A temporada de queimadas criminosas na Amazônia coincide com o aumento de 25% das internações por problemas respiratórios das populações locais. A informação consta no estudo “Impactos na qualidade do ar e saúde humana relacionados ao desmatamento e queimadas na Amazônia Legal brasileira”, desenvolvido pelo Instituto Socioambiental (ISA).
O levantamento analisou dados de internações em estados e municípios da Amazônia Legal durante o ano de 2019. A constatação é de que falta de fiscalização e de que há um estímulo à destruição da floresta, isso afeta diretamente a saúde da população que vive na região.
O estudo do ISA afirma ainda que, no caso das populações indígenas e das comunidades tradicionais, que protegem e vivem das florestas, os danos são ainda mais graves, uma vez que essas pessoas são mais vulneráveis.
O Brasil de Fato conversou Tiago Moreira, do ISA – um dos pesquisadores responsáveis pelo estudo –, para falar quais as consequências das queimadas para as populações da região. Ele explica que, em 2019, 81% dos municípios da Amazônia Legal apresentaram concentração das partículas de queimadas muito acima do limite estabelecido pela Organização Mundial de Saúde (OMS).
“Essas partículas podem afetar todas as pessoas que vivem nesses municípios, entretanto, as populações indígenas são mais vulneráveis para doenças respiratórias”, explica.
Confira a entrevista abaixo.
Brasil de Fato: O aumento de 25% das internações está afetando a saúde de indígenas com mais de 50 e menos de 5 anos. De que forma você percebe esse dado? Já que estamos falando tanto do futuro das populações indígenas, como também da ancestralidade, uma vez que são os anciãos detêm boa parte do conhecimento.
Tiago Moreira: É importante lembrar que as queimadas podem afetar a saúde de todas as pessoas. Uma das coisas que acontece quando uma área de floresta é queimada é a liberação na atmosfera de micropartículas, que nós chamamos de material particulado. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), as partículas menores que 2,5 micrômetros, ou seja, muito pequenas, podem penetrar profundamente no pulmão das pessoas e ir se acumulando, causando doenças respiratórias agudas. A OMS estipula uma média anual abaixo de 10µg/m3 como um nível seguro para a saúde humana.
Em 2019, por exemplo, 81% dos municípios da Amazônia Legal apresentaram concentrações dessas partículas muito acima do limite seguro, estabelecido pela organização de saúde. São partículas que podem afetar todas as pessoas que vivem nesses municípios. No entanto, as populações indígenas são mais vulneráveis para doenças respiratórias e várias pesquisas têm comprovado isso. Dentre as pessoas mais vulneráveis, estão as que têm idade menor que 5 anos – no caso das populações indígenas – e as que têm mais de 50 anos, ou seja, os anciãos desses povos.
Para entender o impacto dessa grande quantidade de material particulado na atmosfera, na Amazônia Legal, analisamos o número de internações causadas por doenças respiratórias em 2019. Olhamos para todas as doenças e internações que aconteceram nesse período e percebemos que, durante o período de queimadas, as internações tiveram uma alta bastante significativa, de 25%, afetando principalmente as duas faixas etárias que citei como mais vulneráveis.
Qual relação podemos estabelecer entre essas doenças respiratórias e a pandemia da covid-19?
O que acontece em relação à covid-19 é que ela é uma doença respiratória como a pneumonia. Ela é uma infecção respiratória aguda. Existem pesquisas feitas na Universidade de Harvard (Estados Unidos), na China, no Norte da Itália mostrando que essas mesmas partículas que são liberadas pelas queimadas estão presentes também nos poluentes. Elas podem agravar a questão da covid-19 e serem responsáveis por mais mortes.
Nesse momento que a gente está vivendo, que é essa nova temporada de seca e também nova temporada de fogo, o estudo surge para chamar atenção da opinião pública e das autoridades, pois existe um grande risco para a população indígena de ser afetada por uma onda ainda mais forte da covid-19, associada a esses materiais particulados na atmosfera.
Em quais estados da Amazônia esses dados são mais alarmantes?
Os casos mais alarmantes estão, sobretudo, na faixa conhecida como Arco do Desmatamento, que é a borda sul da Amazônia sobreposta nos estados de Rondônia, Norte do Mato Grosso, Pará e, principalmente, Rondônia.
Rondônia trouxe números preocupantes em relação ao aumento das internações e também em relação à concentração dos dados mensais desses materiais particulados, dessas micropartículas que ficam no ar e que prejudicam a saúde das pessoas. Na região, a gente estima que entre 60 e 70% do aumento das internações tiveram ligação com as queimadas e com a presença do material particulado no ar.
A pesquisa mostra, então, o quanto as queimadas geram inúmeros prejuízos para todos, sobretudo, para os mais vulneráveis?
Os prejuízos são bastante grandes. Existe essa perda da vida das pessoas, e quando falamos da relação dos povos indígenas é uma perda muito grave. Perder as pessoas mais velhas, os anciãos, é perder enciclopédias vivas, que conhecem as técnicas, as histórias e que ajudam a manter a língua viva. É um grande prejuízo.
Além disso, só de essas pessoas adoecerem, passarem um período internadas, ocupando leitos em hospitais é igualmente grave. A gente sabe que a situação de leitos em hospitais é escassa. Essa situação dramática pressiona ainda mais o sistema de saúde, aumentando os custos e muitas vezes tirando vaga de outras emergências, que são menos incontroláveis.
Nós sabemos que 80% das queimadas estão relacionadas ao desmatamento e à queima de material de biomassa do desmatamento. Sabemos ainda que 80% dessas micropartículas presentes no ar vêm dessas queimadas.
A solução para mudar isso existe, mas ela depende de uma ação séria e dura do governo para o combate do desmatamento ilegal.
É possível pensar em algum tipo de solução a curto prazo?
As medidas de curto prazo seriam ações e operações de fiscalização bem estruturadas. O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) tem condições de efetuar essas operações de fiscalização. Atualmente, o governo tem promovido uma operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), comandada pelo exército. A gente acredita que faltam operações que tenham o elemento de inteligência que é de domínio do IBAMA.
O IBAMA, por toda a sua experiência, por todo o trabalho de combate ao desmatamento que desenvolveu até 2014, quando foram registradas seguidas quedas no número de queimadas e de desmatamento, comprova a sua capacidade para isso.
Contudo, a partir de 2017 tivemos um agravamento dos números e, agora, na pandemia, registramos um aumento tanto do desmatamento quanto das ações ilegais dentro dos territórios na Amazônia. Algo que não víamos há décadas. Assim, acredito que é preciso operações de inteligência, de curto prazo, para deter não só as queimadas mas, sobretudo, o desmatamento. (Do Brasil de Fato)