que os que correm por conta própria”.
Bolsonaro, ainda influente
Pesquisa Datafolha, realizada entre agosto e dezembro de 2019, mostrava que o índice de reprovação a Bolsonaro entre os brasileiros havia caído de 38% para 36%. E os que o avaliavam como regular havia subido de 30% para 32%.
A pesquisa mostrava ainda que, entre os que votaram em Bolsonaro no segundo turno da eleição presidencial de 2018, 58% ainda consideravam, em dezembro de 2019, seu governo ótimo ou bom. E, para 31% dos que votaram nele, o classificavam como regular. Somente 10% dos que compunham esse grupo que o avaliavam como ruim ou péssimo.
Dentre os evangélicos (grupo em que Bolsonaro obteve 70% da intenção de votos no segundo turno das eleições de 2018), 36% consideravam o governo Bolsonaro ótimo ou bom e 27%, ruim ou péssimo. Entre católicos (grupo em que Bolsonaro obteve 51% da intenção de votos), 38% o consideravam ruim ou péssimo e para 29% ele era ótimo ou bom.
Os homens eram os que mais aprovavam o governo de Bolsonaro, com 35%. Enquanto que 26% das mulheres o aprovavam. Entre os com ensino médio completo, 35% o consideravam ruim ou péssimo e 29% ótimo ou bom.
Entre os com renda familiar de até 2 salários, 43% avaliavam seu governo de forma negativa e 22% como positiva. Entre os mais ricos, com renda superior a 10 salários, 44% consideravam a gestão Bolsonaro ótima ou boa e 28% como ruim ou péssima.
O Datafolha realizou pesquisas específicas sobre a gestão de Bolsonaro durante a crise da Covd19. Publicada em 3 de maio de 2020, mostra que a reprovação a Bolsonaro foi de 33% para 39%, enquanto que a aprovação ficou estável (33% ante 35%, em pesquisa anterior).
Ainda de acordo com a pesquisa Datafolha, Bolsonaro é pior avaliado entre as mulheres (43% de reprovação), entre as pessoas com curso superior (50% de reprovação e entre os mais ricos (que acima de 10 salários-mínimos) com 46% de reprovação. Comparada à pesquisa realizada no final de 2019, foi o grupo dos mais ricos onde Bolsonaro perdeu apoio.
Pesquisa da XP Ipespe, divulgada em 4 de maio de 2020, também mostra elevação da avaliação negativa do governo Bolsonaro no Brasil de 42% para 49%. E os que o avaliavam como ótimo/bom caiu de 26% para 21%.
Em pesquisa do Atlas Político, de 27 de abril de 2020, mostrou que 54% dos entrevistados eram favoráveis ao impeachment do Bolsonaro.
Mas, apensar da rejeição a Bolsonaro vir crescendo, ele é fruto de perfis sociais específicos, como mostra pesquisa realizada pelo Vox Populi, feita entre 18 e 26 de abril de 2020.
Segundo o Vox Populi, entre aqueles que possuem o ensino médio, a avaliação negativa de Bolsonaro se elevou de 26%, em abril de 2019, para 40%, em abril de 2020. Entre os com ensino superior, essa elevação da avaliação negativa foi ainda maior, de 28% para 55%. Todavia, entre os com ensino fundamental, essa avaliação negativa caiu de 34% para 30%.
Desde um critério de renda, entre os com alta renda, a avaliação negativa de Bolsonaro subiu de impressionantes 23% para 43%. Entre os com renda média, foi de 32% para 38%. Entre os com baixa renda, em abril de 2019, 32% dos brasileiros o avaliavam negativamente; esse percentual subiu, em dezembro de 2019, para 43%; todavia, apensar de ser maior que o percentual de abril do ano passado, em abril de 2020 38% dos com baixa renda possuíam uma avaliação negativa do governo Bolsonaro.
Ou seja, em plena crise sanitária da Covid 19, são os mais ricos (com as rendas mais elevadas e com maior escolaridade) os que vêm deixando de apoiar o governo Bolsonaro. E, ao passo que perdeu apoio entre os mais ricos e escolarizados, ganhou apoio relativo entre os mais pobres.
Esse dado, sobre o aumento da avaliação positiva do governo Bolsonaro entre os mais pobres, campo até então em que a esquerda tinha muita inserção, pode nos ajudar a pensar como o bolsonarismo está presente nas periferias de Campinas e como essa influência atuou no baixo impacto do isolamento social como medida de contenção à Covid 19 nessas regiões.
Haja vista que, como nos lembra Frei Betto, em “A mentira vos sepultará” (publicado em freibetto.org.br, em 15 de junho de 2020), “120 milhões[, de uma população de 210 milhões de brasileiros, sobrevivem] com renda mensal inferior a R$ 2.380. E 56 milhões de pessoas (14 milhões de famílias) recebem Bolsa Família por terem renda mensal inferior a R$ 178”. Nesse contexto de extrema concentração de renda, “quem pode ficar em casa? Pode o pequeno segmento de privilegiados, entre os quais me incluo, em condições de não sair à rua para garantir a sobrevivência”.
Desse modo, como diz Frei Betto, “a maioria dos brasileiros, contudo, não tem como ficar em casa. São os 120 milhões que ganham menos de dois salários-mínimos por mês. Precisam ir à rua para garantir o pão de cada dia. Ou trabalham em serviços essenciais e não têm alternativas senão pedir a Deus que sejam poupados da infecção letal”.
E, talvez seja justamente por isso, que Bolsonaro venha conseguindo maior inserção entre os mais pobres. Pois, num país em que, nos últimos quinhentos anos, em somente treze deles as políticas públicas foram priorizadas como mecanismos de efetivação de direitos (por meio da geração de emprego e renda), para aqueles em que a retórica do “empreendedorismo e da capacidade para o trabalho” é o cerne de sua formação intelectual, não é de se espantar que o discurso do governo Bolsonaro, de continuidade das atividades produtivas durante a pandemia, tenha tanto apelo social, especialmente entre os mais pobres, os quais têm somente sua atividade laboral cotidiana para o sustento seu e de sua família.
Em Campinas, o governo federal é mais bem avaliado do que na média do País
Não temos dados recentes, mas a Paraná Pesquisas havia divulgado em 7 de outubro de 2019 (portanto, cerca de sessenta dias antes da pesquisa do Datafolha de 9 de dezembro de 2019) uma pesquisa feita no município de Campinas que mostrava que, naquele momento, 52% dos eleitores aprovavam o governo de Bolsonaro e 44% desaprovavam.
Dentre os homens, 63% aprovavam o governo Bolsonaro. Já, dentre as mulheres (maior percentual do eleitorado Campineiro), esse índice caia para 42%. A aprovação de Bolsonaro era grande entre os jovens de 25 a 34 (52%) e de 35 a 44 (52%). Dentre os com ensino médio completo (que é o grau de instrução da maior parte dos eleitores campineiros), 57% aprovavam o governo Bolsonaro. Para os com ensino superior completo esse índice era de 52%.
Uma pesquisa divulgada pelo Ibope, de 25 de setembro de 2019 (doze dias antes da pesquisa divulgada pela Paraná Pesquisa), mostrava que, em âmbito nacional, Bolsonaro detinha 44% de aprovação de seu governo e 50% de desaprovação. Mostrava ainda que, naquele momento, 42% dos brasileiros confiavam em Bolsonaro e 55% não confiavam.
Ou seja, no momento em que o restante do país desaprovava e desconfiava do governo Bolsonaro, os campineiros, em sua maioria, o aprovavam e confiavam nele.
O voto tende a continuar conservador?
Mesmo que Bolsonaro perca sua popularidade, o espaço deixado por ele tende a ser ocupado por outro representante do conservadorismo. Pesquisa Datafolha, de 6 de janeiro de 2020, mostrava que o então Ministro da Justiça, Sergio Moro, era a personalidade mais confiável, de uma lista com 12 nomes, para os brasileiros.
Numa escala de 0 a 10 de confiança, Moro obteve a nota média 5,9 e superou nomes como do apresentador Luciano Huck, com a nota 5,1, do Presidente Lula, com a nota 5,0, e de Bolsonaro, com a nota 4,8.
Moro obtinha notas médias de confiança mais altas entre os que se autodeclararam como brancos (6,5), entre os mais velhos (6,7) e entre os mais ricos (7,3).
Por sua vez, Lula, obtinha notas médias de confiança mais altas entre os mais jovens (5,5), e entre os moradores de municípios com até 50 mil habitantes (5,8), entre os menos instruídos (6,2), entre os mais pobres (6,2) (em Campinas, segundo dados de cidades.ibge.gov.br, de 2017, 30% dos habitantes ganhavam até ½ salário-mínimo), entre os que se autodeclararam como pretos (6,1) e entre os moradores da região Nordeste (6,9). Justamente em um grupo de eleitores distintos ao perfil dos campineiros.
Levantamento feito pela Paraná Pesquisas, publicado em 2 de maio de 2020, mostra que Bolsonaro venceria as eleições presidenciais de 2022. Num primeiro cenário, Bolsonaro teria 27% dos votos, Moro, 18,1%, e Fernando Haddad, 14,1%. Sem Moro na disputa, Bolsonaro teria 29,1% dos votos, Fernando Haddad 15,4% e Ciro Gomes 11,1%. O único cenário em que Bolsonaro não lidera com folga é o da disputa com Lula, em que cada um obteria 26,3% e 23,1% dos votos respectivamente.
Desse modo, o eleitorado campineiro tende a se manter conservador em suas opções eleitorais?
Isabela Kalil, em entrevista ao Sul21, em 29 de julho de 2019, nos ajuda a responder a essa pergunta. Pois, como dito por ela, “o que temos chamado de bolsonarismo é maior do que o Bolsonaro”. Isso porque, “a sociedade brasileira, à medida que vai tolerando determinadas violações de direitos, vai de certa forma ampliando o espaço para que essas violações aconteçam. Elas são reiteradas e recebem apoio da sociedade. A ideia é que, para resolver os problemas, é preciso ter um Estado que puna as pessoas. Inclusive, alguns desses grupos acreditam que não é preciso sequer haver instituições para fazer isso e as pessoas deveriam poder fazer justiça com as próprias mãos”.
A preferência do eleitor campineiro
Essa tendência conservadora do eleitorado também pode estar expressa na corrida eleitoral em Campinas, como pode ser observado nas pesquisas de intenção de voto para prefeito feitas antes mesmo do início do processo eleitoral na cidade.
Feita pelo Paraná Pesquisas, uma sondagem eleitoral em Campinas, divulgada em 7 de dezembro de 2019, mostra que Carlos Sampaio (PSDB) detém 20% da intenção de voto, Rafa Zimbaldi (atualmente no PP) têm 16%. Somadas a intenção de votos nesses dois candidatos do campo conservador, juntos eles detém 36% do eleitorado. Marcio Pochmann (PT), se fosse o candidato, seria o sétimo da lista nessa sondagem, com 6%.
A mesma pesquisa mostra que a avaliação positiva do governo João Dória é de 55% que, por sua vez, é maior que a aprovação do governo de Bolsonaro, que é de 52%. A rejeição ao Dória, 39%, é menor do que a de Bolsonaro, que é de 43,5%.
Dados mais recentes, de levantamento ocorrido entre os dias 18 e 19 de março pelo Instituto American Analytics, mostra que, na pesquisa estimulada, Dr. Helio obteria 20,5% dos votos, seguido por Rafa Zimbaldi, com 9,5%, Artur Orsi, com 4,5%, e Pochmann, com 3,4%.
Em pesquisa espontânea, Dr. Helio, mesmo continuando em primeiro, cai para 10,3% dos votos, Rafa Zimbaldi, permanece em segundo, mas cai para 4% dos votos, Artur Orsi, com 2,2%, e Pochmann, cai de quarto para sexto lugar, com 1% dos votos.
Apesar de, como mostra a mesma pesquisa, Jonas Donizette, ter um índice de rejeição de 66%, o eleitorado campineiro tende, como mostram essas pesquisas, a escolher um sucessor com o mesmo perfil conservador.
A tendência das escolhas dos eleitores campineiros nas últimas eleições
Levantamento que fizemos dos resultados das eleições de 2012, 2014, 2016 e 2018 evidencia alguns elementos importantes acerca das tendências do voto dos eleitores campineiros.
Nas eleições de 2012, Campinas teve 672 candidatos com votos para vereador, os quais obtiveram 452.945 votos. Destes candidatos, 129 representavam partidos de esquerda (PT, PSOL, PCdoB, PDT e PSTU), que obtiveram 93.557 votos (21% dos votos totais).
Nessa eleição de 2012, somente 10 candidatos ligados às igrejas evangélicas ou católicos carismáticos (Rafa Zimbaldi, Professor Alberto, Roberto Alves, Campos Filho, Flores, Pastor Elias, Jeziel Silva, Jorge Schneider e Vinícius Gratti) obtiveram 48.308 votos (11% dos votos totais) em Campinas.
Ainda em 2012, em Campinas, as legendas do PT (16.690), PSOL (2.713), PCdoB (864) e PDT (7.780) totalizaram 28.047 votos. Somados aos votos nos 129 candidatos dos partidos de esquerda, totalizam 121.604 votos.
Em 2012, os candidatos a prefeito dos partidos de esquerda (PT, PSOL e PSTU) obtiveram 170.550 votos.
Nas eleições 2014, foram 1398 candidatos a deputado estadual que obtiveram votos em Campinas, os quais totalizaram 391.105 votos. Destes candidatos, 349 representavam partidos de esquerda (PT, PSOL, PCdoB, PDT, PSTU, PCB e PPL), que obtiveram 83.154 votos (21% dos votos totais).
Nessa eleição de 2014, 7 candidatos ligados às igrejas evangélicas ou católicos carismáticos (Campos Filho, Rafa Zimbaldi, Gilmaci Santos, Martas Costa, Pastor Carlos Cezar, Rodrigo Moraes e Pastor Cezinha) obtiveram 74.015 votos (19% dos votos totais) em Campinas. Os votos nas legendas, por município, não estão disponíveis para consulta.
Em 2014, os candidatos a governador dos partidos de esquerda (PT, PSOL, PCB e PCO) obtiveram 116.637 votos em Campinas.
Nas eleições 2016, foram 792 candidatos a vereador com votos em Campinas, os quais obtiveram 482.801 votos. Destes candidatos, 129 representavam partidos de esquerda (PT, PSOL, PCdoB, PDT, REDE e PSTU), que obtiveram 65.764 votos (14% dos votos totais).
Nessa eleição de 2016, 12 candidatos ligados às igrejas evangélicas ou católicos carismáticos (Rafa Zimbaldi, Campos Filho, Felipe Marchesi, Professor Alberto, Vinícius Gratti, Jeziel Silva, Nelson Hossri, Flores, Pastor Elias, Fernando Mendes, Carmo Luis e Jorge Schneider) obtiveram 63.550 votos (13% dos votos totais) em Campinas.
Nessa eleição de 2016, em Campinas, os votos nas legendas do PT (7.358), no PSOL (1.863), PCdoB (347) e PDT (2.485) e REDE (423) totalizaram 12.476 votos. Somados aos votos nos 129 candidatos de esquerda, totalizam 78.240 votos.
Em 2016, os candidatos a prefeito dos partidos de esquerda (PT, PSOL, REDE, PCO e PSTU) obtiveram 92.638 votos.
Nas eleições 2018, 1583 candidatos a deputado estadual obtiveram votos em Campinas, os quais totalizaram 502.677 votos. Destes candidatos, 326 representavam partidos de esquerda (PT, PSOL, PCdoB, PDT, PSTU, PCB, PPL, REDE), que obtiveram 93.679 votos (18% dos votos totais).
Nessa eleição de 2018, 5 candidatos ligados às igrejas evangélicas ou católicos carismáticos (Rafa Zimbaldi, Campos Filho, Gilmaci Santos e Marta Costa) obtiveram 74.392 votos (14% dos votos totais) em Campinas. Somente a Janaina Paschoal obteve, nessa eleição, 92.199 votos. E, nessa eleição, dentre os candidatos de esquerda com votos em Campinas, Pedro Tourinho foi o mais votado (18.824 votos).
Em 2018, os candidatos a governador dos partidos de esquerda (PT, PSOL e PSTU) obtiveram 90.015 votos em Campinas.
Esses dados, sobre a disputa legislativa, que, talvez melhor represente o comportamento do eleitor, podem ser observados no quadro que segue:
Quadro 1: comparação entre as eleições em Campinas
Fonte: elaboração própria, a partir de dados de https://placar.eleicoes.uol.com.br, dos anos de 2012, 2014, 2016 e 2018.
Nas eleições municipais de 2012, os partidos de esquerda tiveram 19% dos candidatos a vereador, os quais conseguiram 21% dos votos. Nessa mesma eleição, os evangélicos e católicos carismáticos foram 1,5% do total de candidatos e, sozinhos, conseguiram obter 11% dos votos.
Comparadas as eleições municipais de 2012 a 2016, os partidos de esquerda tiveram uma diminuição do número de candidatos a vereador, de 19% para 16%. E também uma queda bem acentuada no total de votos, de 21% para 14%. Nessa mesma eleição, os candidatos evangélicos e católicos carismáticos se mantiveram nos 1,5% do total de candidatos e, sozinhos, aumentaram sua representação de 11% para 13% dos votos.
Já nas eleições de 2014, a esquerda teve 25% dos candidatos a deputado estadual, os quais obtiveram 21% dos votos. O número de candidatos ligados às igrejas foi 0,5%, os quais obtiveram 19% dos votos.
Comparadas as eleições de 2014 e 2018, os candidatos a deputado estadual dos partidos de esquerda tiveram uma redução de 25% para 20% do total. Também houve uma queda de seus votos, de 21% para 18% do total.
Os candidatos ligados às igrejas também diminuíram, de 0,5% para 0,3% do total. Essa mesma diminuição é observada em seus votos, de 19% para 14%.
Dessa forma, como dito por Carlos Alberto Steil (já citado anteriormente), os candidatos religiosos que se tornam “depositários do carisma institucional têm mais chances do que os que correm por conta própria”.
Os pressupostos do agir governamental: a necropolítica como fundamento
Além do comportamento dos eleitores, a análise de conjuntura deve considerar também o agir governamental, buscando evidenciar quais são os seus pressupostos. Ou seja, como e a partir de quais pressupostos os governos perpetram seu agir político.
Nesse sentido, de modo a compreender o agir dos três níveis de governos que aqui nos interessam, que são o Federal, o do Estado de São Paulo e, especialmente, o do Município de Campinas, haja vista que temos que entender a conjuntura política atual e o modo como ela pode interferir nas eleições municipais, trazemos aqui algumas considerações de pensadoras e pensadores da política contemporânea.
Dentre eles, fundamentalmente Achille Mbembe, com em seu célebre livro “Necropolítica”, publicado em 2018, que nos permite entender o agir de governos deste a prática da necropolítica. Necropolítica significa uma alteração das noções de soberania e poder, que passam a ser entendidas desde o princípio de quem pode viver e quem deve morrer.
Daí que vem sua afirmativa de que a “expressão máxima da soberania reside em grande medida, no poder e na capacidade de ditar quem pode viver e quem deve morrer. Por isso matar ou deixar viver constituem os limites da soberania, seus atributos fundamentais. Exercitar a soberania é exercer controle sobre a mortalidade e definir a vida como a implantação e manifestação de poder”.
É nesse sentido que Gislene Santos, professora associada da EACH/USP e coordenadora do grupo de estudos nPeriferias do IEA/USP, em “Reflexões em tempos de pandemia, necropolítica e genocídios” (publicado no Jornal da USP, em 5 de maio de 2020), vai dizer que “necropolítica é o modo como o Estado, por meio de suas políticas, decide, a cada minuto, quem vive e quem morre. Penso que, agora, isso possa estar ocorrendo em hospitais de todo o mundo”. Segue dizendo que “não faltam dados para indicar que o tratamento das pessoas pobres e pretas, nos serviços de saúde, também é desigual”.
Tal como dito por Gislene, “nosso modelo de Estado e nosso estilo de vida estão assentados sobre a produção da morte de pessoas pretas, pobres, faveladas”. Aqui ela está “refletindo sobre políticas de extermínio que não deixam de existir. E são várias formas de matar. Matar o corpo e matar a alma”.
Esse também é o mesmo entendimento de Rosane Borges, jornalista, professora e pesquisadora do Colabor (Centro Multidisciplinar de Pesquisas em Criações Colaborativas e Linguagens Digitais) da ECA-USP (Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo), sobre os processos sociais. Para ela, em entrevista à Ponte, em 25 de setembro de 2019, “a gente vê hoje um Estado que adota a política da morte, o uso ilegítimo da força, o extermínio, a política de inimizade. Que se divide entre amigo e inimigo”. E segue dizendo que “é o que a gente vê, por exemplo, nas favelas, nas comunidades do Rio de Janeiro, nas periferias das grandes cidades brasileiras”.
E, como salienta Marcia Tiburi, professora de filosofia na Universidade Paris 8, em “a ameaça de extinção não deve ser descartada como um absurdo” (publicado em Socialista Morena, em 21 de março de 2020), “não devemos deixar de lado que a imensa maioria da população nos mais diversos países está sob ameaça de morte. É natural que nos escandalizemos com a atitude de chefes de Estado como o brasileiro que, até o momento, age segundo a loucura e a destruição que foram transformadas em forma de governo no Brasil”. Ela segue dizendo que “agora Bolsonaro acrescenta um projeto de extermínio do povo e admite fazer do seu próprio corpo o veículo da morte quando encontra pessoas e age sem os critérios de segurança sanitária da quarentena respeitada em todo o mundo”.
Ainda, como destaca Marcia Tiburi, em “Bolsonaro é uma arma das oligarquias e do capital contra os trabalhadores” (reportagem da Rede Brasil Atual, de 22 de abril de 2020), “um aspecto notório para muitas pessoas é o estilo de governo do presidente. Ele parece ter definido um paradigma de governo, como se continuasse em campanha política”. E isso, para Tiburi, “é como se Bolsonaro fosse aquela figura que tivesse que fazer o trabalho sujo. É muito comum em empresas que estão com problemas econômicos ou que têm algum tipo de interesse mais nefasto que se contrate uma pessoa para ‘cortar cabeças’, fazer terrorismo, assédio moral. Acho que o Bolsonaro é essa pessoa, uma espécie de CEO de uma empresa colocado ali por toda uma corporação, pelas oligarquias que se apoderaram do Brasil, os vampiros nacionais, para fazer essa cena”. Ou seja, Bolsonaro serve a um projeto das elites e, portanto, não age sozinho.
Bolsonaro, como o atual Presidente da República, não é o único representante da necropolítica e do fascismo no Brasil. Como bem nos lembra Juliana Borges, em seu “Necropolítica na metrópole: extermínio de corpos, especulação de territórios” (publicado no Blog da Boi Tempo, em 1 de junho de 2017), “a ação da gestão do [então] Prefeito João Dória na região da Luz, Campos Elíseos, em São Paulo foi das piores e mais truculentas da história recente. Um efetivo de centenas de policiais desferiram bombas e balas espalhando medo e violência em uma suposta ação contra traficantes. Além disso, imóveis foram lacrados sem que as pessoas pudessem retirar seu pertences e a demolição desastrosa e mal planejada de um edifício culminou na queda de paredes com pessoas no interior do imóvel”. E, para Juliana Borges, “o que explica tamanha truculência?”.
Como dito Julian Borges, “ao mobilizar centenas de policiais e manifestar expressiva violência naquele território da Luz, a atual política da administração municipal de São Paulo tem por objetivo não apenas o controle, mas visa limpar pessoas e abrir caminho aos interesses corporativos e financeiros. É a “Cidade linda” operando na lógica da limpeza social e racial do território e abrindo-o para interesses mercadológicos. São as dominações racista e classista em funcionamento interseccionado”.
Não são diferentes as noções de soberania e poder, entendidas desde o princípio de quem pode viver e quem deve morrer, adotados pela atual gestão Jonas Donizette (filiado ao PSB) em Campinas.
Como destacado pelo autor deste ensaio em “Nas epidemias, alguns governos se dedicam mais a salvar vidas (dos ricos)”, publicado em ctpublica.wordpress.com, em 17 de junho de 2020, “a doença [Covid 19] avança para a periferia da cidade; os casos de Covid 19 são maiores nas regiões mais vulneráveis!”. E, como dissemos ali, “mesmo diante desta alarmante situação epidemiológica, ‘a Prefeitura de Campinas anunciou, durante transmissão ao vivo na manhã desta quinta-feira, 4 de junho, a reabertura, com restrições, de comércio de rua, prestadores de serviços, shoppings, escritórios, igrejas e templos religiosos a partir de segunda-feira, 8 de junho’”. E, destacamos que “essa retomada de atividades econômicas é anunciada num momento em que, tal como dito por Eder Gatti acerca da capital paulista, a doença migra para regiões periféricas de Campinas. E, assim como ocorre na capital paulista, os hospitais privados de Campinas têm, neste momento, baixa taxa de ocupação de leitos de UTI e os públicos estão superlotados”. Ou seja, assim como Bolsonaro e Doria, Jonas Donizette também adora a necropoliítica como mecanismo de governo.
E, tal como dito por Simone Ishibashi e Leticia Parks, em “Um debate com Mbembe e a tese de necropolítica em tempos de pandemia” (publicado em Esquerda Diário, em 17 de maio de 2020), “fato é que, frente ao coronavírus se fortalece a aparência necrofílica do capitalismo, e os seus mecanismos repressivos, e que mesmo não sendo uma guerra, a situação posta pela pandemia difere da normalidade anterior”. Como dito por elas, “se até alguns meses atrás os Estados capitalistas reprimiram e matavam, sobretudo os negros e pobres, em escala suficiente para manter o medo e o silêncio nas massas negras mais precarizadas – hoje com a pandemia administra a quantidade de mortes necessárias para impedir a perda de seus lucros”.
O povo, cada vez mais aderente aos pressupostos fascistas
Como explicar que, mesmo após diversas ações voltadas ao aniquilamento de direitos sociais, à deliberação de quem morre e quem pode viver, racistas, homofóbicas, feminicidas, os governos que chamamos de conservadores ou fascistas continuam com forte apoio eleitoral, como visto nos dados eleitorais que apresentamos?
Embora muitas vezes associados, o “pensamento” (crenças e práticas) do povo não deve ser compreendido como determinado pelo agir do governo. E nem mesmo o “pensamento” do povo deve ser tratado desde uma perspectiva de um coletivo que tem, a princípio, consciência de ser oprimido pelo agir do governo e, que, portanto, luta contra essa opressão. Existem autonomia relativa do “pensamento” do povo em relação às ações do governo.
É nesse sentido que Jessé Souza, em “A ascensão do fascismo” (publicado no Jornal GGN, em 13 de outubro de 2018), ao buscar compreender porquê pressupostos fascistas tornam-se tão aderentes no povo brasileiro, vai dizer que “o que tem que ser explicado, portanto, é como ele [o fascismo] contaminou as próprias classes populares”. O povo brasileiro tem cada vez mais feito “a oposição pobre honesto versus pobre delinquente”, como dito por Jesse Souza. E essa distinção, como dito por ele, “perpassa os mais pobres dificultando enormemente qualquer solidariedade de classe”.
E Paulo Roberto Pires, em seu “O fascista da esquina” (publicado em Quatro Cinco Um, em 17 de junho de 2020), também tentando entender o que “pensa” o povo brasileiro, faz as seguintes indagações: “como Hitler e Mussolini foram possíveis? Como um dia se achou razoável apoiá-los e elegê-los? Que difícil escolha teriam enfrentado seus eleitores?”.
Ele vai dizer que, “se os momentos históricos não se espelham, há mais semelhanças do que se poderia desejar entre cidadãos que, num tempo e noutro, abraçam valores e práticas fascistas”. E, por isso, o povo, “limitado por uma baixa capacidade de abstração”, está “predisposto ao autoritarismo” e “troca de bom grado princípios como ‘liberdade’ e ‘cidadania’, para ele vagos, por recompensas imediatas”. E, segue dizendo, que “é disso que se beneficiam as lideranças autoritárias, bem como dos variados eufemismos que se usam para descrever práticas e valores de extração fascista”.
E é assim que, segundo Jesse Souza, “a ‘ética da virilidade’ – ou seja, a ética dos que não tem ética – do fascismo reina absoluta. O fascismo arregimenta a partir de cima os ressentimentos, medos e ansiedades sem explicação possível e os canaliza a ‘bodes expiatórios’ externos”. E, segue dizendo, que “o antipetismo é apenas o mais óbvio. Mas todo fascismo usa e abusa da sexualidade reprimida das classes populares. A homossexualidade que não pode ser admitido em si mesmo é canalizado em selvagem agressão externa e o ódio a mulher percebida como ameaça incitam a uma agressiva regressão a padrões primitivos de relações de gênero. O pobre não é apenas pobre. Ele é humilhado e dominado por valores construídos para subjugá-lo. Isso confere ao fascismo enorme capilaridade e contamina a vida familiar e relações de vizinhança em todos os níveis da sociabilidade popular”.
PARTE 2 – CONTRA A NECROPOLÍTICA E A ADERÊNCIA DO POVO AO FASCISMO, UM GOVERNO QUE DIALOGUE COM AS PRINCIPAIS AGENDAS DOS MOVIMENTOS SOCIAIS, DA SOCIEDADE E DOS CIDADÃOS CAMPINEIROS
Como apontado por Renaud Lambert, em 4 de Janeiro de 2016, no Le Monde Diplomatique Brasil, as dificuldades da via democrática para o socialismo envolvem também definir com quais eleitores contar. Como dito por ele, “nos países onde as ditaduras reprimiram as organizações comunistas, o neoliberalismo pulverizou os raros bastiões de trabalhadores e a mídia permanece nas mãos do setor privado, querer forjar uma base eleitoral majoritária focando exclusivamente os segmentos radicalizados da população equivale – por enquanto… – a perseguir uma quimera; renunciar a eles, a entreabrir a porta ao pragmatismo, sem saber até que ponto ela vai se escancarar”.
E, para vencer a necropolítica e o fascismo, o nosso agir político tem que estar sempre fundamentado em duas dimensões que não podem ser dissociadas: uma, que é a dimensão conceitual e, a outra, a da materialização da prática.
Sobre a dimensão conceitual, são quatro as colunas do nosso agir político: o território usado, tal como abordado por Milton Santos; a centralidade da produção, com a economia solidária e desenvolvimento tecnológico, tal como tratado por Renato Dagnino; o “bem viver” na coletividade, tal como discutido por Marcia Tait e Leda Gitahy; e o combate ao racismo, ao feminicídio e à homofobia, como apontado por Djamila Ribeiro.
Como dito por Milton Santos, em “O espaço do cidadão” (de 2007), o território, ou os usos que se faz dele, é onde se fundamenta o trabalho, é o lugar de residência, das trocas materiais e espirituais e do exercício da vida. E, estando no território, “o simples nascer investe o indivíduo de uma soma inalienável de direitos”. “Direito a um teto, à comida, à educação, à saúde, à proteção contra o frio, à chuva, às intempéries, direito ao trabalho, à justiça, à liberdade e à uma existência digna”. Direitos esses que podemos chamar de “direito à cidade”.
Por sua vez, como discutido por Renato Dagnino, em “Tecnologia Social como ferramenta de mudança” (publicado no Jornal da Unicamp, em 2012), “para superar a pobreza é necessário gerar trabalho e renda”. E, para isso, “a ideia é que o governo estimule a Economia Solidária entendendo-a como um dos eixos se sua política pública com uma importância pelo menos semelhante àqueles que a proposta hoje hegemônica do neodesenvolvimentismo vem privilegiando”. Prossegue dizendo que “temos que pensar em possibilidades que vão desde a indução de demanda, em particular a relacionada com os bens e serviços produzidos com Tecnologia Social que podem ser alvo do poder de compra do Estado, até a articulação da Tecnologia Social com políticas públicas, especialmente as políticas sociais”.
Já, como dito por Marcia Tait e Leda Gitahy, em “Ações coletivas latino-americanas e teorias feministas: potências éticas e epistemológicas” (publicado no 13º Mundos de Mulheres e Fazendo Gênero 11, em 2018), “o Bem Viver possui uma gama de conotações filosóficas, semânticas e políticas, que se conectam no princípio de harmonia e pertencimento à Natureza e na vida comunitária de povos e suas lutas”. E, fundamentalmente, “bem viver” significa “escutar antes de falar, dizer coisas que sabe e referendar suas palavras com seus atos”.
E, como nos diz Djamila Ribeiro, em “A gente luta por uma sociedade em que as mulheres possam ser consideradas pessoas”, entrevista ao Portal Geledés, em 6 de novembro de 2018, compartilhamos a certeza de “que mulheres não devem ganhar menos por serem mulheres, que elas não devem ter uma vida marcada pela violência”. E, prossegue dizendo que, “quando as pessoas entendem que a gente está lutando por justiça social, por equiparação e por equidade, não tem motivo para não ser feminista”. Outro elemento fundamental, o qual devemos sempre ter em mente, é que “quando a gente está falando de feminismo negro, a gente está marcando que são mulheres negras pensando o mundo e uma sociedade sem opressão, um lugar em que a gente possa lutar contra o racismo, o machismo, a questão de classe”.
Desse modo, tal como salientando na Figura 1 abaixo, é no uso queremos dar ao território, efetivando o direito à cidade, gerando trabalho e renda, pela Economia Solidária e pela Tecnologia Social, partindo do pressuposto de que é na construção coletiva que se estabelece o “bem viver”, nunca desassociando qualquer proposição do combate ao racismo, ao feminicídio e à homofobia, é que devemos sempre pautar nosso agir político.
Figura 1: as quatro colunas do nosso agir político
Fonte: elaboração própria.
E isso só é possível quando reconhecemos, nos integramos e ajudamos a fortalecer as lutas dos movimentos sociais. E essa é, preciosamente, a segunda dimensão do nosso agir político: a das lutas (a prática) dos movimentos sociais.
Em Campinas, ao longo dos últimos anos, foram se constituindo as principais lutas dos movimentos sociais, fundamentadas nesse uso que se quer do território, na geração de trabalho e renda, no “bem viver” e no combate ao racismo, feminicídio e homofobia. São elas:
“A nossa luta é todo dia! Educação não é mercadoria!”
– Contra a militarização das escolas públicas: a luta contra a implantação de escolas militarizadas em Campinas tem unido educadores de todo o Município, moradores e alunos;
– Contra o fechamento de salas de EJA: essa luta tem reunido educadores e jovens e adultos, haja vista que, para este ano, o Prefeito de Campinas fechou 40% das salas de EJA no Município;
– Monitores e Agentes de Educação Infantil: esses educadores vêm reivindicando, faz anos, que sejam enquadrados na carreira do magistério, haja vista que estão no quadro geral de servidores da Prefeitura. Sem esse enquadramento, eles não têm plano de cargos e não têm direito ao recesso de meio de ano, como os demais profissionais do quadro funcional da educação;
– Contra o Assédio Moral nas unidades de educação: professores estão se removendo de suas unidades educacionais por conta do assédio que estão sofrendo de gestores;
– IFSP Campinas: o campus do IFSP no Campo Grande representa uma grande conquista para a periferia do Município.
“O SUS é nosso, ninguém tira da gente, direito garantido não se compra e não se vende!”
– Reformas de Centros de Saúde: todos os cerca de 15 centros de saúde reformados pelo Prefeito apresentaram intensos transtornos à população, pois foram realizados sem qualquer planejamento, as obras extrapolaram em muito o tempo definido para a entrega e, o mais grave, continuaram apresentando sérios problemas estruturais. Além de tudo, continuaram, mesmo após o final das obras, com falta de profissionais da saúde;
– Construção dos Centros de Saúde nos residenciais Sirius/Cosmo e no Jardim Myrian: há uma grande demanda pela construção de centros de saúde em diversas localidades do Município; todavia, são os moradores dos residenciais Sirius/Cosmo (na Região Sudoeste) e do Jardim Myrian (Região Leste) os que mais têm realizado pressão sobre a Prefeitura para que esses equipamentos de saúde sejam construídos em seus bairros;
– Atendimento nos Hospitais Dr. Mario Gatti e Ouro Verde: esses hospitais, mesmo após as operações do GAECO, continua apresentando diversos problemas para o atendimento da população, entre eles, os que mais se destacam são a demora por mais de 60 dias para o início do tratamento de diagnosticados com doenças oncológicas, a desestruturação do SAD Sudoeste e a existência de apenas 2 psicólogos no Hospital Dr. Mario Gatti;
– Acesso dos surdos aos equipamentos de saúde: uma das principais reivindicações da comunidade surda tem sido pela criação de uma central de intérprete de LIBRAS com profissionais capacitados, com formação contínua, para atender e acompanhar os surdos em consultas e procedimentos realizados na área da saúde.
– “CPI da Saúde Já!”: a investigação sobre denúncias de desvios de dinheiro no Hospital Ouro Verde teve início com a denúncia de irregularidades na contratação da Vitale feita pelo Mandato Pedro Tourinho.
“Ciclovias já! Cadê os 100Km?”
– Movimento de pessoas em prol da mobilidade ativa em Campinas: ciclistas de todas as partes de Campinas têm se unido para exigir do Prefeito a construção de ciclovias e ciclofaixas para tornar a cidade integralmente amigável à ciclomobilidade. Em 23 de janeiro de 2013, o então recém-eleito prefeito Jonas Donizette, prometeu, em um pedal com ciclistas da cidade, a construção de 100 km de ciclovias. Agora, em 2020, completamos 7 anos de sua promessa não cumprida!
– Obras do BRT: sem qualquer planejamento prévio e diálogo com a população, devido à pressa para inaugurar o BRT, o prefeito Jonas Donizette submeteu a população a muito trânsito e caos nas regiões do Campo Grande e Ouro Verde. E o pior, neste início de ano foi anunciado que o prazo para terminar a obra foi prorrogado por mais 9 meses!
– Segurança dos motoristas de transporte por aplicativo: os motoristas que fazem corridas por meio do aplicativo se mobilizam para exigir maior segurança para operar no município. Entre as reivindicações, pedem a retirada das placas de identificação dos veículos;
– Meia tarifa nos ônibus para estudantes de cursos pré-vestibulares: alunos e cursinhos pré-vestibular de Campinas estão unidos para lutar pela meia-passagem de ônibus para estudantes. Isso porque muitos estudantes acabam deixando de frequentar as aulas no decorrer do ano por não conseguirem arcar com os custos da passagem de ônibus de Campinas que atualmente é a mais cara do Brasil.
“Barragem não!”
– Luta para impedir a construção de barragens na APA de Sousas e Joaquim Egídio e em Pedreira: moradores e entidades de defesa ambiental de Campinas e Pedreira estão unidos para impedir a construção de barragens nas duas cidades devido ao grande risco que elas oferecem para a segurança de milhares de pessoas e aos danos ambientais irreversíveis;
– Criar e fortalecer as cooperativas de catadores e a Política Nacional de Resíduos Sólidos: cooperativas de catadores e movimentos sociais estão unidos para garantir que a Política Nacional de Resíduos Sólidos seja cumprida, em especial com relação ao tratamento das cooperativas, que devem ser priorizadas na coleta seletiva.
“O direito à moradia é a porta de entrada de todos os direitos!”
– O direito à moradia: hoje, em Campinas, esse direito é reivindicado, sobretudo, pelos movimentos por moradia existentes em Sousas, nos núcleos habitacionais Nelson Mandela, Capadócia e Itayú; e pela regularização fundiária de núcleos habitacionais do Campo Belo;
– Plano Diretor Participativo: o processo consultivo da Prefeitura Campinas para a elaboração do Plano Diretor do Município, aprovado pela Câmara Municipal em 2018, ocorreu à revelia do Estatuto das Cidades, o que levou os movimentos pela Reforma Urbana de Campinas a conseguirem na Justiça a suspensão de 38 artigo da Lei;
– Contra a verticalização em Barão Geraldo: moradores de Barão Geraldo vêm, ao longo das últimas décadas, se posicionando contrários à extensão da área urbana do distrito, transformando a área rural em área de expansão urbana, e, além disso, não querem a verticalização do distrito;
– Criação do Parque Rio das Pedras: moradores e entidades ambientalistas vêm se mobilizando pela transformação da Fazenda Rio das Pedras, localizada em Barão Geraldo, em um parque público;
– Pavimentação das ruas do Gargantilha e Monte Belo II: moradores desses dois bairros, localizados na Região Leste de Campinas, vêm lutando há anos pela pavimentação das ruas que, em dias de chuva, são intransitáveis pelo excesso de lama e, em dias de estiagem, provocam doenças respiratórias pelo excesso de poeira.
“15M: Greve Geral da Educação”
– Estivemos juntos aos estudantes das universidades e escolas públicas de Campinas nas ruas para lutar contra os cortes do Ministério da Educação nas verbas públicas;
– Dialogamos com estudantes indígenas, com suas experiências, dificuldades e desafios a serem enfrentados, sobre o vestibular indígena da Unicamp.
“O CAMPREV é nosso!”
– Estivemos juntos aos servidores públicos municipais na luta contra alterações no CAMPREV;
– Estivemos juntos aos servidores públicos municipais em todas as greves da categoria, na luta por melhores condições de trabalho.
“Ele não!”
– Sob a liderança das mulheres, o mais forte e combativo movimento social dos últimos tempos que vem lutando pelo direito das mulheres, contra o fascismo e contra a homofobia. Lutando contra governos fascistas e necropolíticos, como o de Bolsonaro, Doria e Jonas Donizette.
No governo, nosso agir político tem que concretizar essas lutas, fundamentadas, nas duas dimensões discutidas inicialmente.
PARTE 3 – CONCLUSÕES
Podemos, por fim, concluir que:
– teremos eleições muito difíceis em Campinas este ano, em que, apesar da queda da popularidade de Bolsonaro no atual contexto (ele que obteve 69% dos votos validos dos campineiros no segundo turno das eleições de 2018), o “bolsonarismo” continua muito vigente em meio ao povo;
– teremos que ter unidade política entre partidos de esquerda da cidade para, com isso, pararmos de competir pela “mesma fatia do bolo eleitoral” e começarmos a derrotar a adesão do povo ao fascismo e a necropolítica enquanto prática dos governos;
– essa derrota tem que partir de dois princípios fundamentais, que têm que estar expressos não somente num programa de governo comum, mas, sobretudo, no nosso agir político, que são: a conexão entre o que nos ensinam as universidades e os movimentos sociais. E essa união conseguiremos desde a perspectiva do “território usado pelo direito à cidade”, junto à “geração de trabalho e renda, por meio da economia solidária e da tecnologia social”, com o “’bem viver’ coletivamente”, sempre pautados pelo “combate ao racismo, ao feminicídio e à homofobia”.
Como discutido, considerado o comportamento do eleitor campineiro nas últimas eleições, teremos grande dificuldades nas eleições de 2020. Cenário agravado pelo que “pensa” o eleitor campineiro que é bastante permeável a pressupostos fascistas e praticas necropolíticas, as quais fundamentam o agir dos governos (nas três esferas) atuais.
Diante dessas dificuldades, temos que ter unidade na luta comum contra o avanço de pressupostos fascistas em meio ao povo e para conter a necropolítica como prática de governos. E, para isso, temos que ter um candidato a prefeito, assim como candidatos a vereadores e vereadoras, que representem essa unidade e que tenha forças para estruturar essas lutas.
1 Elaborado por Rogério Bezerra da Silva, Geógrafo, Mestre e Doutor em Política Científica e Tecnológica pela Unicamp. Assessor Legislativo na Câmara Municipal de Campinas.